POLÍTICA NACIONAL
Cunha coagiu, extorquiu e chantageou de maneira elegante, diz delator.
Júlio Camargo depôs como testemunha de acusação contra Cunha.
Em 14/08/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
O empresário Júlio Camargo, um dos delatores da Operação Lava Jato, afirmou em depoimento dentro de ação penal contra o deputado federal Eduardo Cunha, que está afastado de seu mandato, que foi coagido, extorquido e chantageado pelo parlamentar "de maneira muito elegante".
Ao ser perguntado sobre o motivo de, em seu primeiro depoimento na delação premiada, não ter citado o envolvimento de Cunha com irregularidades e posteriormente ter mudado a versão, Júlio Camargo respondeu que tinha "medo".
"Simplesmente um fator: medo, receio. Toda pessoa que é razoavelmente inteligente ou não é demente tem que ter [medo]. E o meu medo, o meu receio, não era físico, o meu receio era de uma pessoa poderosa, agressiva, impetuante (sic) na sua cobrança, contra minha família e meus negócios e das minhas representadas. A pessoa que se apresenta dessa maneira, que me coage, me extorque, me chantageia de maneira muito elegante. Porém, foi exatamente isso que aconteceu, nesses termos que estou usando: ou você paga ou vou te buscar. De novo, não é ameaça física", disse Camargo após uma pergunta do representante do Ministério Público.
O depoimento, ao qual a TV Globo teve acesso, foi dado na última segunda-feira (8), em São Paulo. Foi mais um dos depoimentos das testemunhas de acusação, indicadas pela Procuradoria Geral da República, em uma das duas ações penais nas quais Cunha é réu e que estão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
No processo, Eduardo Cunha é acusado de receber ao menos US$ 5 milhões em dinheiro desviado de contrato de navios-sonda da Petrobras. O primeiro depoimento coletado no processo foi no fim de julho do doleiro Alberto Youssef, também colaborador da Lava Jato, que confirmou ter ouvido que Cunha seria destinatário de propina.
Depois de Youssef, outros delatores também prestaram depoimento no processo, entre eles os ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, além do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano. Os depoimentos foram conduzidos pelo juiz Paulo Marcos de Farias, que atua no gabinete do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF.
Outro lado
O advogado Ticiano Figueiredo, que defende Eduardo Cunha, afirmou que “estão muito claras as contradições existentes” nas delações das testemunhas de acusação.
Segundo ele, Júlio Camargo admite que recebeu toda a propina referente às sondas e que Eduardo Cunha não teve participação na contratação das sondas. “Pelo que se vê nos depoimentos, Júlio Camargo recebeu, não repassou para Fernando Baiano e para quem mais tinha combinado de passar. Ficou claro que Eduardo Cunha não tem nada a ver com essa negociação”, disse Ticiano Figueiredo.
Conforme o advogado, a reunião em que Eduardo Cunha teria cobrado pessoalmente Júlio Camargo não existiu. “Para o tal encontro que teria ocorrido ninguém consegue apresentar provas, muito menos dar uma versão coincidente. Trata-se de criação mental dos colaboradores e da acusação.”
Ticiano Figueiredo completa que Júlio Camargo deveria voltar para a prisão e destacou que as contradições são uma “desmoralização da Operação Lava Jato”.
“O tratamento que deveria ser dado ao Júlio Camargo e outros delatores, principalmente a Júlio Camargo, é o mesmo dado a Fernando Moura (delator que admitiu mentir na delação e voltou para prisão). Deveria ser revogada a delação e ele ser preso, diante de contradições inequívocas e flagrantes. Essas contradições de Júlio Camargo, dentro de um mesmo depoimento, em se mantendo a colaboração, é uma desmoralização da Operação Lava Jato”, frisou o advogado.
Julio Camargo
Ao prestar depoimento, Júlio Camargo relatou que pediu ajuda de Fernando Baiano para obter para a empresa que representava, a Samsung Heavy Industries, contratos para fornecimento de sondas para a Petrobras. Segundo relatou, teria direito a uma comissão de US$ 53 milhões, e repassaria R$ 35 milhões para Fernando Baiano, que o ajudou a fechar o negócio.
Segundo o empresário, a empresa parou de repassar a comissão e a propina deixou de ser paga. Foi quando Fernando Baiano o avisou que Eduardo Cunha usaria requerimentos no Congresso, pedindo apuração sobre atuação de Júlio Camargo e das empresas que representava, para pressionar pela retomada dos pagamentos. Conforme a denúncia, o requerimento foi apresentado pela então deputada Solange Almeida.
Júlio Camargo confirmou os termos da delação premiada de que chegou a buscar ajuda do então ministro de Minas e Energia Edison Lobão, mas que ouviu de Fernando Baiano que não adiantaria. "Não me lembro se Fernando me procura ou se eu procuro para narrar esse encontro com Lobão. Ele disse 'não adianta nada. Enquanto você não pagar, o Eduardo Cunha vai te perseguir. Até você pagar. Não adianta procurar Lobão, presidente Lula, você precisa pagar o que você deve'", relatou o empresário.
O empresário contou ainda que encontrou diretamente com Eduardo Cunha para explicar que havia deixado de receber as comissões. Mas que Eduardo Cunha contou que precisava receber porque tinha uma "folha de pagamento de 260 deputados que ele tinha que manter".
"Eu não tinha tido o prazer de conhecer Eduardo Cunha. Mas era uma pessoa que todos me reportavam parceira amiga, mas quando tem que cobrar é duro e agressivo. Já esclareci que não sob o ponto de vista físico, mas de persuasão, dada sua força política, não só dele mas de sua base. E que, conforme ele falou, ele tinha uma folha de pagamentos de 260 deputados que ele tinha que manter", disse Camargo.
Depoimentos no Rio de Janeiro
No dia 1º de agosto, prestaram depoimento Fernando Baiano, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa. Eduardo Cunha foi até o local acompanhar os depoimentos.
Fernando Baiano relatou que Eduardo Cunha pediu ajuda para obter doações eleitorais e que ele sugeriu que, caso o deputado ajudasse na cobrança junto a Júlio Camargo, ele poderia ajudar.
"Eu conversei com o deputado sobre essa dificuldade que eu tinha de receber do Júlio Camargo e aí comentei com ele. Se tivesse uma forma dele me ajudar a receber esse valor, eu poderia contribuir pra campanha.[...] Ele me autorizou a usar o nome dele e foi assim que eu comecei a cobrança e que o deputado apareceu nessa história", contou Baiano. Inicialmente, Cunha receberia 20% do valor, mas depois isso subiu para metade dinheiro que faltava ser pagos.
Fernando Baiano contou que Eduardo Cunha ficou de pensar numa estratégia e citou os requerimentos, e então foi retomada a pressão a Júlio Camargo.
Os valores da "dívida" que Júlio Camargo tinha variam de acordo com o delator. Segundo o próprio Júlio Camargo, eram R$ 12 milhões, mas ele só pagaria R$ 10 milhões. Fernando Baiano fala em R$ 16 milhões. Já segundo Nestor Cerveró, o valor devido era de R$ 18 milhões. "Para mim e para todos os integrantes que faziam parte do recebimento, ele nunca pagou os R$ 18 milhões para gente", disse Cerveró no depoimento que deu no Rio de Janeiro dentro da ação penal que corre no Supremo.
Já Paulo Roberto Costa, disse que ouviu de Fernando Baiano que Júlio Camargo devia valores, mas negou ter conhecimento do envolvimento direto de Cunha.
"Se não me falha a memória, o Fernando, acho que uma vez mencionou que o Júlio estava devendo alguns valores aí e que seria bom pressioná-lo pra ele fazer esse pagamento e se acontecesse o pagamento o Fernando ia me repassar algum valor desse pagamento. Se não me falha a memória, teve essa conversa. Agora, se ele repassou ou não repassou, eu não me recordo", afirmou.
Testemunhas de defesa
No próximo dia 22 de agosto será realizado o depoimento de mais uma testemunha de acusação, o empresário Leonardo Meirelles, que também relatou repasses a Cunha na delação premiada. Depois disso, será iniciada a fase dos depoimentos de testemunhas de defesa dentro do processo.
O deputado Eduardo Cunha indicou 29 nomes como testemunhas, entre eles o ex-ministro Edison Lobão e diversos deputados federais, como Carlos Sampaio, Hugo Motta, Washington Reis, Mauro Lopes, José Saraiva Felipe, além de Gabriel Chalita, candidato a vice-prefeito de São Paulo.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, está previsto para ser votado no plenário no próximo dia 12 de setembro o processo que pede a cassação do mandato de Cunha. Ele é alvo de processo por quebra de decoro parlamentar sob a acusação de ter mentido à CPI da Petrobras sobre a existência de contas em seu nome no exterior.
g1/Brasilia