POLÍTICA INTERNACIONAL

A caneta nervosa de Trump já flexibilizou o programa de saúde Obamacar.

Em seus primeiros dias na Casa Branca, Donald Trump derruba medidas do antecessor.

Em 30/01/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O magnata Donald Trump nunca escondeu o que faria ao assumir a presidência dos Estados Unidos. Em seu discurso de posse, deixou claro que implementaria novas políticas econômica, social e externa. Mesmo assim, havia dúvidas se ele seguiria em frente ou se era apenas mais uma performance de um personagem recém-chegado à Casa Branca. Para mostrar que suas promessas de campanha não eram jogo de cena, Trump deu início a uma série de medidas desde seu primeiro dia no Salão Oval.

Ao terminar de assinar documentos, pose para fotos. O ritual se repetiu ao longo de sua primeira semana no poder. A caneta nervosa do presidente americano flexibilizou o programa de saúde Obamacare; retirou os Estados Unidos do que viria a ser o maior acordo comercial do mundo, a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), que contava com a participação de 40% do PIB do planeta; sinalizou uma renegociação com o Canadá e o México sobre o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês); aprovou a construção de um oleoduto criticado por ambientalistas.

E, seis dias após ser empossado, abriu uma crise diplomática com os mexicanos ao autorizar a construção do muro de separação entre os vizinhos. Detalhe: Trump afirmou que os mexicanos pagariam por ele. O presidente mexicano Enrique Peña Nieto cancelou a viagem oficial, agendada para 31 de janeiro, após mensagens hostis publicadas por Trump em sua conta pessoal no Twitter. “Se o México não quer pagar pelo muro, então seria melhor cancelar o próximo encontro”, escreveu o presidente.

Trump não está para brincadeira. Nos primeiros sete dias, ele implementou ao menos nove novas medidas. Ele sugeriu, por exemplo, a criação de um imposto de 20% sobre os produtos que tenham o México como origem. O dinheiro deverá ser revertido para a construção do muro, uma obra estimada em US$ 15 bilhões. As medidas do novo presidente, por mais instabilidade que possam criar no âmbito global, têm agradado os investidores. O índice Dow Jones, o principal da Bolsa de Nova York, ultrapassou a marca histórica de 20 mil pontos, em 25 de janeiro.A explicação é que a onda protecionista beneficia a economia doméstica americana. Por isso, Trump tenta conquistar a simpatia e a confiança do setor privado. No dia 23, ele recebeu 12 empresários e executivos, entre eles Mary Barra, presidente da General Motors; Mark Fields, da Ford; Michael Dell, fundador da Dell; e Elon Musk, da Tesla Motors, para reforçar que dará incentivo às companhias que produzirem localmente. O presidente já havia conseguido que a Ford cancelasse um projeto no México e transferisse esse investimento para o país.

Ele quer o mesmo compromisso das demais empresas. Nem as estrangeiras estão imunes a essa política. A chinesa Foxconn, responsável pela montagem dos produtos da Apple na China, sinalizou que pode investir US$ 7 bilhões para instalar novas unidades nos EUA. No longo prazo, porém, os especialistas enxergam que essas decisões trarão prejuízo para a economia americana. Uma análise enviada com exclusividade à DINHEIRO pela multinacional francesa Coface, seguradora de crédito especialista em riscos globais, mostra que o fraco desenvolvimento do comércio mundial, com projeção de crescimento de 1,7% para 2017, ante 2,8% previstos no início de 2016, poderá se agravar.Segundo o relatório, as medidas protecionistas de Donald Trump terão um impacto importante nos países que dependem da exportação para os EUA, como Honduras, El Salvador, Vietnã, Tailândia e México. O risco para eles é a alta da inflação e a queda dos investimentos. “Claramente, o México é quem mais sofrerá com o governo Trump, que consegue jogar com o vizinho por ser a potência da região”, diz Fernanda Magnotta, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). “A relação entre os países irá se deteriorar. Fala-se muito sobre a construção do muro, mas ele já existe e agora se intensificará.”Essa postura de isolamento coloca Trump como o principal risco geopolítico para 2017, de acordo com a consultoria americana Eurásia. O comércio global, já prejudicado pela desaceleração chinesa e a crescente onda protecionista na Europa, deve ser reconfigurado. A nova posição do governo americano exigirá uma revisão de diversos acordos multilateriais. O TPP, por exemplo, passa a ser uma incógnita sem a participação de seu principal membro. A decisão de Trump mexe tanto com medidas comerciais como com influências regionais. Com o tratado, os EUA continham a expansão da China na Ásia, que agora tem caminho livre para dominar o Pacífico.

Essa nova configuração foi tema do encontro do presidente americano com a primeira-ministra britânica, Theresa May, que visitou a Casa Branca no dia 27. “A eleição de Trump, provavelmente, resultará na retirada dos EUA de seu papel de líder de coalizões e permitirá que países como a China comecem a projetar suas próprias forças nesse vazio que se formará”, diz Jonathan Lieber, diretor do grupo Eurásia, especialista em Estados Unidos, em entrevista à DINHEIRO (leia mais ao final da reportagem). Os países têm reagido às decisões de Trump.Para tentar salvar o TPP, Steve Ciobo, ministro do comércio da Austrália, sugeriu a entrada da China no acordo. Outro movimento na mesma direção veio da Alemanha. A chanceler Angela Merkel e o vice-chanceler Sigmar Gabriel anunciaram que a indústria alemã aproveitará todas as oportunidades de comércio na Ásia e na América do Sul. “Todo protecionismo é negativo para o comércio”, afirma Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge e ex-secretário de Comércio Exterior. “Mas ele é pior quando vem de uma grande potência como os EUA, pois transforma a situação num jogo de soma zero.” As primeiras assinaturas de Trump tendem a beneficiar indiretamente o Brasil.Com o fim do TPP, especialistas veem espaço para o avanço das commodities brasileiras, como carne, soja, milho e trigo, além do minério de ferro, tanto no mercado europeu como no asiático. Mas esses sinais devem ser vistos apenas como positivos no curto prazo. A fragilidade da economia brasileira exige uma estabilidade global para uma rápida recuperação. Mas, o fechamento comercial dos EUA, a intensificação de tensões geopolíticas, o possível aumento da taxa de juros pelo Banco Central americano e o enfraquecimento do modelo democrático no mundo são negativos para o País.

Ainda não se sabe se o protecionismo americano vai esfriar ou aproximar o Mercosul da União Europeia. “A política comercial brasileira não pode ser pautada apenas por resultados da balança comercial”, diz Regis Arslanian, ex-embaixador do Brasil no Mercosul e sócio da GO Associados. “Precisamos estar presentes nas discussões comerciais, sair do foco Mercosul e intensificar a integração com o mundo globalizado.” Mas, dependendo das próximas decisões de Trump, o Brasil terá de rever suas prioridades comerciais.

Entrevista

“Os riscos estão aumentando para as empresas que dependem de exportações”

Jonathan Lieber diretor do grupo Eurásia, especialista em Estados Unidos

Quais serão os impactos dos decretos para a economia global?
Se bem sucedida, a substituição da produção estrangeira pela doméstica aumenta o potencial de emprego nos EUA. Mas traz preços mais elevados. Por outro lado, países como o México serão gravemente afetados, por serem dependentes da parceria com o vizinho. A equipe de Trump avaliou isso e planeja usar essa estratégia para criar termos de trocas comerciais mais favoráveis aos americanos.

Existe o “risco Trump” e o avanço de uma instabilidade geopolítica?
Para os EUA entrarem em uma guerra, o pedido deve ser autorizado pelo Congresso. Na ausência de um ato de terror, esse risco fica mais remoto. O verdadeiro perigo que Trump causa é o de um conflito com um país como a China, com a questão de Taiwan, por exemplo. O atrito entre eles é por falta de comunicação e uma série de mal-entendidos. Isso traz riscos também para os países aliados, o que poderia desencadear tensões crescentes sem que realmente tenha havido qualquer intenção de provocar um conflito.

A globalização está em perigo?
De um modo geral, a globalização trouxe paz e prosperidade às elites e países ricos, que se beneficiaram amplamente dela. Porém, fez com que parte da população desses países perdesse o emprego. Até o momento, não vimos um verdadeiro líder protecionista se manifestar com políticas que prejudiquem o mundo globalizado, mas os riscos estão aumentando para as empresas que dependem de exportações. Trump irá retirar os EUA de seu papel de líder de coalizões e permitirá que países como a China avancem nesse vazio.

Paula Bezerra/IstoÉDinheiro