POLÍTICA NACIONAL
Desde 1808, jovens têm responsabilidade penal no Brasil.
Para promotora de Justiça, redução de maioridade penal não resolve problemas.
Em 15/04/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Se uma criança de sete anos cometesse uma infração no Brasil do ano de 1808, ela poderia ser punida legalmente, exceto com pena de morte. Dos 17 aos 21 anos, o infrator daquela época era enquadrado como “jovem adulto” e poderia ter sua pena reduzida. Ao contrário de que se pensa e como mostra esse exemplo, os jovens no Brasil sempre tiveram a chamada responsabilidade penal e não ficam impunes ao cometer um crime.
A promotora de Justiça Janine Borges Soares fez um estudo histórico das leis que trataram de crianças e adolescentes infratores no País. Para ela, a discussão sobre redução da maioridade penal está seguindo um caminho equivocado. “O que precisa ser feito é implementar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mexer na maioridade só vai piorar o problema e colocar mais pessoas no sistema prisional”, afirma Janine, que trabalha na área criminal e fez mestrado na PUC do Rio Grande do Sul.
O projeto em discussão no Congresso Nacional propõe baixar de 18 para 16 anos a idade mínima para, em casos de crimes violentos, uma pessoa ser julgada pela Justiça Comum. Trata-se de algo diferente da chamada responsabilidade penal que prevê punições (como as medidas socioeducativas) para um menor de idade infrator. “Hoje, ocorre uma ‘judicialização’ de temas que envolvem família, política, drogas. Querem tudo resolver com mudanças na lei”, critica a promotora.
As primeiras leis que tratam de jovens infratores foram herdadas das “Ordenações Filipinas”, que Dom João VI trouxe ao mudar a corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Na década de 1830, foi criado o Código Criminal do Império do Brasil, que colocou a maioridade penal aos 14 anos. Entre 7 a 14 anos, as crianças poderiam ser levadas às “casas de correção”.
Avanço republicano
Segundo Janine Borges, a chegada da República mudou a abordagem em relação ao tema. A partir de 1890, a responsabilidade penal passou para 14 anos, seguindo gradações até a idade de 21 anos e atenuando punições. Havia uma orientação republicana de se criar “cidadãos úteis e produtivos”, e os juízes começaram a analisar os critérios “biopsicológicos” para definir suas sentenças contra jovens.
A virada para o século XX foi um momento de criação de Tribunais de Menores em diversos países, como Estados Unidos (1899), Alemanha (1908), Argentina (1921), Brasil (1925) e Espanha (1924). Surge uma preocupação de se consolidar leis penais e serviços de assistência social. Em 1922, por exemplo, ocorre o primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância.
A Justiça brasileira definiu um código de menores no ano de 1927, graças ao trabalho do juiz Mello Mattos – o primeiro magistrado especializado nesse tema na América Latina. Criou-se um processo especial para que tinha de 14 a 18 anos de idade, além de serviços de proteção e assistência. O primeiro código voltado para jovens, ressalta Janine Borges, tem um teor protecionista e a intenção de controle social.
O Código Penal de 1940 estabeleceu a maioridade aos 18 anos no Brasil. Os menores de idade ficaram sujeitos à “pedagogia corretiva” da legislação especial. Em 1943, o governo criou o Departamento Nacional da Criança, com um enfoque social e sem um caráter essencialmente jurídico. Existe um avanço expressivo de direitos dos jovens naqueles anos, indo até 1959, quando as Nações Unidas (ONU) editaram a Declaração dos Direitos das Crianças.
Ditadura
Os governos militares realizaram uma série de mudanças institucionais ao assumir o poder em 1964. No mês de dezembro daquele ano, foi criada a Política Nacional de Bem Estar do Menor, que definiu uma gestão vertical e centralizadora do tema da juventude. É com esse espírito que aparece a rede de Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor, as conhecidas FEBEMs, que reproduziram os problemas dos presídios de adultos.
Em 1979, o Congresso Nacional aprovou uma lei que, na linguagem dos juristas, consagrou a Doutrina da Situação Irregular. O resultado é que os Juizados de Menores deixam de separar os jovens infratores e aqueles abandonados pelas famílias. Ocorreu a partir de então, segundo Janine Borges, uma criminalização da pobreza no Brasil.
Estatuto
O avanço mais expressivo e recente em benefício dos jovens veio com a Constituição de 1988, que incorporou as discussões da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, lançada no ano seguinte. Com isso, desapareceu a ideia do “menor em situação irregular” que misturou indevidamente jovens abandonados e infratores nas políticas públicas do Brasil.
Após esse impulso, o caminho ficou aberto para a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente no ano de 1990. Foram descentralizados os programas para jovens que se tornaram municipais. Surgiram os Conselhos Tutelares. As famílias que não tinham condições materiais para cuidar dos filhos deixaram de ser processadas. Por último, a lei definiu medidas socioeducativas para infratores entre 12 e 18 anos.
“O passo seguinte que devemos dar é a melhoria da rede de apoio, com educação, tratamento de saúde de dependentes químicos, auxílio às famílias. O maior problema para o jovem infrator é o consumo de crack”, assinala a promotora, ressaltando que os problemas com a juventude não serão resolvidos com endurecimento de leis.
Fonte: Portal Brasil