NEGÓCIOS

A decolagem internacional da Smiles rumo à outros mercados

Piloto experiente: Leonel Andrade, CEO da Smiles, vai expandir fidelidade.

Em 05/05/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O executivo André Fehlauer, diretor de produtos da Smiles, está com uma passagem aérea confirmada para desembarcar em Buenos Aires nesta quinta-feira, 10 de maio.

E o bilhete, emitido com milhas da empresa de fidelidade da companhia aérea Gol, é só de ida. Fehlauer foi escolhido por Leonel Andrade, CEO da empresa de fidelidade, para ser o principal executivo da recém-criada Smiles Argentina. “Ele era o responsável por toda a inovação do nosso portfólio e agora passa a ser o head dessa nova operação na Argentina”, diz Andrade.

Estrutura

Toda a estrutura começará a ser montada a partir desta semana. Ainda não há equipe nem escritório alugado. A primeira subsidiária internacional da Smiles terá como objetivo conquistar clientes argentinos, que terão os mesmos benefícios que os brasileiros já desfrutam. “É uma startup”, afirma Fehlauer. “Vou começar a montar toda a operação em sinergia com o Brasil. Mas fazendo o que a Smiles já conseguiu fazer aqui.”

A escolha da Argentina tem uma razão de ser. Ela se encaixa em dois pilares estratégicos da Smiles. O primeiro é a companhia aérea. A Gol tem uma forte presença no mercado argentino, inclusive com um acordo de compartilhamento de voos com a Aerolineas Argentinas – no ano passado, a brasileira transportou 3,8 milhões de passageiros no país.

Isso significa que um cliente argentino terá possibilidade de trocar suas milhas Smiles por passagens em rotas locais. O programa de fidelidade da Aerolineas tem baixa participação na venda de bilhetes da própria companhia, cerca de 3%. Por parte da empresa aérea argentina, há interesse em preencher os assentos que ficam livres em seus voos. O segundo pilar é ter bancos onde se possa fazer o acúmulo de pontos.

Visitas

Nesses últimos três meses, Leonel Andrade fez diversas visitas às instituições financeiras argentinas e identificou oportunidades de parcerias. Dos três maiores emissores de cartão de crédito, apenas o Bilbao Vizcaya tem um acordo com a Latam. O Banco Galícia não tem contrato fechado com nenhuma empresa aérea e o Santander possui um com a American Airlines, mas que não exige exclusividade.

“Para os argentinos, não existe nenhum negócio igual ao nosso. O programa da Aerolineas praticamente só é usado dentro dela”, afirma Andrade. “Temos um mundo aberto para explorar na Argentina. Mas há outras oportunidades, como o Chile.”

Com mais de 14 milhões de clientes ativos, a decolagem internacional da Smiles é o primeiro passo do novo plano de crescimento da companhia, que foi definido no fim do ano passado, para ser cumprido nos próximos cinco anos. “O mercado internacional é rentável e a expansão para fora do País faz todo sentido para a Smiles”, diz Victor Mizusaki, analista de transportes da Bradesco Corretora.

“O mercado externo é um dos caminhos para a empresa continuar a crescer com diferencial.” Desde o toque da campainha em 29 de abril de 2013 na BM&FBovespa (hoje B3), que marcou o início das negociações das ações da companhia na bolsa de valores, os esforços eram para fazer com que o cliente percebesse que a Smiles era um programa que ia além da Gol. Há cinco anos, 97% dos resgates de milhas eram usados em voos da controladora. Agora, essa participação caiu para 60%.

30% dos resgates

As empresas estrangeiras ficam com cerca de 30% dos resgates e os 10% restantes vão para outros itens de viagens, como locação de veículos ou reserva de hotéis. A partir de agora, o CEO da Smiles quer ir além do avião e transformar o seu negócio no mais completo marketplace de turismo e entretenimento do País. A empresa já tem a principal informação do cliente, que é o destino e a duração da viagem. Com isso, é possível oferecer desde deslocamento até passeios. E mesmo que as compras sejam pagas com dinheiro, o gasto é transformado em milhas, que formam um círculo virtuoso de acúmulo e resgate. “A Smiles vai continuar vendendo o serviço de outras empresas”, diz Andrade. “A projeção é ter até 20 grandes parceiros, que também possam se beneficiar desse sistema.”

Nesse período de cinco anos, havia a expectativa sobre quando a Smiles conseguiria igualar a participação de mercado da Multiplus, que era praticamente a monopolista do segmento (confira quadro na página 37). Para isso, a Smiles definiu desde o início que a inovação seria seu principal motor de crescimento.

“O Leonel plantou a sementinha da obsessão pela inovação dentro de todos aqui”, diz Marcos Pinheiro Filho, diretor financeiro da Smiles. Para isso, colocou como objetivo lançar um novo produto a cada trimestre. Na sede da empresa em Alphaville, onde ficam os 124 funcionários, esses projetos são desenvolvidos na única sala fechada onde só se entra com identificação.

Lá são pensados, analisados e estudados os lançamentos de produtos. Duas pessoas desenham e monitoram os concorrentes globais, para ver quais ideias podem ser aproveitadas no mercado brasileiro.

Há cartazes espalhados nas paredes, com os projetos que estão em fase final de aprimoramento. Foi dessa sala que surgiu, por exemplo, o Clube Smiles, o primeiro do segmento a beneficiar os assinantes com milhas mensais e descontos sobre todas as promoções, e o Smiles é Money, que foi inspirado no programa criado pela American Airlines que permite combinar milhas e dinheiro na compra de passagens aéreas. “Fazia muito tempo que eu não conhecia uma empresa tão redonda”, diz o consultor Claudio Galeazzi, que foi um dos três novos conselheiros a tomar posse em 30 de abril no Conselho de Administração da Smiles. Os outros dois são Leonardo Pereira, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, e o investidor independente Felipe Dias.

Paulo Kakinoff, presidente da Gol: “A performance entregue pela Smiles constitui um novo paradigma de gestão” (Crédito:Silvia Costanti / Valor)

A Smiles direciona anualmente 1% da receita líquida, que foi de R$ 1,8 bilhão no ano passado, para a inovação. No ano passado, foram consideradas 556 ideias. Todos os funcionários podem fazer sugestões, sobre qualquer inspiração. De todas elas, 38 entraram no funil final, que já considera todos os aspectos válidos para um lançamento.

Dessas, cerca de 10 estão na lista de prioridades de desenvolvimento neste momento. O principal projeto para este ano é o novo mecanismo de busca de passagens aéreas. A empresa tem hoje 9 milhões de vôos integrados – todas as opções das 14 companhias aéreas multiplicadas pelos próximos 330 dias. Atualmente, qualquer pesquisa aparece se tem ou não disponibilidade de vôo. A partir de junho, o aplicativo mostrará outras opções de datas, para frente ou para trás. Somente a American Airlines tem isso disponível, para os próprios vôos.

A Smiles será a primeira a integrar as opções de todas as suas parceiras. “Tudo o que está na vanguarda da tecnologia nós estamos implementando aqui”, afirma Tulio Oliveira, diretor de tecnologia da Smiles.

A trajetória da Smiles no mercado de capitais é um capítulo à parte. Quando foi à bolsa, o valor de mercado da Multiplus era praticamente o dobro do da Smiles. Na quarta-feira 2, foi registrada, até aqui, a maior diferença histórica entre as empresas: a Smiles alcançou R$ 9,1 bilhões em valor de mercado, 97% a mais do que sua principal concorrente.

Quem comprou o papel da empresa no dia do IPO tem um retorno 4,2 vezes maior que o da Multiplus (confira o gráfico na página 38). Os números da companhia explicam esse bem-sucedido desempenho. Nesses cinco anos, o lucro líquido da empresa cresceu quase 170%, enquanto que o da rival foi de 60%. “A performance entregue pela Smiles nesse cinco anos se constitui em um novo paradigma de gestão de programas de fidelidade”, diz Paulo Sergio Kakinoff, presidente da Gol.

Somente no ano passado, o lucro líquido cresceu 43,7%, para R$ 760,6 milhões. Muito desse resultado vem de uma reestruturação societária promovida pela Gol. A Webjet, adquirida pela empresa em 2011 e descontinuada no ano seguinte, absorveu a Smiles e mudou de nome. A operação serviu para que a Smiles pudesse absorver R$ 189 milhões em créditos tributários, que foram distribuídos para todos os acionistas em forma de dividendos. Essa foi a maneira encontrada pela Gol para conseguir recuperar esses créditos e ter direito a receber R$ 101 milhões – o equivalente a 54% de sua participação. O mercado analisou como uma operação ganha-ganha, com benefícios para todos os acionistas. Os minoritários não foram prejudicados.

Túnel do tempo: Kakinoff, da Gol, Andrade e Constantino Jr. (da esq. à dir.) no toque da campainha do IPO, há 5 anos (Crédito:Divulgação)

No início de março deste ano, no entanto, a governança corporativa da companhia foi posta em xeque pelos investidores. A empresa publicou um fato relevante informando que reduzirá a distribuição de dividendos de 100% para 25% em 2019. “Desde 2013, nós retornamos um valor total de R$ 2,8 bilhões aos nossos acionistas. Não obstante a disciplina de retorno de valor aos acionistas, a Smiles está trabalhando para melhorar suas operações e relocar capital para oportunidades de maior retorno esperados”, dizia o informativo.

Em 7 de março, dia seguinte à publicação, o vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Gol, Richard Lark Jr., disse na teleconferência de resultados que essa decisão da Smiles poderia ajudar a Gol a melhorar a sua própria classificação de risco. Isso foi interpretado como uma forma de melhorar o caixa da companhia aérea e uma interferência na governança corporativa da empresa. No dia, a ação da Smiles recuou 9,9% e a Gol caiu 2,3%, enquanto que o Ibovespa perdeu 0,2%.

“O principal ponto de desgaste é se a controladora influencia nas decisões da Smiles”, diz Felipe Silveira, analista da Coinvalores. “A redução dos dividendos é bastante considerável e a Smiles não deu detalhes sobre o que fará com o caixa adicional. Mas não se sabe ainda se essa nova realidade dos dividendos ficará por mais tempo.”

Dentro da Smiles, o assunto é tratado com todo o cuidado. Até Leonel Andrade prefere ser econômico nas palavras: “Não é um episódio bom, mas creio que tem uma reação exagerada, que vai passar”. É algo bastante incomum para um executivo que foi escolhido, em 2012, justamente pela energia para comandar e motivar a equipe. Andrade estava de saída da operação de varejo do Citibank no Brasil, quando foi convidado para assumir a Smiles, que tinha 12 funcionários e se preparava para realizar o road show com investidores antes da abertura de capital.

No encontro com Constantino Jr., acionista e presidente do Conselho de Administração da Gol, ele quis saber por que o nome dele havia sido escolhido? Ouviu como resposta que, além do apoio dos conselheiros, o mercado dizia que Andrade era a cara de uma startup. “Você está me convidando para criar a infraestrutrura, o marketing e uma área comercial em torno de nove milhões de clientes”, respondeu o executivo.

“Topo fazer, mas não acho isso uma startup, porque a coisa mais difícil do mundo é ter cliente.” Desde então, Andrade tem trabalhado com energia incansável.

Todos os dias pela manhã, às 7 horas, recebe um resumo com todos os números da companhia, de novos sócios do Clube às milhas convertidas em passagens. É comum lembrar de dados antigos e, às vezes, encontra inconsistência nas informações. É quando Pinheiro Filho, o CFO, tem de correr para consertar o erro. Às terças-feiras, o comitê executivo da companhia fica trancado na sala América do Norte para apresentar os resultados e bolar as estratégias. Conhecida por “Terça Insana”, os sete executivos almoçam no local (pedidos no Almanara ou no Galeto’s) e ficam praticamente indisponíveis ao longo do dia.

É o jeito de Andrade cobrar e extrair o melhor da criatividade de seus comandados e garantir que os investimentos estão na direção correta. Além da obsessão com números, Andrade exige bom humor. Para isso, abusa de trocadinhos com o nome da empresa. “Smiles por mim Argentina” foi sua última criação, inspirado na música Não chores por mim, Argentina, que foi um dos símbolos dos anos 1970 no país, que estava sob o comando do ditador Juan Domingo Perón.

Imagem: Claudio Gatti