POLÍTICA NACIONAL

Eduardo Bolsonaro sugere novo AI-5 se esquerda radicalizar

Autoridades reagem duramente à declaração do deputado federal.

Em 31/10/2019 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Foto: UOL/Divulgação

O líder do PSL na Câmara, Eduardo Bolsonaro (SP), sugeriu, em entrevista tornada pública na manhã desta quinta-feira que o governo comandado pelo seu pai, Jair Bolsonaro, poderia lançar mão do mais duro instrumento legal de repressão da ditadura militar brasileira, o AI-5 (Ato Institucional Número 5), caso a esquerda radicalize em sua atuação no país, declaração que causou forte reação de autoridades públicas e até um pedido de cassação de seu mandato parlamentar.

“Vai chegar a um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam e sequestravam grandes autoridades, cônsules, embaixadores, execução de policiais e militares”, disse, em entrevista a jornalista Leda Nagle, veiculada no canal dela no Youtube.

“Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. Uma resposta ela pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através do plebiscito, como ocorreu na Itália, alguma resposta vai ter que ser dada porque é uma guerra assimétrica, não é uma guerra onde você está vendo o seu oponente do outro lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno de difícil identificação aqui dentro do país, espero que não chegue a esse ponto, né, mas a gente tem que estar atento”, completou.

O AI-5, o mais duro dos atos institucionais editados pela ditadura em 1968, resultou no fechamento do Congresso Nacional, cassou mandatos parlamentares e suspendeu garantias constitucionais, criando condições para que a repressão estatal aumentasse contra os cidadãos que discordavam do regime —inclusive com assassinatos ainda sem solução— naquele período.

Eduardo Bolsonaro chegou a destacar que seria ingenuidade não relacionar protestos populares que têm ocorrido recentemente em países vizinhos da América do Sul com o clima de confronto que ocorre no Brasil.

A reação às declarações do filho do presidente foram imediatas. Representantes de partidos de todos os espectros políticos, inclusive a cúpula do próprio partido ao qual está filiado, o PSL, repudiaram duramente ã fala de Eduardo. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Congresso e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também criticaram a fala e fizeram uma defesa intransigente da democracia.

Para Rodrigo Maia, as declarações são “repugnantes do ponto de vista democrático” e devem ser repelidas pelas instituições.

“O Brasil é uma democracia. Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras”, disse Maia, que alertou que o deputado pode ser punido pelas declarações.

Após se reunir com o Jair Bolsonaro —que chegou esta manhã de uma viagem internacional—, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, declarou em nota que não há espaço para retrocesso autoritário.

“É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato”, afirmou.

“Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição”, completou Alcolumbre.

O PSOL anunciou que, com o apoio de outros partidos de esquerda, vai apresentar uma representação no Conselho de Ética da Câmara para tentar cassar o mandato do deputado por considerar que a declaração configura ato incompatível com o decoro parlamentar. Em outra frente, também vai propor uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação ao crime e apologia de crime ou criminoso por supostamente fazer apologia à ditadura militar.

O presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), com quem o presidente e os filhos estão em pé de guerra, questionou duramente a  declaração. “Em nosso partido, a democracia não é negociável. Fica aqui nossa manifestação de repúdio a esta tentativa de golpe ao povo brasileiro”, disse Bivar, em nota.

Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), “o povo brasileiro não aceita e não tolera o fim da democracia”.

“O presidente (Bolsonaro) e sua família foram eleitos pela via democrática e juraram defendê-la. E democracia não combina com AI-5 ou qualquer outra medida autoritária”, afirmou Molon.

Presidente lamenta declarações

No meio da tarde, o presidente Jair Bolsonaro lamentou a declaração do filho, embora tenha ressalvado que não estava sabendo do comentário.

“Quem quer que esteja falando de AI-5 está sonhando. Está sonhando! Está sonhando!, disse Bolsonaro, quando deixou o Palácio da Alvorada para conversar com estudantes e outros populares que visitavam o local.

Indagado se cobraria Eduardo pela declaração, o presidente mostrou irritação. “Cobre você dele. Ele (Eduardo) é independente, tem 35 anos. Se ele falou isso, eu não estou sabendo, eu lamento. Lamento muito”, disse.

Pouco depois, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, Bolsonaro voltou a falar que lamentava, indicou que o filho pode se desculpar com quem tenha interpretado erradamente a declaração e disse que, da parte dele, não há nenhum interesse no autoritarismo.

“Ele fala que no contexto lá dos anos 1960 o Brasil viveu um momento dificil aqui também e que o AI-5 foi quase uma imposição. Mas ele fala também que AI-5 não existe, essa arma não existe, tá? E nem queremos. E nem pretendemos falar em autoritarismo”, disse Bolsonaro.

“Eu falei para ele (Eduardo) ‘se desculpa, pô, junto àqueles que porventura não interpretaram você corretamente. Ele falou não tem problema não, se desculpa, não tem problema nenhum”, acrescentou o presidente.

Pouco depois, diante dos apelos do pai e da forte reação que as declarações geraram, Eduardo publicou um vídeo numa rede social se desculpando.

“Eu não fico nenhum pouco constrangido de pedir desculpa a qualquer tipo de pessoa que tenha se sentido ofendida ou imaginado o retorno do AI-5. Esse não é o ponto que nós vivemos hoje, no contexto atual do Brasil”, disse o deputado, em vídeo no seu Facebook.

“A gente vive um regime democrático, nós seguimos a Constituição. Inclusive esse é o cenário que me fez ser o deputado mais votado da história. Então não tem por que de eu descambar para o autoritarismo, eu tenho a meu favor a democracia”, acrescentou.

Dobrando a aposta

Praticamente ao mesmo tempo em que Bolsonaro falava, o filho foi às redes sociais e, num Twitter, fez nova carga sobre o assunto. Disse que a esquerda brasileira trouxe “pânico”e “terror”ao Brasil nas décadas de 1960 e 1970, e que o campo político teria a intenção de trazer as turbulências do Chile para o Brasil.

“O que foi o AI-5? Dilma, Lula, Franklin Martins, Marighella, Lamarca e outros trouxeram pânico e terror ao Brasil no final dos anos 1960 e início dos 70. Hoje a estratégia se repete no Chile e a esquerda brasileira está louca para trazer isso para o Brasil”, diz o tuíte do deputado, acompanhado de vídeo com imagens dos protestos no Chile.

Antes disso, em outra publicação no Twitter também nesta quinta, Eduardo colocou um vídeo com o voto de seu pai no impeachment da então presidente Dilma Rousseff, quando Bolsonaro homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura, e acusado da prática de tortura.

O presidente do STF, Dias Toffoli, não se manifestou publicamente sobre as declarações de Eduardo. Entidades de classe vinculados a juízes, procuradores da República e advogados divulgaram nota repudiando a fala do deputado.

Reservadamente, um ministro do STF disse à Reuters que não vê no radar manifestações no Brasil que poderiam gerar esse tipo de preocupação que Eduardo Bolsonaro aventou numa comparação com o que ocorre no Chile.

Esse ministro afirmou que a situação atual é bem diferente do momento da edição do AI-5: ao contrário daquela época, em que um presidente militar e não eleito se valeu de poderes excepcionais, hoje há um presidente eleito e que qualquer medida dessa natureza dependeria do Congresso.

Não é a primeira vez que o filho do presidente gera polêmica com declarações de viés autoritário. Durante a campanha eleitoral do ano passado, o parlamentar, que foi o deputado federal mais votado da história do país, disse que seriam necessários apenas um soldado e um cabo em um jipe para fechar o Supremo.

Na ocasião, Bolsonaro reagiu à fala do filho afirmando que “advertiu o garoto”, e Eduardo se desculpou pela fala.

O presidente pretendia indicar o filho para embaixador do Brasil nos Estados Unidos, mas diante da falta de apoio no Senado, que precisa referendar a indicação, e de uma briga interna no PSL que fez com que o deputado assumisse a liderança da legenda na Câmara dos Deputados, Eduardo anunciou que abria mão da indicação.

Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello, em Brasília, e Eduardo Simões, em São Paulo - Reuters