ECONOMIA INTERNACIONAL

Cuba mudou, mas ainda não é hora de investir por lá.

Na verdade, Cuba mal começou um longo e complicado caminho, diz Robert Abad.

Em 11/09/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

São Paulo - Com a abertura de voos comerciais para os Estados Unidos e a visita de gente como Madonna e Rolling Stones, Cuba é definitivamente o país da moda.

Mas isso não significa que esteja prestes a despontar como um novo queridinho entre os emergentes para os investidores.

Na verdade, Cuba mal começou um longo e complicado caminho, diz Robert Abad, fundador da EM+BRACE, consultoria com sede na Califórnia e foco em emergentes.

Nos últimos 25 anos, Abad acompanhou de perto as mudanças na visão sobre esses mercados.

Em entrevista para, ele comentou o que aprendeu. Veja os principais trechos a seguir: 

EXAME.com - O que já mudou em Cuba e isso foi suficiente para tornar o país promissor para investimento estrangeiro?

Robert Abad - Por mais que tenha havido muita euforia em Cuba, por causa da mudança na retórica e da visita de Obama, não houve muita mudança e o cenário ainda é complicado.

Cuba esteve nas manchetes porque há essa expectativa de relaxamento no embargo americano, mas ele continua, e de que o país se tornaria um mercado emergente como os outros, mas não é o caso. Seu sistema é muito fechado.

Eles ainda não têm, por exemplo, um sistema de câmbio que faça qualquer sentido para um estrangeiro. Já fui para lá 2 vezes e a sensação é de suspensão de algumas realidades econômicas. Os dólares simplesmente chegam no mercado negro; a noção de trocar por moeda local e de volta não existe.

Mesmo como turista você já acha tantos constrangimentos, agora imagine um investidor com muito dinheiro? A habilidade de fazer qualquer negócio lá é muito difícil até para os locais, que não conseguem acessar as instâncias necessárias para conseguir licenças.

Você não tem um sistema político ou um desenho institucional que permita ao livre mercado florescer da forma que imaginamos em um mercado emergente. Cuba é promissora e há mais diálogo, mas o desenvolvimento será muito diferente do que vimos em outros países latino-americanos.

EXAME.com - E com o que aconteceu com os países ex-comunistas no Leste Europeu, não dá para fazer um paralelo?

Abad - A diferença é que eles eram como satélites de algo maior. Eles precisavam seguir algum modelo, seja a Rússia ou algo deixado pelos poderes coloniais, para se manterem funcionais.  Você tinha algum tipo de primazia da lei, de transparência ao fazer negócios, mercados cambiais funcionais e tudo mais.

Quando esses patrocinadores desaparecem, esses satélites tem algum tipo de conhecimento arcaico do que precisam estabelecer. Ou eles procuram um novo patrocinador, ou eles se liberalizam e usam as instituições multinacionais (como FMI e Banco Mundial) para desenhar seus programas. Eles liberam o câmbio e inicialmente levam um tombo, mas se reformam e eventualmente tem acesso aos mercados, financiamentos e setor privado. Essa é a historinha clássica.

Em Cuba eles estavam desesperados com o fim da União Soviética e acharam uma parceria de troca de petróleo com a Venezuela, que na época vivia um boom por causa dos altos preços do produto e agora está numa tremenda depressão econômica e social.

E Cuba se vê novamente com esse vácuo, o que volta para isso das pessoas acharem que os EUA poderiam ser um tipo de patrocinador, e com isso dispararam os preços de ações de empresas de turismo que tivessem mesmo a mais remota exposição a Cuba.

O passo final é saber se o embargo será levantado, e mesmo assim serão vários obstáculos. Não se vai de 0 a 100 km/h em uma bicicleta; há problemas quando entra muito dinheiro em um país que não tem mecanismos para corrigir as distorções que isso traz.

O governo cubano tem tomado muito cuidado nesse primeiro passo e é de se questionar também até que ponto estão dispostos.

EXAME.com - Será que a ideia não é trazer recursos de fora para amenizar a insatisfação popular e garantir uma sobrevida para o sistema político atual?

Abad - Esse é o modelo dos chineses, que passaram muito tempo criando as fundações para absorver mão de obra na costa, além de um fluxo tremendo de investimento doméstico e estrangeiro. Isso mudou o mundo, veja até onde eles chegaram.

Mas agora as pessoas estão vendo retornos decrescentes, os preços das casas estão ridículos, muito dinheiro ficou fora do balanço, não há mercado de ações nem de títulos e ninguém quer deixar dinheiro no banco porque eles não são confiáveis.

O governo está fazendo o que pode para deixar a população feliz porque venderam esse discurso que dá para combinar livre comércio, crescimento e superpoder geopolítico com a ideologia e o sistema político que eles têm.

Isso se tornou referência para países pequenos e Cuba está tentando imitar, mas sem uma fração da capacidade.

EXAME.com - Você acha que a China vai resolver o dilema de alguma forma satisfatória ou seu auge já passou?

Abad - É preciso cuidado, porque já vemos várias deficiências: a questão social, de balança de pagamentos, de perfil da dívida, e de que a liberalização é mais difícil do que previsto.

O risco é querer colocar tudo na cronologia do que estamos acostumados. A visão deles será refinada de formas que podemos achar totalmente contraditórias - mas se atingir os objetivos deles, que muitos de nós não entendemos, eles farão tudo pelo longo prazo.

É importante separar macroeconomia e mercados. A versão deles de macro é mutável; eles vem estudando todos esses modelos silenciosamente por muito tempo. Eles viram o que aconteceu nos EUA em 2008, na Europa agora, o que aconteceu com o Japão e a Ásia.

Eles puderem rodar o mundo e investir em países diferentes e adquirir conhecimento, já que para ter acesso a esses investimentos os governos compartilharam segredos. Nós nunca saberemos qual foi a conclusão dessas análises.

Quando pensamos na reação dos mercados, vemos a desconexão. Os mercados são muito emocionais e voltados para o curto prazo. E o risco é que continuem a apostar errado em de onde virá a próxima onda de volatilidade.

EXAME.com - É uma mudança de paradigma, né? Porque primeiro o mundo achou que os chineses sabiam o que faziam, depois ficaram com medo de que eles não tivessem a menor ideia. O que você diz é diferente: que eles sabem o que estão fazendo, mas que é muito difícil para nós avaliarmos porque os objetivos são outros.

Abad - Sim. Veja: os bancos centrais dos países desenvolvidos ainda estão tentando entender o que fazem. Os juros são negativos – quando eu estudava Economia, esse conceito era como Star Wars.

Se estamos tendo dificuldade em entender o que fazem os desenvolvidos, como podemos falar para a China que ela não faz as coisas do jeito certo? Você precisa ter humildade.

A China ainda pode permitir mais dor porque está pensando no longo prazo. E se os os fundos de hedge e os especuladores acreditassem mesmo que ela vai falhar, estariam a empurrando para o abismo o máximo possível – assim como fizeram nos anos 90 com Tailândia, Indonésia, Rússia, México, Brasil, etc.

Quando os mercados querem empurrar algo, eles fazem acontecer, especialmente com um emergente.

EXAME.com - Quais países você diria que está surpreendendo pelo lado positivo ou pelo lado negativo?

Abad - A maré está subindo e levando com ela todos os barcos. Mas se eu tivesse que colocar meu dinheiro, diria México. Por muito tempo tentaram grudar a história dele na recuperação americana e sempre achei isso um erro. O mundo é muito grande e não dá para achar que essas correlações resumem tudo.

Eu gosto do México porque ele já superou muita coisa, e esse é meu teste para os emergentes. A mesma coisa com a Rússia, que já foi e voltou do inferno várias vezes. Parece que há alguma mudança no horizonte - e é quando o mercado sentem isso eles começam a olhar mais de perto.

Temos também Índia, Índonésia e Filipinas. Os asiáticos são emergentes há mais tempo do que os outros e as pessoas de lá entendem os ciclos e os ruídos.

Para mim, empreendedorismo é o sinal de onde eu quero estar e muita gente diria que o grande motor de crescimento são os pequenos negócios. Quando os locais estão preparados para aguentar o que for, mas são otimistas e gananciosos; é isso que leva os países adiante.

Por Exame.com