ESPORTE NACIONAL
Clubes brasileiros têm R$ 2,4 bi em dívidas trabalhistas
Botafogo e Vasco lideram ranking de mais de 3 mil processos nos TRTs.
Em 18/08/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Os 21 principais clubes do país somam cerca de R$ 2,4 bilhões em dívidas trabalhistas e são réus em 3.037 processos na Justiça. O valor corresponde a quase o dobro do estádio mais caro da Copa do Mundo em 2014, o Mané Garrincha, que custou R$ 1,4 bilhão. É mais que o dobro do total arrecadado com a venda de direitos de jogadores para o exterior em 2017 até agora, que foi R$ 957 milhões, segundo a CBF. E três vezes mais o montante pago pelo PSG para contratar Neymar. Os dados foram levantados pelo GloboEsporte.com nos balanços financeiros de 2016 e nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) em cada estado e se referem aos 20 times que disputam a Série A este ano mais o Internacional. Para o cálculo, três especialistas da área contábil foram ouvidos. A situação é ligeiramente melhor que em 2015, quando, também segundo os balanços financeiros, os mesmos times registraram R$ 2,6 bilhões de dívidas trabalhistas.
O passivo trabalhista corresponde a 38% dos débitos totais dos clubes, que é de cerca de R$ 6,3 bilhões. O restante do saldo devedor é composto por dívidas bancárias e fiscais, além de despesas operacionais. Os números podem apresentar variação. Alguns processos que constam no levantamento podem ter sido arquivados ou já resolvidos, segundo os clubes, mas continuaram registrados nos tribunais. Agora, além de problemas judiciais, o atraso no salário ou no recolhimento de direitos como INSS e FGTS poderá também trazer prejuízo esportivo ao clube. No último dia 1º de junho, o Santa Cruz foi o primeiro time brasileiro a perder pontos por falta de pagamentos.
As ações são movidas por qualquer funcionário, mas os casos que movimentam os maiores montantes são de atletas e membros da comissão técnica. Os dados relativos aos processos foram obtidos no fim de março. Os valores das dívidas também são estimados e baseados nos balanços financeiros e podem variar de acordo com novas sentenças ou débitos quitados.
A dívida trabalhista é composta por dois itens. A menor parte se refere a débitos na Justiça do Trabalho resultantes de sentenças já julgadas e que envolvem qualquer tipo de processo na área, como falta de pagamento de salários e de direitos de imagem. A maior parte, 73%, corresponde a impostos não recolhidos (INSS, IRRF e FGTS), que são encargos trabalhistas de responsabilidade das empresas, mas que na contabilidade dos clubes é registrada como dívida fiscal. O montante referente aos impostos, em sua maioria, está parcelado em programas de refinanciamento das dívidas com o governo, como o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), em vigor desde agosto de 2015. A nova legislação prevê um parcelamento de até 240 meses (20 anos) de todas as dívidas dos clubes com a União, desde que cumpram uma série de contrapartidas.
Em estudo de 2005 da revista eletrônica especializada em direito, “Consultor Jurídico”, que considerou apenas dez times (Atlético-MG, Cruzeiro, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Santos, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco), o número de processos trabalhistas movidos contra os clubes era de 2.821. Naquele ano, o líder era o Botafogo, com 723 processos. Em 2017, ele continua na frente, mas com um total mais modesto: 391. Como consequência, o Glorioso é quem detém o maior débito com a Justiça do Trabalho: cerca de R$ 197 milhões de sua dívida trabalhista de R$ 291 milhões vêm de sentenças judiciais. O Vasco vem logo em seguida em número de processos, com 390. O Flamengo está no topo da lista da dívida trabalhista, com saldo de R$ 300 milhões, mas 88% do valor está previsto no parcelamento do Profut. Rebaixado à Série B em 2016, o Internacional também se destaca no topo dos réus. Com 215 processos nas costas, é o terceiro na lista, mas tem dívida controlada com o parcelamento do programa do governo.
Dentre as 21 equipes analisadas, a Chapecoense é quem está mais tranquila. Tem apenas quatro processos registrados no TRT-SC e praticamente não tem dívidas. Porém, a diretoria da Chape prevê um possível aumento no número de reclamações trabalhistas depois da tragédia de novembro do ano passado. O clube se planeja para os pedidos de indenização das famílias das vítimas na queda do avião que levava a delegação da equipe para Medellín, onde fariam o jogo contra o Atlético Nacional pela final da Copa Sul-Americana.
O volante Léo Gago, de 34 anos, é ex-jogador de Coritiba, Grêmio, Palmeiras, Vasco, Bahia e vários outros clubes e conviveu com a má gestão de várias equipes. Ele disputou o Campeonato Paranaense neste ano pelo Cianorte. Mas se aventurou no futebol amador no ano passado após enfrentar inúmeros casos de atraso de salários e chegou a cogitar abandonar a carreira.
– Uma vez fui cobrar meu dinheiro e falei para o meu presidente: “Joguei 10 partidas, estou sem receber desde que cheguei”. Ele respondeu: “Você jogou, mas seu custo-benefício não foi bom. Estamos na zona de rebaixamento”. E o que estava no meu contrato não valia nada? – lembra Léo Gago, sem querer citar qual clube era.
145 PROCESSOS POR CLUBE É MUITO?
Os 3.037 processos enfrentados pelos principais times brasileiros dão uma média de 145 para cada um dos 21 clubes analisados. Advogado especialista em Direito do Trabalho Desportivo, Maurício Corrêa da Veiga não considera o número tão alto. Ele baseia-se na grande quantidade de contratos profissionais assinados no futebol brasileiro e o período máximo que cada vínculo pode ter, que é de cinco anos. Se cada elenco tem, em média, 30 atletas, além da comissão técnica, e com a alta rotatividade no futebol brasileiro de jogadores e treinadores, o número de reclamações trabalhistas, segundo Maurício, poderia ser maior.
– É um universo baixo. Pode ter atraso, mas o clube tenta quitar tudo. Muitos processos dependem de interpretação jurídica, como por exemplo o direito de imagem. É um contrato, normalmente, com uma empresa que administra a imagem do jogador. Muitos desses processos têm um pano de fundo – opina o advogado.
No entanto, o advogado especialista em Direito Esportivo, Filipe Rino, discorda. Ele considera os mais de 3 mil processos “um número altíssimo e assustador”. Filipe diz que a maior parte desse número se refere a jogadores, donos dos maiores salários nos clubes.
– Vamos partir da premissa que cada clube utilize 35 atletas em média a cada ano. É como se nos últimos cinco anos, praticamente, quase todos atletas processassem o clube para atingir essa média de 145 processos por time – opina Filipe.
Para diminuir os problemas judiciais no futebol, o advogado Maurício Corrêa da Veiga entende que é necessário criar um ambiente específico para o direito desportivo em vez de se aplicar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
– Na minha opinião a adoção de meios alternativos de solução de conflitos (como mediação e arbitragem, por exemplo), seria o ideal para resolver as disputas trabalhistas desportivas e as questões disciplinares desportivas. Esse é o futuro.
PUNIÇÕES? SÓ EM 2018. SE HOUVER…
Lei desde agosto de 2015, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) prevê um parcelamento de até 20 anos de todas as dívidas dos clubes com a União, desde que cumpram uma série de contrapartidas. Ao todo, segundo a Receita Federal, 111 clubes de futebol se inscreveram no Profut. Da Série A, apenas Palmeiras, Sport e Chapecoense não aderiram ao programa.
O texto impôs novas regras e também alterou alguns artigos de duas legislações: a Lei Pelé, principal norma jurídica do esporte brasileiro, criada em 1998, e do Estatuto do Torcedor, de 2003, lei criada para proteger os torcedores e consumidores do esporte no país. Uma das alterações está prevista no artigo 40 da recente lei federal, que modificou o artigo 10 do Estatuto do Torcedor e é válida para todos os clubes, não apenas os que aderiram ao Profut.
Para que um clube esteja apto a funcionar, a norma coloca como pré-requisito a "comprovação de pagamento dos vencimentos acertados em contratos de trabalho e dos contratos de imagem dos atletas". Mas após duas prorrogações, uma pelo Congresso, e outra com uma resolução do Conselho Nacional do Esporte (CNE), a exigência dos critérios de regularidade fiscal e trabalhista para que os clubes participem dos campeonatos começará somente em 2018.
A fiscalização dos clubes também foi afetada pela crise política no Brasil. Quando publicada, em 4 de agosto de 2015, a nova legislação já previa a criação da Autoridade Pública do Futebol (Apfut), que seria o órgão responsável por tal tarefa. Entretanto, a Apfut só teve seu presidente nomeado no dia 16 de setembro do ano passado. Ou seja, mais de um ano após a publicação da lei, o órgão sequer havia funcionado.
Inicialmente, o advogado César Dutra Carrijo havia sido empossado no comando da Apfut. A posse foi no dia 9 de maio de 2016. Após três dias, a presidente Dilma Rousseff foi afastada do cargo. Carrijo foi exonerado no dia 2 de junho. O atual presidente da Apfut é o também advogado Luiz André de Figueiredo Mello. O órgão só aprovou seu regimento interno em março e, a partir de agora, deve passar a ser mais atuante, segundo Luiz Mello. Porém, ele reitera que a extensão do prazo para as exigências das contrapartidas era necessário. Mello cita o período de cinco anos para que a Uefa implantasse suas regras de licenciamento como uma referência para que haja a adaptação às novas regras.
– Temos que dar as ferramentas necessárias para que haja uma mudança na mentalidade dos dirigentes esportivos, o que, diga-se de passagem, já vem ocorrendo nos últimos anos – declarou Mello, por meio de nota enviada pelo Ministério do Esporte, órgão ao qual a Apfut está vinculada.
Para Mello, a função do grupo fiscalizador será, antes de mais nada, garantir que os clubes tenham uma gestão responsável. Qualquer punição esportiva não virá da Apfut.
– O papel da Apfut é certificar que os clubes que aderiram ao Profut cumpram com as contrapartidas estabelecidas em Lei, não sendo nosso papel analisar sobre o risco de rebaixamento de entidades esportivas – reiterou.
O advogado Maurício da Veiga acredita que a possibilidade de rebaixamento deve constar dos regulamentos elaborados pela CBF e federações estaduais. Até o momento, não é o que ocorre.
– É muito importante que a previsão de rebaixamento conste expressamente do Regulamento Geral de Competições. Porém, de fato já haveria o risco (de descenso, mesmo que não seja previsto nos regulamentos da CBF). É importante deixar claro que o clube somente pode ser negativado quando houver o trânsito em julgado da decisão, ou seja, após esgotadas todas as possibilidades de recursos – opinou o especialista.
A CBF lançou recentemente o seu Regulamento de Licença de Clubes, válido a partir de 2018. Na próxima temporada, os clubes só terão aval para participar de competições caso obtenham a licença. E para tê-la será preciso cumprir algumas regras, como manter uma equipe feminina, padronizar as demonstrações contábeis, comprovar regularidade fiscal e trabalhista, dentre outras. A nova norma é a alternativa usada pela CBF para exigir dos clubes o que é previsto no Profut. Quem não cumpri-la não poderá obter a licença para participar dos torneios da entidade. Mas a possibilidade de rebaixamento não foi incluída. Procurada, a CBF se recusou a comentar sobre o assunto.
Contudo, em recente entrevista ao SporTV, o diretor executivo de Gestão da CBF, Rogério Caboclo, garantiu que, no próximo ano, os clubes terão que apresentar as certidões exigidas pelo Profut para garantir a participação nas competições.
– O campeão brasileiro de 2017, se porventura, quando do início do Campeonato Brasileiro de 2018, não obtiver uma certidão, pode ser ela da Previdência Social, de tributos federais ou do Fundo de Garantia, ele pode ser alijado da participação da Série A do Campeonato Brasileiro mesmo ostentando a medalha de campeão do ano anterior – declarou Caboclo.
O CASO DO SANTA CRUZ: UM NOVO PRECEDENTE
Como medida paliativa, a CBF implantou no início de 2015 o Fair Play Trabalhista nas quatro divisões nacionais. De acordo com a nova regra, o clube que atrasar os salários por 30 ou mais dias estará sujeito à perda de três pontos por partida disputada. A punição só será exercida mediante denúncia do atleta, seu advogado ou sindicato. O processo deve ser pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Em 2015, no seu primeiro ano, Caxias, Macaé e Santos foram os únicos denunciados. O Tribunal arquivou todas as denúncias. Presidente o órgão à época, Caio Rocha alegou falta de provas.
Em 2016, houve apenas uma denúncia: contra o Santa Cruz. O Tricolor pernambucano é réu em 278 processos no TRT-PE, o que o tornaria líder na lista caso ainda estivesse na Série A. A equipe se tornou a primeira do país a ser punida esportivamente por atrasos de salários. Mas demorou para isso acontecer. Na justiça desportiva, a acusação foi encaminhada ao STJD pela Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), no dia 17 de outubro. A reclamação indicada no documento era de atraso de quatro meses. Após duas tentativas de audiência de conciliação sem sucesso, a última delas em janeiro deste ano, o processo foi encaminhado à Procuradoria do tribunal, que denunciou o time.
Em primeiro julgamento realizado no último dia 13 de fevereiro, o Santa Cruz foi absolvido. Os auditores da Quinta Comissão Disciplinar do STJD entenderam que a infração não era mais válida por se referir a um fato do ano passado. A Procuradoria recorreu, e o pedido entrou em pauta do Pleno – última instância do STJD – no dia 30 de março. Porém, foi retirado depois que o auditor Otávio Noronha solicitou maior tempo para analisar o tema. Somente no último dia 1º de junho, o caso foi novamente julgado. O Santa foi punido com R$ 30 mil de multa e perda de três pontos no Campeonato Brasileiro do ano passado, no qual já havia sido rebaixado. Apesar da demora, Felipe Augusto Leite, presidente da Fenapaf, comemorou a decisão. E acredita que mais clubes podem ser punidos.
– A previsão de perda de pontos por atrasos de salários é um caminho para isso. Chegamos a uma decisão final satisfatória e isso vai atrair ao próprio STJD e aos tribunais estaduais o cuidado com a tramitação desses processos. A Justiça Desportiva é a mais célere de todas. Não vai mais se aceitar esse estado de morosidade. Os próprios julgadores estão pressionados – declarou Felipe, que diz que já reforçou com sindicatos e capitães de vários clubes para que denunciem casos parecidos.
Presidente do STJD, Ronaldo Piacente acredita que os novos casos devem ser julgados em menos tempo. Ele viu o processo do Santa Cruz como um aprendizado. E ressalta que não haverá mudança de tratamento do tribunal quando lidar com casos envolvendo clubes que possam perder pontos por competições em andamento, que não foi o caso do time pernambucano.
– Foi o primeiro processo, causou dúvidas, e a gente criou um procedimento para processos assim. A gente prima sempre pela celeridade, esse era o primeiro caso. Temos um problema de regulamento. Trataremos todos os casos iguais. O regulamento diz “na competição”. Não posso ultrapassar o regulamento. Aí é um problema de regulamento, da CBF com os clubes, em seus conselhos arbitrais, de mudar o regulamento e incluir que a punição seja na competição em andamento – diz Piacente.
O STJD publicou uma resolução na qual regulamenta o procedimento em casos de denúncia do Fair Play Trabalhista. Nele, o tribunal prevê que, após o clube denunciado se posicionar, o atleta terá cinco dias para se manifestar sobre a reclamação. A exigência do depoimento de um jogador foi uma crítica no lançamento da nova legislação. O temor é que o atleta sofra represálias da torcida, da diretoria e ainda feche as portas para futuras equipes. Mas Piacente reforça que os sindicatos e advogados podem representar os jogadores no processo, o que amenizaria o problema. O volante Léo Gago relatou que testemunhou vários atletas que tinham receio de ir adiante com suas reclamações.
– Muitos clubes, alguns mais inferiores, fazem contratos mais baixos e tudo por fora. Não bota nada na carteira (de trabalho). Aí não tem como provar. Mas os jogadores ficam à mercê dos clubes. Eu já joguei em grandes times, consegui criar uma boa condição financeira. Mas nos últimos times que passei vi jogadores que não tinham condição de comprar um sabonete. Eu já paguei passagens de volta para alguns deles, comprei chuteiras porque eles não tinham dinheiro. Não recebíamos. Eu tive condição de não me sujeitar a isso e pedir para ir embora. Mas quem não tinha condição? Eles preferiam ficar, jogar sem receber e tentar receber algum dia do que ir para casa, sem salário e sem esperança – resume o volante, que pretende cursar administração e montar um buffet infantil.
APESAR DA DÍVIDA…
Diante da dívida trabalhista bilionária, os clubes tentam não aumentá-la. A falta de pagamentos de seus funcionários não é mais uma rotina nos grandes times. O GloboEsporte.com ouviu membros dos sindicatos dos oito estados representados na Série A. As notícias de atrasos de salários em 2016 foram no Santa Cruz e Santos. O Peixe, que já havia sido denunciado ao STJD pelo sindicato paulista em 2015, registrou o problema no meio deste ano. Presidente do time alvinegro desde o fim de 2014, Modesto Roma Júnior reconhece a dificuldade, mas espera equilíbrio financeiro a partir da próxima temporada e evitar novos casos.
– Desde que assumimos tivemos que nos defrontar com o gerenciamento e atendimento a dezenas de milhões de reais em obrigações em atraso, dezenas de milhões de reais em ações nas várias instâncias da Justiça, sobretudo obrigações trabalhistas e nenhum recurso em caixa ou ativo capaz de atenuar este caos financeiro. Isso tudo em um cenário econômico extremamente desfavorável. Por essa razão, em alguns momentos tivemos dificuldades, mas soubemos superar agindo com transparência e dentro da realidade possível. Nossa diretriz é continuar trabalhando no realinhamento dos compromissos e na criação da capacidade de pagamento das obrigações assumidas e à implantação de uma real (e não retórica) política fair play financeira – declarou, em nota enviada pela assessoria de imprensa santista.
O Botafogo é o clube com a segunda maior dívida trabalhista, mas com maior número de processos nas costas e maior dívida total. A equipe carioca é a que apresenta o maior débito na Justiça. O clube registrou um saldo de R$ 197,2 milhões a pagar entre acordos trabalhistas e perdas previstas em processos futuros. Mas os parcelamentos do Profut, e a inclusão no Ato trabalhista permitiram ao clube reduzir as dívidas e manter uma equipe competitiva. O Ato é um acordo firmado com o Tribunal Regional Trabalhista no qual centraliza-se em uma conta judicial os pagamentos do clube para diversos credores de processos anteriores à publicação do pacto.
A diretoria pretende quitar em 10 anos tudo relacionado a processos iniciados até dezembro de 2014. A parcela de tal acordo é de R$ 1,675 milhão por mês, o que representa mais de 10% do orçamento mensal do clube. O presidente botafoguense, Carlos Eduardo Pereira, espera acabar de vez com a fama de mau pagador do Glorioso. E acredita em uma mudança de postura dos dirigentes dos grandes clubes brasileiros.
– Antigamente todos faziam questão de gastar mais do que podiam. Como gerar dinheiro assim? Deixa de pagar contas. Infelizmente havia essa prática de não pagar salário integralmente. Não recolhia encargos. Mas não dá mais para desconsiderar a legislação. Mudou muito e digo isso porque vivi. Eu era vice administrativo do Botafogo em 1993, era vice geral em 1995, mas era um mundo completamente diferente. As cifras eram distintas, expectativas eram distintas. Legislações eram diferentes. Hoje em dia, as coisas são muito mais complexas, mais sérias. Já conseguimos tirar o Botafogo da página dos maus pagadores para colocá-lo na página dos bons pagadores.
Mesmo que o prognóstico para os principais clubes do país seja favorável, a melhor alternativa para os atletas que sofrem com a falta de pagamentos ainda é a Justiça comum. Ainda há um longo caminho a percorrer para que os times sejam punidos esportivamente por seus erros administrativos – fato que já ocorre há quase 10 anos na Europa. A Uefa introduziu seu Fair Play Financeiro em 2009. A ideia é básica: os clubes não podem gastar mais do que arrecadam.
Logo no primeiro ano de vigência, a medida puniu oito equipes com multas. Em 2012, os clubes turcos Besiktas e Bursaspor foram suspensos de competições europeias por um ano por gestão irresponsável. Em 2014, PSG e Manchester City escaparam de uma punição mais drástica da entidade. Mas foram obrigados a impor um teto salarial no clube e limitar o elenco a 21 jogadores para evitar a gastança. A sanção mais recente foi ao Galatasaray, suspenso dois anos de torneios da Uefa.
Para o superintendente de crédito do banco Itaú BBA, César Grafietti, autor de um dos anuais do cenário econômico no futebol brasileiro, o passivo trabalhista representa muito no caixa do clube. E não há mais como ser ignorado. Especialmente os valores previstos em parcelamentos como o do Profut. A inadimplência e a consequente exclusão do programa pode significar juros e um aumento significativo do débito.
– É volume muito significativo. São grandes, tem que tomar cuidado. Eles ignoram um pouco essas dívidas por conta de uma série de alongamentos que foram acontecendo ao longo do tempo, e neste momento é preciso um pouco mais de atenção porque elas precisam ser pagas.
*Esta reportagem foi produzida como parte do programa de desenvolvimento profissional para jornalistas da Fundação Thomson Reuters, "Jornalismo investigativo no âmbito do esporte", em parceria com o GloboEsporte.com
COMO O CÁLCULO FOI FEITO?
O GloboEsporte.com ouviu três especialistas: Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva, Pedro Daniel, especialista em gestão esportiva da BDO Brazil, e Cesar Grafietti, superintendente de crédito do banco Itaú BBA, e chegou a um método de cálculo da dívida, com base nos dados dos balanços financeiros dos clubes. Foram usados os valores registrados nos itens:
- “Provisões para Contingências”, que são processos judiciais ainda em discussão e podem ou não se transformar em dívida, mas cujos valores os clubes calculam uma perda provável.
- “Impostos Parcelados ou Impostos e Contribuições a Recolher”: todos os valores registrados como INSS, FGTS e IRRF (Imposto de Renda), que são os encargos trabalhistas que não foram recolhidos e fruto de renegociação, entraram no cálculo. Nos balanços em que não houve distinção, foi usado o valor integral.
(Foto: Fernando Freire)