POLÍTICA NACIONAL
Doria diz que apoio a Temer é escolha entre ruim e péssimo.
Aécio deve ter direito a plena defesa, defende prefeito de São Paulo.
Em 16/06/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Apontado por recentes pesquisas como o nome mais forte do PSDB para a disputa presidencial em 2018, o prefeito de São Paulo, João Doria, minimiza interesse pela disputa, e diz que isso é assunto para "janeiro do ano que vem".
Ao mesmo tempo em que não nega que possa concorrer, responde com desenvoltura quaisquer perguntas sobre o cenário eleitoral e ataca alguns de seus possíveis concorrentes na corrida eleitoral.
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, o prefeito de São Paulo, João Doria, afirma que o próximo presidente do país deveria ser um "gestor", adjetivo que constantemente usa para definir a si próprio. Ele ainda classifica os eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas na corrida presidencial de 2018, como mal informados ou defensores "das mazelas e do mal feito" e minimiza o crescimento do atual segundo colocado, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Questionado sobre seu apoio à permanência de seu partido no governo do presidente Michel Temer, prestes a ser denunciado ao STF (Supremo Tribunal Federal), ele admite se tratar da "velha política" que tanto critica. "Mas há certos momentos na vida em que você tem que fazer a avaliação sobre o ruim e o péssimo" - e o péssimo neste caso, garante, seria "colocar o Brasil numa crise profunda no plano econômico".
E embora defenda o direito de defesa do senador Aécio Neves, presidente tucano afastado, suspenso do Senado por denúncias de corrupção, Doria afirma que seria prudente que o Diretório Nacional da sigla se posicionasse sobre os pedidos de afastá-lo, "para preservar a imagem do PSDB".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida em seu gabinete na Prefeitura de São Paulo no fim no início da noite de quarta-feira, poucas horas de o prefeito embarcar para Porto Rico, onde passaria o feriado com a família.
BBC Brasil - O sr. tem dito que não é um político, mas um gestor, um empresário. Na sua opinião, os países, Estados, cidades não precisam mais de políticos?
João Doria - Eu me considero um gestor, um administrador. Eu não sou um político. Eu estou na política, não sou da política. Isso não significa que eu desrespeite os políticos. Até sou filho de um. Meu pai foi deputado federal e foi cassado pelo golpe militar e exilado em 1964.
Mas sempre fui um homem do setor privado. E com este discurso venci a campanha. E pela primeira vez em 28 anos na cidade de São Paulo um prefeito é eleito no primeiro turno.
E com este discurso tenho feito a gestão nesses primeiros seis meses. E isso tem nos dado um índice de aprovação superior a 70% e assim vamos continuar.
BBC Brasil - No Brasil as pessoas estão muito preocupadas com as relações entre empresários e políticos. Recentemente, nós tivemos uma interceptação de conversas antiéticas entre um empresário e o presidente Temer. O sr. e o seu partido se posicionaram a favor do presidente. O sr. acha que aquela conversa foi ética, que essa é a forma como políticos deveriam se comportar?
Doria - Não foi uma conversa adequada para um presidente da República. Nem na forma, nem no conteúdo, nem no local, nem no horário.
Mas isto não implica definitivamente num equívoco fatal para o presidente. Significa um erro ético e moral, mas não é um fato determinante para o impeachment do presidente.
BBC Brasil - O sr. e seu partido ainda estão em uma coalizão com o partido do presidente. Não seria correto deixar o governo após uma situação como essa?
Doria - Nós estamos do lado do Brasil. Mais do que tudo, é a proteção ao Brasil, à governabilidade, o apoio às reformas no Congresso Nacional.
O desembarque do PSDB do governo neste momento implicaria em colocar o Brasil numa crise profunda no plano econômico e no político. Hoje, nós estamos no plano político apenas. Se o PSDB sair, mergulhamos também no plano econômico.
E tudo o que nós não precisamos é de mais uma crise econômica, porque isso vai atrasar a retomada do desenvolvimento, do crescimento, inibir a criação de novos empregos e mergulhar o país numa crise infindável, cujo resultado é mais desemprego e mais pobreza.
BBC Brasil - Mas não se trata da velha política que o sr. promete às pessoas mudar, ficar ao lado do governo com o argumento de defender as reformas, mesmo que o presidente esteja envolvido em conversas tão sérias sobre propinas e juízes?
Doria - É a velha política. E é ruim. Você tem razão. Mas há certos momentos na vida em que você tem que fazer a avaliação sobre o ruim e o péssimo. Entre o ruim e o péssimo, o ruim é melhor que o péssimo.
BBC Brasil - O sr. vai se candidatar à Presidência no próximo ano?
Doria - Eu estou correndo, estou agindo para ser um bom prefeito da cidade de São Paulo. Eu fui eleito para ser prefeito por quatro anos. Não é hora de se discutir uma eleição presidencial. É hora de ajudar a resolver a crise brasileira. E cada administrador cumprindo o seu papel. Eu como prefeito, outros como governadores e assim por diante.
Nós temos que pensar em eleição em janeiro do ano que vem. Aí, quem sabe...
BBC Brasil - Em relação ao seu partido. Há suspeitas de doações ilegais à campanha do último candidato à Presidência, ele foi afastado recentemente do Senado. Isso não mancha um pouco seu compromisso com mudança, já que o sr. ainda é parte desse partido? O sr. apoia Aécio e o partido?
Doria - Ele não foi julgado, ele foi indiciado. É preciso reconhecer a diferença entre indiciado e julgado. Enquanto indiciado, o PSDB defende que toda investigação seja feita em sua plenitude, sem esconder nada e sem inibir nenhuma investigação. Diferente do PT, que sempre fugiu e procurou evitar a investigação.
Aécio deve ter direito a plena defesa e se, eventualmente for culpado, pagar por isso. Se for inocentado, retomar seu mandato e seguir sua carreira política.
BBC Brasil - O sr. é bem ativo nas redes sociais. Nos comentários, vimos pessoas cobrando uma posição sua em relação ao Aécio. Há quem defenda que ele seja expulso do partido. Qual a sua opinião?
Doria - Essa é uma decisão que cabe ao diretório nacional do PSDB. Eu entendo que o diretório deve se posicionar a esse respeito, como também entendo que o senador deve ter direito à plena defesa. Até Lula, mesmo diante de situações tão claras de falta de ética, tem direito à plena defesa e deve cumprir o seu rito na conformidade da lei até ser julgado.
O mesmo em relação ao senador. Mas entendo que seria prudente para o PSDB tomar uma decisão e fazer uma manifestação. Isso não significa desrespeitar a trajetória do senador Aécio Neves, mas preservar a imagem do PSDB.
BBC Brasil - O sr. trabalha em São Paulo muito próximo do setor privado, recebendo doações e tentando fazer privatizações. O senhor não acha que os brasileiros, após os escândalos da JBS e Odebrecht, têm desconfiança dessa relação entre o público e privado?
Doria - É diferente. Eu venho do setor privado, cultivei uma excelente relação com empresas privadas, brasileiras e internacionais, e tudo o que a gente faz por aqui tem o objetivo de atender a população. Não tem nenhuma negociação com objetivo partidário, político, de financiamento de campanha, de interesses espúrios. Os interesses são da cidade. E claramente colocados em transparência.
Nós já obtivemos em seis meses de gestão mais de US$ 220 milhões para a cidade. Dinheiro que foi investido pelas empresas doadoras em automóveis, motocicletas, uniformes para a Guarda Civil Metropolitana, material escolar, material de limpeza, construção de creches, de abrigos para pessoas em situação de rua, computadores, softwares e outros serviços para a cidade.
BBC Brasil - Mas as pessoas podem acreditar que essas empresas estão fazendo isso para o bem delas, sem pedir algo em troca?
Doria - Por que não? As empresas têm espírito de cidadania. Há muitas pessoas que, por confiar no gestor e reconhecer a dificuldade, oferecem produtos, serviços e contribuições dentro do seu campo de atuação para minimizar a aflição e a pobreza.
Isso já ocorria em várias empresas no plano de organizações não governamentais e iniciativas isoladas. O que eu fiz foi aglutinar, incorporar essas empresas dentro de um amplo programa de empresa cidadã, que nós iniciamos já na primeira semana como prefeito da cidade de São Paulo. E deu certo. Deu tão certo que muitas empresas nos procuram.
BBC Brasil - Quais características gostaria de ver no próximo presidente?
Doria - Um inovador, um gestor. Eu acho que o Brasil também precisa ter um bom administrador. Evidentemente, tem um sentimento político e uma capacidade também de aglutinação. Primeiro do voto. Para você se eleger, você precisa do voto, convencer a população que você é o melhor para o país.
Depois, precisa ser alguém com um bom diálogo com o Congresso Nacional e também com as demais forças do país. Você precisa dialogar bem e respeitar bem o poder Judiciário, as atividades produtivas, o mercado. É preciso ter uma compreensão ampla do país e ter como prioridade a gestão da pobreza.
O Brasil não pode continuar com 14 milhões de desempregados, 7 milhões de subempregados, uma população expressivamente sob sofrimento, abaixo da linha da miséria, com dificuldades para saúde, para sua própria alimentação.
O futuro presidente do Brasil deverá ter uma plataforma muito clara de soluções para esses problemas e uma boa conduta na gestão econômica do país. Isso é fundamental. E ter credibilidade.
BBC Brasil - O senhor é atualmente um dos principais críticos do PT, disse recentemente que o partido é ainda o grande inimigo. Mesmo assim, o Lula é líder nas pesquisas. Como o senhor avalia essa aceitação dele mesmo nesse cenário de denúncias?
Doria - O PT é inimigo do Brasil porque produziu a maior recessão econômica da história brasileira. O maior assalto aos cofres públicos que se teve notícia no mundo.
Quem durante 13 anos teve o poder e a possibilidade de encontrar soluções para o país, veio com esse discurso de proteger, amparar, integrar, colocar o país dentro de um processo ético, ver seus principais dirigentes indiciados, presos ou com tornozeleira não é exatamente um partido que pode falar de ética, tamanho o volume de pessoas implicadas.
Inclusive o ex-presidente Lula, que tem cinco indiciamentos, responde a cinco processos neste momento. Então, ele também é um inimigo do Brasil, embora tenha eleitores e uma base do eleitorado. Ou porque reconhece nele, mesmo diante das falcatruas, dos erros, das mazelas e das mentiras, um líder, o que é muito triste.
Você reconhecer pessoas que têm bom nível sócio econômico e podem ler jornais, ler livros, assistir à televisão, ter um melhor nível de conhecimento e ainda aprovam uma pessoa como essa é muito triste, mas é a democracia. A democracia tem alegrias e tem tristezas.
E há também um número expressivo de brasileiros que não têm acesso à informação, não têm acesso aos jornais, não assistem aos telejornais e não são influenciáveis por notícias a respeito do que fez o PT, do que fez o ex-presidente Lula. E são pessoas dependentes de programas sociais que foram iniciados na gestão Lula e continuam neste governo.
BBC Brasil - Só vota no PT quem é mal informado, prefeito?
Doria - Ou quem tem a intenção de defender as mazelas e defender o mal feito. Eu não vejo nenhuma razão para alguém votar no PT.
Qual é a prioridade, qual é a história louvável do PT que você ensinaria ao seu filho? Provavelmente, nenhuma.
BBC Brasil - Há quem aponte um contrassenso entre ser inimigo do PT e fazer alianças com o PMDB, que esteve com o PT durante todos esses anos e tem Michel Temer à beira de ser denunciado no STF.
Doria - A aliança não é com o governo Temer. É com o Brasil. Eu fiz essa defesa e fiz exatamente esse discurso. Duas vezes, aliás. Aqui em São Paulo, na reunião com o diretório do PSDB, que era uma reunião claramente favorável ao desembarque, eu defendia a permanência com esse mesmo discurso.
Nós temos que proteger o Brasil e os brasileiros. Não se trata de fazer a defesa do governo Temer ou do presidente Temer, mas sim da estabilidade política para permitir alguma estabilidade econômica para a retomada do crescimento e também para proteger as reformas que estão em discussão no Congresso Nacional neste momento.
É preciso, neste caso, ter pragmatismo. Não é a defesa incondicional do presidente Temer nem a defesa incondicional do seu governo. É a defesa do país, do Brasil e da sua governabilidade. E ter a certeza e a convicção de que teremos as eleições realizadas no seu prazo determinado constitucionalmente, que é em outubro de 2018.
Até lá, não havendo nenhum fato novo e grave diante das circunstâncias políticas, ao meu ver, cabe ao PSDB sim, como aliás já foi decidido, garantir essa governabilidade. Mas isso não é um cheque assinado, avalizado, até dezembro de 2018. Essa situação pode ser revista, se houver algum fato grave pela frente.
BBC Brasil - Como o senhor vê a ascensão do deputado Jair Bolsonaro?
Doria - Com normalidade. Ele tem um discurso mais à direita, que contagia um universo de eleitores, faz parte do processo democrático. É um candidato assumido, faz campanha há um ano pelo Brasil e isso vai sensibilizando uma parcela dos leitores. Mas não creio que seja uma sensibilização definitiva.
Eu já vi várias vezes histórias de candidatos, e com isso não estou desrespeitando a história, nem a trajetória e nem o valor do deputado. Eu já vi outros candidatos saírem à frente em campanhas e nem sequer irem para o segundo turno. E em São Paulo.
Aqui mesmo temos um exemplo disso. Um candidato que começou a campanha com 38%, era tido como vitorioso ou, na pior das hipóteses, como já no segundo. Estavam discutindo a segunda vaga para o segundo turno, se é que poderia haver um segundo turno.
E esse candidato (o deputado Celso Russomanno, do PRB) não foi nem para o segundo turno e nem ganhou a eleição. Eu tinha 2% e venci a eleição no primeiro turno.
BBC Brasil - Muita gente aponta a ação na cracolândia como o ponto baixo de sua gestão até agora. Como avalia?
Doria - Muito pelo contrário. Eu entendo que é um ponto corajoso da minha gestão. O fácil era não fazer nada, isso era o mais fácil.
Já sabia que o tema era polêmico. Quatro ex-prefeitos tentaram e não conseguiram e desistiram de fazer o enfrentamento tamanhas objeções que receberam. Eu já sabia disso. E nem por isso eu deixei de fazer o enfrentamento. Eu considero o contrário. Eu considero um ponto de coragem e de determinação. Continuamos a fazer o necessário e vamos prosseguir. Não há recuo.
Já vencemos ao longo desses últimos dois meses vários pontos importantes. A cracolândia fisicamente onde estava, no quarteirão da rua Helvétia com a Dino Bueno, acabou e não volta mais. Enquanto eu for prefeito de São Paulo, eu posso assegurar que ali não volta mais.
E ali nós tínhamos vários bunkers de uma facção criminosa de São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital), que hoje se espalha infelizmente por todo o Brasil, e ali tinha depósito de armas, refinamento de cocaína, cofres com entorpecentes de toda a espécie. Além da própria cocaína, ecstasy, heroína, maconha, além do próprio crack. E isso acabou.
Não há mais a ocupação ali. Você não tem mais aquele shopping center de drogas ao ar livre, que era uma vergonha cada vez que se via a imagem daquilo, com a comercialização aberta para quem desejasse comprar e abastecendo a cidade inteira de drogas. Isso acabou.
BBC Brasil - Mas e a cracolândia que se formou na praça Princesa Isabel, prefeito?
Doria - Uma coisa é acabar fisicamente com o espaço da cracolândia. Outra coisa é o enfrentamento de uma questão longa e difícil que são os usuários. Infelizmente, nós temos mais de 4 mil usuários do crack residindo nas ruas, dependendo desse consumo, e lamentavelmente manuseados por esses traficantes pertencentes a essa facção criminosa.
Isso foi exigido e nós estamos fazendo. Todo dia há abordagens. Já fizemos mais de 130 internações de pessoas que aceitaram ser internadas e, na minha visão, aceitaram ser salvas porque o crack mata.
Nós vamos continuar esse programa. Não é um programa com base ideológica nem partidária. Por isso mesmo, nós estamos convencidos de que ele vai produzir ao longo do tempo o resultado necessário.
BBC Brasil - A prefeitura entrou com uma ação para poder internar compulsoriamente os usuários da região em casos extremos. O secretário estadual da Saúde, David Uip, questionou a decisão.
Doria - A prefeitura não propõe a internação em conjunto. A prefeitura propõe que haja a possibilidade da internação compulsória individual. Ela não propõe aglutinar pessoas, colocar dentro de um ônibus ou caminhão, ou confinar dentro de um prédio, uma casa, uma sala, amarrar essas pessoas com camisa de força e obrigá-las a ter tratamento. É a abordagem individual. Isso muda muito.
Houve aí, não é o caso da BBC, mas um mal tratamento da notícia por parte dos jornalistas que, desinformados ou deliberados, colocaram a notícia como se fosse o objetivo coletivo. Não era coletivo e não é. E, portanto, não há nenhuma dicotomia entre a ação do governo do Estado e da prefeitura.
Nós seguimos juntos o programa Redenção. Aliás, hoje mesmo (quarta-feira) tivemos uma reunião aqui na prefeitura tratando exatamente desse assunto com os secretários de Saúde do Estado e do município e os responsáveis na área psiquiátrica.
BBC Brasil - A ex-secretária de Direitos Humanos Patrícia Bezerra, ao pedir demissão, deu uma entrevista à Folha de S.Paulo tecendo vários elogios, mas dizendo que o senhor tem um senso de urgência que é equivocado, como não entender que o trabalho na cracolândia exige um certo tempo. Como avalia essa crítica?
Doria - Gosto da Patrícia e a considero uma boa pessoa e uma boa vereadora. Foi uma boa secretária enquanto esteve aqui conosco.
Mas tenho um pensamento distinto em relação à velocidade e ao senso de urgência. É o que me difere dos políticos. Os políticos gostam muito de dar tempo ao tempo. Eu, como gestor e administrador, prefiro administrar o tempo. É diferente.
(Foto: Felipe Souza BBC)