ECONOMIA NACIONAL
Acordos para reduzir salários e jornada quadruplicam no 1º semestre.
Indústria metalúrgica, química e de construção civil lideram pactos do tipo.
Em 11/08/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Saltou quatro vezes no primeiro semestre de 2016 o número de empresas que reduziram o salário de seus funcionários, por meio de acordos que cortaram as horas de trabalho. Os dados são de uma amostra de dados pesquisada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) no Ministério do Trabalho.
A maior parte dessas reduções (63%) aconteceu fora do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), lançado no ano passado para desestimular demissões em empresas que alegam ter dificuldades financeiras. Sindicatos e patrões fecharam 209 acordos do tipo com a promessa de manter os empregos, contra 49 nos seis primeiros meses do ano passado. A jornada e os salários caíram, em média, 20%.
A indústria metalúrgia foi o setor com o maior número de acordos no semestre (122), seguida pela indústria química, farmacêutica e de plásticos (19) e da construção civil (13). Também houve casos de jornada menor no setor de serviços, em especial no segmento de contabilidade e consultoria.
Dificuldades do PPE
A fornecedora de máquinas para a indústria automotiva Prensa Schuler, sediada em Diadema (SP), foi uma das que tentaram, mas não conseguiram se enquadrar nas exigências do PPE. A solução para não demitir foi fazer um acordo coletivo direto com o sindicato no fim do ano passado para reduzir a jornada em quatro dias num período de dois meses.
Nesse intervalo, um grande pedido de exportação reduziu a capacidade ociosa e levou à interrupção do acordo, segundo a assessoria de imprensa da Schuler. Se o pacto não tivesse sido fechado, informou a empresa, os funcionários recém-demitidos teriam que ser admitidos para atender ao pedido.
PPE
Dentro do PPE, o trabalhador que tem a jornada reduzida em 30% recebe uma salário até 15% menor – já que os outros 15% são complementados por uma ajuda do governo, vinda do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Fora do programa, não há essa compensação e a redução salarial pode ser maior, desde que aceita pelo sindicato. Em troca, a empresa fica impedida de demitir.
Muitas indústrias tiveram dificuldade em aderir ao programa. Para se enquadrar, é preciso estar em dia com as obrigações trabalhistas e comprovar que demitiu mais trabalhadores do que contratou nos últimos 12 meses. Também é necessário ter esgotado o primeiro o uso do banco de horas e períodos de férias, inclusive as coletivas.
Na prática, o programa do governo atendeu quase que exclusivamente empresas do setor metalúrgico. “Outros setores, como o comércio e serviços, têm muita dificuldade em se enquadrar no programa e não se beneficiaram”, avalia a advogada especializada em relações do trabalho e consultora de entidades sindicais, Zilmara Alencar.
O diretor da secretaria jurídica do Sindicato dos Químicos de São Paulo, Edson Passoni, conta que boa parte das empresas do setor tentou aderir ao PPE, mas não atendeu aos requisitos do programa por estar inadimplente ou com atrasos no pagamento de direitos trabalhistas.
“No nosso setor, as empresas ainda têm preferido esgotar todas as possibilidades previstas em lei, como recorrer à licença-remunerada ou férias coletivas para aliviar a ociosidade na produção. Redução de salário seria a última alternativa antes da demissão”, diz.
Como o PPE vence em dezembro de 2017, o governo interino anunciou que vai enviar ao Congresso um projeto para torná-lo permanente. Se nada for feito, após esse prazo nenhuma nova empresa pode aderir ao programa e aquelas que já participam terão o benefício extinto até lá.
Até maio, o programa atendeu desde sua criação 49 mil trabalhadores, cinco grandes montadoras e 53 fornecedores. Doze dessas empresas já prorrogaram a participação. Para o professor da USP e coordenador da pesquisa da Fipe, Hélio Zylberstajn, esse número ainda é muito baixo perto de um mercado de 40 milhões de trabalhadores assalariados.
Flexibilização da CLT
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, disse no último dia 21 de julho que defende a prevalência dos acordos coletivos sobre as leis trabalhistas somente em “pontos específicos”. Ele citou como exemplos a flexibilização da jornada de trabalho e dos salários, um dia após anunciar que o governo enviará ao Congresso propostas de mudanças na CLT ainda este ano.
“Antes os sindicatos lutavam por reajustes acima da inflação e tinham conquistas reais, mas com a retração da economia eles passaram a lutar apenas para manter direitos conquistados”, afirma Zilmara.
Segundo a advogada, a possibilidade real de demissões tornou as negociações entre patrões e trabalhadores “desproporcional”. Em sua avaliação, os acordos tomaram força quando os sindicatos perderam a margem de negociação. “Eles acabam cedendo a tudo em troca da manutenção do emprego”, diz.
A curta duração dos empregos seria outro estímulo para mais acordos, acredita. Segundo o Dieese, cerca de 65% dos trabalhadores não completam um ano em empregos com carteira assinada. “A alta rotatividade contribui para que os empregados aceitem qualquer condição para não ser demitidos”.
Para Zylberstajn, a criação de leis que flexibilizam as regras trabalhistas atende à demanda de empresários que querem ampliar a jornada em períodos de maior produção e reduzí-la quando houver ociosidade.
“Muitas empresas gostariam de ter uma jornada anual e não semanal para adaptar picos de trabalho, com possibilidade de horas extras em períodos com maior demanda por produtividade”, diz Zylberstajn.
Uma possível flexibilização também poderia alterar regras de políticas salariais, horas extras e remuneração variável, segundo o economista.
Acordos anulados pela justiça
A Constituição prevê que a redução dos salários e da jornada só pode ocorrer por negociações coletivas. Mas boa parte dos tribunais, com jurisprudência consolidada no TST, têm dado ganho de causa aos trabalhadores quando os acordos são questionados na justiça. Algumas decisões chegam a anular a redução salarial e obrigam a empresa a pagar os salários integralmente, observa Zilmara.
Segundo a advogada, a criação de leis específicas de flexibilização pode desautorizar os tribunais a anular esses acordos, assunto que é alvo do interesse dos empresários. “Esses acordos deveriam vir acompanhados de alguma compensação para o trabalhador, como a ampliação da licença-maternidade e outro benefício, para que ele não atenda apenas às necessidades financeiras da empresa”, acrescenta.
Fonte: g1-SP