ECONOMIA NACIONAL

31% da pequena indústria corre risco de fechar as portas nos próximos 90 dias.

Se preciso, reduzirei ainda mais o quadro de pessoal, afirma Humberto Gonçalves, sócio da Tec Stam.

Em 12/03/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Um país que é campeão mundial dos juros altos, a busca por crédito pode ser um ato heróico ou insano. Heróico se o tomador conseguir quitar a dívida acumulada. Insano se a bola de neve crescer exponencialmente, inviabilizando o pagamento. No Brasil atual, a insanidade supera todos os limites quando 21% dos micro e pequenos industriais se veem obrigados a recorrer ao cheque especial, inclusive da conta pessoal, para manter suas empresas vivas. São empresários que colocam em risco todo o patrimônio construído ao longo de décadas ao financiar o seu capital de giro a juros de 250% ao ano. Não é preciso ser um ganhador da Medalha Fields, prêmio equivalente ao “Nobel de Matemática”, para concluir que é enorme a chance de uma companhia quebrar se demorar a quitar esse financiamento abusivo. Pior ainda se o ambiente econômico e político estiver um caos, sem expectativa de uma reviravolta no curto prazo. O primeiro trimestre está terminando, nada de produtivo acontece em Brasília e o calendário financeiro das empresas não pode esperar. “O risco de fechar as portas, infelizmente, existe”, afirma Humberto Gonçalves, sócio da Tec Stam, indústria paulista de parafusos, porcas e arruelas. “Se preciso, reduzirei ainda mais o quadro de pessoal.”

Gonçalves não está sozinho. Uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), e publicada com exclusividade pela DINHEIRO, mostra que 31% dos empresários admitem que há chances reais de fechar as portas nos próximos três meses. É claro que esse não é o desfecho almejado por nenhum deles, mas poucos têm a coragem de expor pubicamente essa situação com medo de afugentar clientes e fornecedores. No caso da Tec Stam, o faturamento despencou 35% no ano passado, em relação a 2014. “Estamos vivendo agora o 15o mês de 2015, um ano que não acabou”, diz Gonçalves, que só conseguiu pagar o 13o salário dos seus funcionários em fevereiro. Para isso, utilizou-se dos juros estratosféricos do banco. “É caríssimo, mas eu não tenho alternativa. Por isso, incorporo o limite do cheque especial ao meu caixa e quito a dívida quando recebo de algum cliente.”

A rotineira tarefa de cobrar os clientes, no entanto, tem se transformado num desafio hercúleo para as empresas. Num cenário em que a previsão mais otimista é de retração de 3,5% do PIB, inflação superior a 6% e desemprego na casa dos 10%, o que mais se ouve é pedido de alongamento de prazos. Na prática, ou o empresário aceita ou toma um calote. É o caso da indústria gráfica Ciagraph, que tem sido assombrada pelo fantasma da inadimplência. Para tentar minimizar os sustos, a empresa passou a consultar o cadastro da Serasa antes de fechar negócios com alguns clientes. Após um desempenho ruim em janeiro, a gráfica conseguiu um respiro no mês passado, mas ainda é cedo para afirmar que a tendência seja de recuperação. “Em 20 anos de empresa, essa é a pior crise”, diz Marcos Paulo Del Nero, sócio da Ciagraph, que celebra o fato de ainda não ter recorrido a juros bancários neste ano. “Se voltar a piorar, terei de trabalhar em turno único e demitir funcionários.” 

GESTÃO FINANCEIRA Uma boa gestão de caixa pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma empresa – com ou sem crise econômica. É justamente uma má administração financeira que ajuda a explicar por que cerca de 60% das empresas criadas no Brasil quebram antes de completar cinco anos de vida, segundo levantamento feito pelo Sebrae-SP. Por trás desse elevad   o índice de mortalidade normalmente estão gestores que tomam decisões equivocadas, como cortar custos no coração da empresa, contrair um endividamento excessivo e – olha ele aí – recorrer ao cheque especial. “Essas falhas ficam mais evidentes quando a situação econômica piora e pega a empresa de surpresa”, diz Flávio Roberto de Souza, sócio-fundador da Finance Consultoria Financeira, especializada em pequenas e médias empresas. “O melhor caminho para sair do cheque especial é atingir um resultado operacional positivo, sobrando dinheiro para quitar as dívidas bancárias.”

Os especialistas ensinam que o sinal amarelo se transforma em vermelho quando uma pequena empresa toma emprestado para suprir o capital de giro o equivalente a três vezes o seu faturamento. Mesmo que a linha de crédito tenha juros bem menores do que os do cheque especial (leia quadro abaixo), esse nível de endividamento não é saudável. Numa situação de extremo aperto, tem sido muito comum os empresários decidirem não pagar os impostos. Segundo a pesquisa Simpi/Datafolha, essa é a realidade de 30% das micro e pequenas indústrias paulistas, o que ajuda a explicar a queda de arrecadação da União, dos Estados e dos municípios. “Desde que eu me conheço como empresa, eu nunca paguei imposto no dia certo”, afirma Dionyssios Georges Sellinas, da Fortti Industrial, que atua em automação na cadeia automotiva, um setor em grave crise. “Essa é a realidade dos empresários, que reconhecem a dívida e negociam com o governo.” Na hora do aperto, Sellinas não tem dúvidas: recorre a parentes e amigos para financiar o capital de giro, situação comum a 16% dos pequenos empresários. 

O quadro dramático do setor industrial está longe de ser restrito ao Estado de São Paulo. Nos últimos 12 meses, a produção encolheu em 12 das 15 regiões pesquisadas pelo IBGE, com quedas superiores a 10% no Rio Grande do Sul, Ceará, Amazonas e São Paulo. Além disso, há 51 meses consecutivos, o nível de emprego do setor encolhe em relação ao mesmo período do ano anterior. “A situação está muito difícil porque o problema é essencialmente político”, afirma José Augusto Coelho Fernandes, diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Ao se defender do impeachment, o governo abandona a energia reformista e fica imobilizado.” Na semana passada, o governo Dilma Rousseff sinalizou para a sua base aliada, incluindo algumas centrais sindicais, um possível adiamento do polêmico – mas necessário – debate sobre a Reforma da Previdência. Na quinta-feira 10, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, saiu em defesa da reforma sob o argumento de que a sustentabilidade fiscal do País passa pelo equacionamento do déficit das aposentadorias. “O adiamento do enfrentamento desse problema vai tornar inevitável a adoção de medidas mais drásticas num futuro muito mais próximo, o que não é bom para ninguém”, disse Barbosa, em Brasília.

Enquanto a solução para a crise política não surge, o dia a dia da economia segue piorando, e cada vez mais os empresários apontam o impeachment da presidente Dilma como a melhor saída para os problemas do País. Para as micro e pequenas empresas, em particular, o ano começou muito ruim, com retração de 20,3% do faturamento em janeiro na comparação com o início de 2015. Foi a 13a queda consecutiva mensal, segundo o Sebrae-SP. “Eu só não fecho a minha empresa porque somos apenas eu e o meu filho no negócio”, diz Rafael Faria, sócio da Auto Funilaria e Pintura Faria, que tinha seis funcionários em 2012. “A sorte é que sou o dono do terreno, pois, se fosse alugado, não teria como pagar.” Na tarde da terça-feira 8, enquanto conversava com a DINHEIRO, Faria lamentava que apenas um carro tinha ido ao seu estabelecimento até aquele momento. Nos bons tempos, há alguns anos, pelo menos oito veículos teriam passado por lá. “Sem dinheiro, o motorista circula com o carro amassado mesmo”, diz o empresário.

Sem saída, milhares de empreendedores Brasil afora estão enterrando seus sonhos e desistindo dos negócios. No ano passado, as Juntas Comerciais de todos os Estados registraram o fechamento de 354,4 mil empresas, a maior destruição de CNPJs deste século. Muitos estão recorrendo ao mecanismo da recuperação judicial como última alternativa. Segundo a Serasa Experian, foram requeridas 251 recuperações no primeiro bimestre deste ano, uma alta de 116,4% em relação ao mesmo período de 2015. “É um claro pedido de socorro”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. Nos dois primeiro meses do ano, houve 233 pedidos de falência, uma alta de 15,3%. “O pequeno empresário, em particular, vive um filme de terror”, afirma Joseph Couri, presidente do Simpi. “Precisamos garantir crédito para o setor produtivo sobreviver.” 

Preocupado com a situação, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro Neto, diz à DINHEIRO que o governo está estudando medidas para facilitar os financiamentos. “Usar cheque especial como capital de giro é algo terrível”, afirma Monteiro Neto (leia entrevista na pág. 21). Até meados de abril, o ministro promete anunciar uma nova política industrial, que terá como foco os ganhos de eficiência dentro das empresas. A ideia é torná-las mais competitivas para o momento em que a economia voltar a crescer. Até lá, as micro e pequenas empresas, responsáveis por 84% dos empregos no Brasil, tentarão sobreviver. Daqui 90 dias, no entanto, milhares terão sucumbido à dura realidade do País.

Entrevista com Armando Monteiro neto, Ministro do Desenvolvimento: 

Como virar o jogo da indústria brasileira?
Seria ingênuo e irrealista imaginar que o ajuste fiscal não geraria um impacto contracionista. Existe também um processo político que afeta as expectativas. Porém, eu tenho uma visão de que alguns fatores beneficiarão a indústria.

É o câmbio?
Exatamente. O realinhamento cambial é fundamental, porque a indústria sofreu muito com a sua valorização. Agora há espaço para aumentar as exportações e substituir as importações. Então, eu tenho razões para confiar que teremos uma inflexão, ainda que lenta, da atividade industrial.

No atual cenário de recessão, os micro e pequenos empresários sofrem sem crédito. Como irrigá-los?
Os bancos públicos têm um peso neste processo. No BNDES, estamos aumentando o prazo do cartão automático para 60 meses e a linha de capital de giro do Progeren para as pequenas empresas que faturam até R$ 16 milhões por ano, com custos mais baixos. Além disso, o Ministério da Fazenda estuda um apoio às micro e pequenas com a expectativa de utilização de uma parte dos compulsórios.

A pesquisa Datafolha/Simpi mostra que 21% usam cheque especial como capital de giro. Não é perigoso?
É algo terrível do ponto de vista de custo. É exatamente em função da maior aversão do sistema financeiro ao risco que o governo tem de agir.

Está em gestação uma nova política industrial?
Sim, é o programa Brasil Mais Produtivo, uma política industrial com foco na produtividade no chão de fábrica. 

Como isso será feito?
A partir de meados de abril, três mil pequenas e médias indústrias terão consultoria gratuita de melhoria de processos. Vamos medir os ganhos de produtividade após seis meses. Não é verdadeira aquela ideia de que os problemas só estão do lado de fora da empresa. A indústria brasileira tem problemas muito sérios de baixa produtividade.

E depois?
Numa segunda etapa, queremos adotar um programa de renovação do parque fabril, que tem equipamentos com idade média superior a 20 anos, contra oito anos dos nossos concorrentes. Não podemos ficar à margem da estrada chorando.

Simp/DINHEIRO