EDUCAÇÃO
Cotistas denunciam discriminação e preconceito na Ufes.
Estudantes relatam luta pelo preconceito até dentro da sala de aula.
Em 18/10/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Estudantes cotistas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) relataram que vivem constantes situações de discriminação e preconceito. Em uma turma, até aconteceu a separação entre cotistas e não cotistas.
A divisão aconteceu quando o Departamento de Arquitetura e Urbanismo dividiu as turmas de primeiro período em aulas laboratoriais de Geometria Gráfica 1, Desenho Artístico 1 e Composição Bidimensional.
O relato é do aluno João Victor dos Santos, de 22 anos. Ele faz parte do grupo Coletivo Negrada, uma organização de estudantes que, na ocasião, publicou uma nota de repúdio contra a universidade.
Os cotistas reclamam que são excluídos das festas de confraternização, são citados em rodas de deboche na internet, são considerados inferiores intelectualmente e afirmam que seus sobrenomes viram piadas entre outros sobrenomes nas listas de chamada.
Um estudante do curso de Direito, que não quer se identificar, diz que o preconceito é frequente. “Muitos alunos não cotistas acham que tomamos a vaga de outros estudantes, que eles consideram mais capacitados para ocupar essas vagas. Não entendem que eles tiveram acesso a uma qualidade de ensino, a oportunidades que muitos cotistas não tiveram”, explica.
Outra estudante, que não também quer se identificar, desabafa: “Já passei por discriminação por ser cotista. Tem alunos da minha turma que falam abertamente que são contra a presença de cotistas na turma”.A relação entre cotistas e não cotistas foi tema da tese de doutorado da professora adjunta do Departamento de Biblioteconomia da Ufes, Maria Cristina Figueiredo Guasti, que resultou no livro “Representações Sociais: sobre as ações afirmativas no ensino superior e sobre os estudantes cotistas da Ufes”.
Ela ouviu alunos de nove cursos. Naqueles com maior status como Medicina, Engenharia, Arquitetura, Odontologia e Direito, a aceitação das cotas é baixa.
A professora relata que ficou chocada com o resultado. “Existe uma raiva. Os alunos que não aceitam os cotistas são de origem escolar particular e classe social mais alta. Para eles, o cotista roubou a vaga do amigo deles, por isso não merece estar ali”, explica.
Para o estudante Filipe Augusto Pereira, cotista de Engenharia Civil, falta humanidade. “Falta conhecer a história do outro, suas condições financeiras, meu pai é pedreiro. Se não fossem as cotas, estar no sétimo período de Engenharia hoje estaria muito distante”, diz.
De acordo com o estudo, segundo os não cotistas quem entrou na universidade pelo sistema de cotas não consegue acompanhar o ritmo intelectual da turma, faz parte de uma segunda classe.
Desempenho
Ao contrário do que afirmam os estudantes que são contra as cotas, a própria Ufes afirma que, na média, os estudantes que entram sem cotas são equivalentes aos que têm acesso à universidade por intermédio de cotas.
Uma pesquisa realizada de 2008 a 2011 mostrou que estudantes cotistas e não cotistas possuem desempenho similares. O levantamento considerou desempenho de todos os alunos de 72 cursos.“Em 60% desses cursos os estudantes cotistas tiveram desempenho igual ou superior ao de não cotistas”, afirmou, em 2014, Maria Auxiliadora Corassa, pró-reitora de Graduação da Ufes. A instituição reafirmou essas informações em nota.
Outro lado
Ufes afirma que houve erro no sistema
Sobre a divisão feita pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo que dividiu, entre cotistas e não cotistas, as turmas de primeiro período em aulas laboratoriais de Geometria Gráfica 1, Desenho Artístico 1 e Composição Bidimensional, em 2015, a Administração Central da Ufes informa, em nota, que mediante a denúncia, à época foi verificado que houve uma falha no sistema, cujo reparo foi realizado imediatamente.
A universidade explicou que em nenhum momento houve intencionalidade, seja por parte da administração ou por parte da coordenação do curso, de promover alguma segregação entre estudantes optantes pelo sistema de reserva de vagas e estudantes não optantes.A Administração Central da Ufes lamenta que, apesar de todas as iniciativas para promover a inclusão, ainda existam casos de preconceito contra estudantes, seja motivado por sua classe social, raça, religião, gênero ou qualquer outra razão.
g1/Espirito Santo