NEGÓCIOS

Empresas perceberam que a corrupção não valoriza ninguém

O brasileiro Carlo Pereira é o secretário-geral da Rede Brasil para o Pacto Global.

Em 22/07/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Criado pelo ganês Kofi Annan, quando foi secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 1997 e 2006, o Pacto Global foi a maneira encontrada por ele para trazer as empresas para o centro das estratégias de metas para a melhoria do mundo. Com isso, o grupo acabou se tornando a maior iniciativa global de cidadania, ao incluir 13 mil organizações signatárias, sendo 10 mil companhias.

O brasileiro Carlo Pereira é o secretário-geral da Rede Brasil para o Pacto Global e presidente do conselho das 78 redes locais. Com isso, foi eleito para o conselho global do Pacto. Além dele, fazem parte do grupo Guilherme Leal, cofundador da Natura, e Patricia Moreira, diretora-executiva da Transparência Internacional. Pereira, especialista em sustentabilidade corporativa e que comandou essa área na CPFL Energia, falou sobre as ações do grupo no País e comentou sobre o protagonismo assumido pelas empresas nas causas sustentáveis.

As 800 instituições que trabalham com a iniciativa no Brasil sabem que têm regras a seguir.

“Quem participa do grupo anticorrupção não pode divulgar mensagens se promovendo com isso. Não queremos ser usados por empresa nenhuma. Não vamos endossar o trabalho de ninguém”, diz.

Confira a entrevista:.

 Por que o setor privado é importante para a ONU e o seu Pacto Global?

Dos 200 maiores PIBs do mundo, 153 são empresas. Então, imagina o potencial de construção ou de destruição dessas organizações. Sabemos que influenciam muito fortemente os governos. Não mudam o mundo somente por suas ações diretas. O ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, queria trazer uma face mais humana das corporações quando anunciou o Pacto. Durante 10 anos, a iniciativa funcionou convocando CEOs a se comprometerem com dez princípios [que estão ligados a trabalho, meio ambiente, direitos humanos e anticorrupção]. Ao longo dos anos, essa atuação mudou para incentivar as empresas a botarem a mão na massa, por meio de ferramentas, treinamentos, publicações e as ações coletivas. Agora, ele ganhou mais destaque. Ban Ki-Moon (o secretário-geral anterior) sempre bancou o Pacto. Mas o António Guterres, secretário há dois anos, trouxe o Pacto ainda mais para o centro. Com a reformulação do sistema ONU em curso, que está focada na governança, o presidente do conselho de administração do Pacto é o próprio secretário-geral da ONU. Por aqui, a Rede Brasil já é a terceira maior do mundo e tenho meta de até o ano que vem ser a segunda maior. Vai dar. As empresas estão respondendo muito bem.

Quais dos dez princípios são mais relevantes para o Brasil?

O de preservação da água é um deles. Existem 35 milhões de brasileiros sem acesso a água de qualidade e precisamos diminuir as diferenças de distribuição. Temos uma média nacional de 38% de perdas de água tratada.Esse é o número autodeclarado do sistema nacional. Mas, acredita-se que seja muito maior. No Nordeste, a perda chega a 70%. Outro princípio importante é o de anticorrupção. Estamos iniciando pactos setoriais nesse sentido. Já temos um em construção civil e outro de limpeza urbana e resíduos.

Como isso tem funcionado?

O Pacto no Brasil tem 800 instituições, um terço é de grandes empresas. Entre as nossas ações, está o treinamento anticorrupção. O tempo todo tem alguém na empresa em que trabalhamos sendo assediado. Como faz para capacitar esse funcionário a se defender desse assédio? E para a empresa mapear isso tudo? Fazemos esse treinamento de risco de corrupção, com metodologia do Banco Mundial.

Como participar?

 Nas ações coletivas, há várias regras para blindar as instituições. Quem participa desse grupo não pode divulgar mensagens se promovendo com isso. Não queremos ser usados por empresa nenhuma. Não vamos endossar o trabalho de ninguém. Há pouco tempo, a Transparência Internacional soltou uma publicação sobre a transparência da corrupção. Uma grande construtora subiu muito nesse estudo e fez uma divulgação. A Transparência respondeu dizendo que não estava endossando o trabalho dela. Tomamos muito cuidado para não sermos usados por ninguém. A questão reputacional é muito importante para nós.

As empresas estão, de fato, preocupadas com a corrupção?

Depois de tudo isso que aconteceu nos últimos anos, elas perceberam que a corrupção não traz valor para ninguém. Ela só destrói valor, para o negócio e para a sociedade. É um clichê dizer, mas é um câncer. No caso da construção civil, as grandes empresas perceberam que todo mundo faliu ou está à beira de falir depois dos escândalos. Então, apoiam iniciativas para sanar essa questão no mercado. Entram no nosso grupo por entenderem que não dá mais para operar dessa maneira. Se fizerem qualquer coisa de errado, vão acabar de destruir as empresas. Mas há players menores que ainda atuam desse jeito antigo. Se o mercado não se estruturar para repelir esse tipo de empresa, essas novas vão fazer o que as grandes fizeram no passado. Afinal, sempre encontrarão corruptos.

É uma ameaça de competição desleal?

Foi a forma que elas usaram para crescer. Elas têm o histórico próprio e sabem que, se deixarem, outras empresas menores vão repetir o que elas fizeram no passado.

“Quando surgiu a portaria para o fim da divulgação da lista suja do trabalho escravo, o Carrefour se posicionou contra isso” – A varejista francesa é signatária do Pacto Global (Crédito:Samir Baptista / AG. Istoé)

O sr. mencionou um trabalho com o setor de saneamento. O que tem sido feito?

Em limpeza pública, vem acontecendo uma profissionalização, como aconteceu com vários setores no Brasil. Há muitas empresas bem estruturadas e com investidores externos. A Estre, por exemplo, está na bolsa de valores e precisa seguir os mais altos níveis de compliance. No passado, existia muita corrupção nesse setor. Agora, está se estruturando, mas é preciso proteção. A BRK Ambiental, a antiga Odebrecht Ambiental, está com dificuldades de operar. Eles não praticam corrupção. No caso de limpeza pública, diferentemente da construção, não houve problemas porque são empresas novas e bem estruturadas. Mas o setor tem uma imagem negativa. Se sabe como era o jogo no setor no passado. Se olharmos para trás, existe o caso da Máfia do Lixo. As empresas sabem que têm imagem ruim e procuram reverter isso. Se mostram tranquilas em fazerem compromissos e falar sobre o tema anticorrupção. Até para evitar a concorrência desleal.

As empresas devem encarar a sustentabilidade como uma questão de negócios mais do que uma outra atividade?

 Sou da escola que, se não houver objetivo de negócios, a sustentabilidade não faz sentido. Porque se tratarão de iniciativas isoladas, dependente de pessoas. Acontecia muito isso nas empresas. O executivo era afeito à questão hídrica porque tem uma casa no lago. A pessoa deixa a empresa e desaba o negócio. A coisa certa é quando as questões ambientais fazem sentido para o negócio e, ainda, beneficiam a sociedade. Eficiência energética é a mais direta. As cimenteiras brasileiras já são modernas. Mas ainda se vê por aí quem faz investimento em energia sustentável e, em muito pouco tempo, recupera o valor. Na questão hídrica, há um trabalho belíssimo da Braskem, de adaptação ao clima, tanto nos EUA e como no Brasil. Ela mapeou todos os riscos relacionados à mudança do clima e hoje toma decisões estratégicas pensando nisso. O aquapolo, que é o maior da América Latina e operado pela BRK, foi feito porque a Braskem estava numa área de crise hídrica.

Há exemplos de empresas que perdem oportunidades de negócios por não buscarem soluções ambientais?

Hoje em dia isso passou a ser imperativo. As empresas que não se adaptarem vão sucumbir. A sociedade não admite mais violações a direitos humanos. Se acontece algo, em 10 segundos, está na internet. As questões ambientais também. As empresas sofrem com isso. Eu não tenho ações, mas sempre que acontece um problema ambiental, acompanho o valor de mercado das empresas. Percebo que essas companhias nunca mais recuperam o valor anterior. O pesquisador Robert Eccles, num estudo feito desde 1980, classificou as empresas com alto e baixo grau de sustentabilidade. Em 30 anos, o ganho das empresas com alto grau foi muito maior.

Hoje também ficou muito mais fácil perceber a prática de falsificar preocupação ambiental, o chamado greenwashing?

Isso não cabe mais. As empresas que faziam isso já perceberam. Um amigo da área de sustentabilidade diz que gosta quando as empresas fazem greenwashing, porque hoje em dia quem se atrever a tentar isso vai encontrar uma reação tão forte que terá de correr atrás do prejuízo. E vai se adequar rapidamente.

Globalmente, espera-se muito mais responsabilidade das empresas brasileiras, em razão da reserva de água e de florestas que temos?

Existe, sim, uma responsabilidade adicional. Mas elas atuam num mercado tão globalizado que as legislações básicas são as mesmas. A regulação brasileira, tanto em questões ambientais como sociais, chega a ser até mais severa, mesmo que a fiscalização não seja tão boa. Por conta disso, as brasileiras sofrem mais. Precisamos levantar o que elas fazem. Somente para respeitar a legislação, entram em desvantagem de custos em relação às chinesas, por exemplo. O que digo para elas é que saiam da defensiva, vão para o mercado internacional divulgando o que fazem e pressionem para que os outros países sigam regras mais fortes. Daí, as rivais vão deixar de ser mais competitivas.

“As construtoras sabem que, se deixarem, as menores vão repetir o que elas fizeram no passado” – Obra da construtura Odebrecht, envolvida na Operação Lava Jato (Crédito:Dado Galdieri/Bloomberg via Getty Images)

Essa preocupação chegou no agronegócio, que tradicionalmente é considerado um vilão, no Brasil?

Isso está acontecendo. Temos muito contato com a Sociedade Rural Brasileira e eles já entenderam que o mundo mudou. É impressionante como modernizaram o discurso. Antes, era outro papo. Até a idade do pessoal é outra. É formada por gente nova, com cabeça arejada. Veja a Apex, a agência de promoção das exportações. Um dos seus pilares agora é a sustentabilidade. Agora, o discurso será: se quiser exportar, vai ter de falar de sustentabilidade. Vemos como essas questões fitossanitárias que o Brasil enfrentou na carne prejudicaram as exportações. Isso não pode mais acontecer.

Mas como é possível avançar em direitos humanos?

PEREIRA – É um negócio que preocupa muito as empresas. Até 2011, direitos humanos era dever e responsabilidade de países. Mas passou a ser também das empresas. Por isso, há várias legislações novas. Fizemos um evento com Carrefour e Whirlpool para falar de trabalho forçado. É um tema complicado. A empresa acusada diz que não promove isso, mas e no terceiro nível de fornecedor? Hoje em dia não dá mais para falar que não tem responsabilidade. Judicial e institucionalmente, a empresa vai ser culpada, se algo surgir. Vemos muitos desses casos no setor têxtil. De fato, é muito difícil controlar o contratado do contratado do contratado. Mas é assim que as coisas são.

Nos últimos tempos, vimos políticos promoverem ações controversas. No Brasil, há a nova lei dos agrotóxicos. Nos EUA, muitos Estados e o presidente Donald Trump defenderam regras contra imigrantes e a comunidade LGBT. Mas, diversas empresas se contrapuseram a esses retrocessos. Elas vão ser as protagonistas da sustentabilidade no lugar dos governos?

Estamos vendo, de fato, alguns retrocessos. Mas as empresas têm muitas vezes se levantado, dizendo que não admitem uma nova legislação. Muitas estão se posicionando contra retrocessos. Quando surgiu aquela portaria sobre deixar de divulgar a lista suja do trabalho escravo, o Carrefour foi contra. Já, especificamente sobre o caso dos agrotóxicos, sinceramente não tenho conhecimento para analisar o tema. Vejo muita discussão importante de um lado e bons argumentos do outro. Os meios de comunicação que respeito estão muito preocupados. Mas muita gente séria defende de alguma maneira o outro lado da discussão. O Pacto não tem posicionamento em relação a isso.

Na frente social, isso também acontece? A União Europeia falou muito sobre cotas para mulheres nas empresas, mas grandes corporações parecem ter se antecipado a qualquer política pública?

O que me preocupa é a questão racial. Em questão de gênero e de avanço das mulheres, temos muito a evoluir, mas estamos bem estruturados e no caminho certo. Só precisamos acelerar um pouco mais. Já a questão racial no Brasil é bizarra. Temos 55% de negros e pardos no País, mas, quando se vai olhar para cargos executivos, eles são 4,3%. É inaceitável.

Foto: Fellipe Abreu-Revista Istoé Dinheiro/Edição 20/07/2018 - nº 1079