ECONOMIA INTERNACIONAL
Crise da moeda da Turquia e os efeitos para emergentes e o Brasil
Lira turca acumula queda de mais de 40% frente ao dólar neste ano.
Em 14/08/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
A forte desvalorização da moeda da Turquia tem provocado turbulência nos mercados e um efeito dominó em outros países emergentes como o Brasil, sobretudo nas economias muito dependentes de capitais estrangeiros. Por trás da crise monetária turca está a pressão do mercado para que o banco central da Turquia eleve a taxa de juros e também o aumento da tensão diplomática entre o país e os Estados Unidos.
Nesta segunda-feira, o dólar chegou a bater R$ 3,91 frente ao real, com maior aversão ao risco e temores de contágio da crise turca nos países emergentes.
Do rand sul-africano ao peso argentino, passando pelo real brasileiro e pelo rublo russo, a maioria das divisas emergentes teve forte queda nos últimos dias.
Veja abaixo 6 pontos para entender a crise turca e seus efeitos.
Por que a moeda turca despencou?
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A lira turca bateu nesta segunda-feira a mínima recorde de 7,24 contra o dólar e já acumula queda de mais de 40% neste ano. Somente na sexta-feira, a moeda despencou 18%, em grande parte devido às preocupações com a influência do presidente Tayyip Erdogan sobre a economia, suas repetidas solicitações por taxas de juros mais baixas e o agravamento dos laços com os Estados Unidos.
Investidores e analistas defendem que o Banco Central aumente as taxas de juros para defender a lira e controlar a inflação (que em julho alcançou a 16% em ritmo anual), enquanto o governo tem se mostrado contrário ao movimento.
Qual foi a resposta do governo turco?
O banco central da Turquia flexibilizou os índices de reservas obrigatórias para os bancos, com o objetivo de tentar frear a desvalorização da lira e evitar qualquer problema de liquidez, e informou que proporcionaria ao sistema financeiro quase 10 bilhões de liras (US$ 6 bilhões) e US$ 3 bilhões em liquidez equivalente ao ouro.
Após o anúncio, a lira turca recuperou parte das perdas, mas o movimento de aversão ao risco ganhos permanecia.
"É uma crise dada. Por muitos anos todos disseram que a Turquia era um país fraco devido à sua grande dívida externa e déficit em conta corrente", disse o estrategista-sênior de mercados emergentes do Credit Agricole, Guillaume Tresca. "Não há nada de surpreendente além de o banco central não estar realmente reagindo. Eles lançaram esse novo plano, mas não há um aperto nas condições financeiras, estão completamente atrasados", acrescentou.
A crise também tem natureza política?
Sim. Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que vai dobrar as taxas sobre a importação de aço e alumínio turcos, usando a taxa de câmbio entre os dois países como justificativa, o que elevou a tensão diplomática entre os países.
No centro da crise política está o pastor americano Andrew Brunson, julgado na Turquia por "terrorismo" e "espionagem", em prisão domiciliar desde julho, depois de passar um ano e meio em uma penitenciária. Os Estados Unidos pedem a libertação imediata do pastor, enquanto Ancara solicita a extradição de Fethullah Gülen, pregador turco exilado há 20 anos nos Estados Unidos e a quem o governo turco atribui o golpe de Estado frustrado de julho de 2016.
Erdogan, que atribuiu a um complô a queda vertiginosa da lira turca, acusou os Estados Unidos de quererem esfaquear a Turquia pelas costas. "De uma parte, vocês estão conosco na Otan e, de outra parte, tentam esfaquear seu aliado estratégico pelas costas. É aceitável algo assim?", questionou durante um discurso.
Quais os impactos da crise nos mercados?
O movimento de aversão ao risco tem derrubado outras moedas de países emergentes e ganhou força na sexta-feira com a notícia de que o Banco Central Europeu (BCE) estaria preocupado com a exposição dos bancos ao país. A Turquia tem o maior déficit em conta corrente do G-20, uma economia em superaquecimento e forte desvalorização do câmbio, o que tem levado a uma inflação de 2 dígitos.
Em uma semana, o rand sul-africano e o rublo russo perderam 8% ante o dólar, alcançando nesta segunda seu nível mais baixo em dois anos. A mesma tendência foi seguida pelo peso argentino, que cedeu quase 6% desde segunda passada.
Por que os países emergentes são os mais afetados?
A crise turca tem exposto a vulnerabilidade de economias muito dependentes dos capitais estrangeiros. Desde o início do ano e da aceleração do aumento dos juros nos EUA, as moedas destes países vêm se desvalorizando.
A perspectiva de juros maiores nos EUA tem levado investidores estrangeiros a abandonar os mercados emergentes e redirecionado os fluxos de dólares pelo mundo. Este mecanismo cria um círculo vicioso: a divisa local perde terreno frente ao dólar, o custo das importações aumenta de maneira automática e, com este, a inflação, animando os investidores estrangeiros a recuperar o que foi investido.
A moeda da Argentina, que obteve recentemente um empréstimo de US$ 50 bilhões do FMI para enfrentar a desvalorização do peso, desabou 35% entre abril e junho, é um exemplo.
Quais os efeitos para o Brasil?
Na esteira da crise turca, o dólar acumulou na semana passada valorização de 4,25% frente ao real e nesta segunda-feira (13) bateu R$ 3,92. Além dos impactos no câmbio, a turbulência também tem afetado o contrato de juros futuros, o que pode colocar pressão para a manutenção da taxa básica de juros no atual patamar de 6,5% ao ano.
"Os juros no Brasil já estão operando na curva-pré nos mesmos patamares de 2016 e a curva de juros indica de maneira implícita Selic a 7,50% no final deste ano", afirma o economista André Perfeito, da corretora Spinelli.
O mercado também manteve, entretanto, estável em 6,50% ao ano sua estimativa para a Selic, segundo pesquisa Focus divulgada nesta segunda pelo Banco Central.
Analistas destacam, entretanto, que o volume expressivo de reservas internacionais garantem ao Brasil um colchão maior de proteção para enfrentar volatilidades e maiores turbulências nos fluxos de entradas e saídas de dólares do país.
O país ainda possui reservas cambiais que chegam a US$ 380 bilhões. Além disso, a parcela em dólar da dívida é extremamente baixa, não chega a 3%, e o déficit em transações – as trocas com outros países – também é baixo.