ECONOMIA NACIONAL
Baixa rentabilidade e crise fazem brasileiros fugirem da poupança.
Saída de recursos da caderneta no 1º semestre foi a maior em 22 anos.
Em 07/07/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
A baixa rentabilidade da poupança frente a outras aplicações aliada à necessidade de tirar dinheiro da caderneta para pagar contas em consequência do aumento do custo de vida, da queda na renda ou do desemprego, tem feito com que as retiradas da mais tradicional modalidade de investimentos do país batam recordes mês a mês.
As retiradas de recursos da caderneta de poupança superaram os depósitos em R$ 42,6 bilhões no primeiro semestre deste ano, informou o Banco Central na quarta-feira (6). Foi a maior perda de recursos para este período desde o início da série histórica, em 1995, ou seja, em 22 anos.
O dentista Alexandre Moura Serrano, de 27 anos, optou por tirar todo o dinheiro da poupança, pois viu que seu dinheiro estava rendendo abaixo da inflação. Ele conta que tinha poupança desde os 18 anos, quando abriu sua conta universitária, e sempre teve o hábito de guardar uma parte do salário.
“Decidi tirar o dinheiro da poupança para colocar em outro investimento por uma questão de rendimento. Nunca deixei muito dinheiro na poupança pelo fato de o rendimento ser baixo, mas sempre a usei para guardar uma quantidade mais significativa e depois passar para outro investimento mais rentável, como fundos de investimento. Porém, da última vez, pelo fato de a inflação estar muito alta, optei por tirar tudo da poupança para colocar em outro lugar mesmo não sendo uma quantia muito alta”, explica.
Serrano colocou o dinheiro em um CDB. Foi a primeira vez que ele retirou todo o dinheiro da poupança. Além do CDB, ele tem um título do Tesouro Direto.
O cirurgião dentista conta que chegou a considerar a poupança o melhor investimento em algum momento, mesmo sabendo que rendia menos que as outras aplicações. “Assim que abri minha conta, porque não tinha um salário estável, a liquidez da poupança era atrativa para mim, já que poderia ser necessário eu mexer naquele dinheiro”, conta.
Ele pretende manter o dinheiro na nova aplicação. “O prazo do meu CDB acaba no próximo ano e devo abrir outro assim que acabar. O rendimento foi satisfatório e não é um dinheiro que eu pretendo usar em nenhum momento próximo.”
Para Serrano, a grande vantagem da poupança é a liquidez, que é “poder colocar e tirar dinheiro dela com facilidade, principalmente se for vinculada a uma conta corrente”. “Considero uma vantagem também não ter nenhum desconto no imposto de renda. A desvantagem para mim é o rendimento, que é baixo e mensal”, diz.
Já no caso do CDB, ele acha que a vantagem é ter um rendimento maior que a poupança, diário e sem a necessidade de se ter um valor muito alto para investir. “Se você tiver um valor maior, pode conseguir taxas melhores de rendimento. A desvantagem é que não tem tanta liquidez quanto a poupança. O dinheiro tem que ficar parado por algum tempo para ter um retorno considerável depois do desconto do imposto de renda”, explica.
Só ficaram R$ 15
Flávia dos Santos, de 33 anos, sacou quase todo o dinheiro da poupança nos últimos tempos – o valor era de cerca de R$ 20 mil. “Estava sem dinheiro. Além disso, gastei bastante para comprar presente de casamento para minha irmã e mobiliar minha casa”, diz.
A conta ficou quase vazia no fim do ano passado – sobrou apenas R$ 15. “Não tirei tudo para não fechar a conta”, conta.
Agora ela não tem nenhum investimento - depende só do que ganha com seu trabalho. Ela confessa que tem receio quando pensa que não tem nenhuma reserva. Mas quando sobrar dinheiro de novo pretende aplicar na poupança de novo.
“No momento não tem sobrado dinheiro para guardar na poupança. E não tenho nenhum investimento. “Dá muito medo”, diz.
Situação apertou
A turismóloga Ana Paula Santos Pacheco, de 33 anos, também teve que sacar todo dinheiro da poupança para pagar contas. Ela mantém a aplicação para receber o dinheiro de aluguéis de imóveis de sua propriedade. Mas como sua situação financeira apertou, ela não tem mais conseguido manter uma reserva na conta poupança.
“Tive que sacar tudo porque precisei. Não vejo no momento uma melhora da economia. Acho que vai demorar um pouco ainda. Assim que melhorar volto a depositar”, diz.
Ela diz que sempre que pode economizar um pouco ela põe na poupança. “Economizo uns meses para reformar imóvel ou viajar”, afirma.
Fatores
De acordo com o diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, contribui para essa retirada recorde a elevação da taxa básica de juros, que aumentou a rentabilidade das aplicações financeiras em títulos públicos como fundo de renda fixa, CDB e tesouro direto em detrimento a uma menor rentabilidade da poupança. A taxa Selic está em 14,25% ao ano (o maior nível em 10 anos).
Com isso, os investidores têm retirado suas aplicações na caderneta de poupança, migrando outros investimentos que apresentam um resultado superior. Em maio, os fundos de renda fixa apresentaram uma rentabilidade bruta de 1,11% contra uma rentabilidade de 0,65% da caderneta de poupança. Em 12 meses, os fundos de renda fixa tiveram uma rentabilidade bruta de 13,98% contra um rendimento de 8,37% da caderneta de poupança. A poupança continua atrativa somente para fundos com taxas de administração acima de 2,5% ao ano.
No ano passado, a rentabilidade da poupança foi de 8,15% e perdeu para a inflação, que alcançou 10,67%. Descontada a inflação, portanto, quem manteve recursos na poupança ao longo de 2015 viu a caderneta perder 2,28% do poder aquisitivo, de acordo com a consultoria Economatica. É o pior resultado desde 2002.
"Outros fatores são inflação elevada, juros elevados e aumento de encargos e impostos, que reduzem a renda das famílias e dificultam o orçamento. O crescimento nos índices de desemprego também contribui com o aperto para pagar as contas. Assim, menos recursos sobram mensalmente das famílias para pouparem e muitas são obrigadas a resgatar seus investimentos para complementar a renda e conseguir pagar os compromissos", diz Oliveira.
Para o especialista, para os próximos meses, a tendência é de que a redução no volume dos depósitos da poupança se acentue, agravando ainda mais em um ambiente econômico mais recessivo, com a elevação nos índices de desemprego e de inadimplência.
Poupança pode ser boa opção
Apesar do baixo rendimento, especialistas avaliam que a caderneta de poupança ainda pode ser uma boa opção, mas somente em poucos casos. Por exemplo: para pequenos poupadores (com pouco dinheiro guardado), para pessoas que buscam aplicações de curto prazo (poucos meses) ou que procuram formar um "fundo de reserva" para emergências.
A vantagem da poupança em relação a outros investimentos é que não incide Imposto de Renda sobre a aplicação.
Nos fundos de investimento, ou até mesmo no Tesouro Direto (programa do governo de compra de títulos públicos pela internet) há cobrança do IR e, na maior parte dos casos, de taxa de administração. Nos fundos de investimento e no Tesouro Direto, o IR incide com alíquota regressiva, ou seja, quanto mais tempo os recursos ficarem aplicados, menor é o valor da alíquota incidente no resgate.
Fonte: g1-SP