ESPORTE CAPIXABA

Falta de exames cardíacos coloca em risco jogadores do fut. capixaba

Médicos e dirigentes admitem que jogadores entram em campo sem exames básicos

Em 29/10/2014 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Era noite do dia 27 de outubro de 2004. Corria o segundo tempo de uma partida contra o São Paulo, quando o volante capixaba Serginho, que jogava pelo São Caetano, sofreu uma parada cardiorrespiratória fulminante e caiu desacordado no gramado do Morumbi. O socorro rápido dos companheiros e dos médicos não foi o suficiente para salvá-lo. O zagueiro de 30 anos morreu instantes depois, às 22h45, deixando esposa e um filho, que na época tinha 4 anos.

A morte repentina de Serginho acendeu um sinal de alerta sobre o cuidado dos clubes com a saúde dos jogadores mas parece que, dez anos depois, o Espírito Santo ainda não aprendeu a lição.
 
Jogadores do futebol capixaba continuam expostos a um grande risco de morte súbita em decorrência do esforço físico, uma vez que a maioria ainda assina contratos e vai a campo sem ser submetida a exames cardíacos básicos. Um descumprimento das orientações da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

Para piorar, há forte indício de falsificação nas assinaturas de atestados médicos de um dos times que disputou a Copa Espírito Santo.

- Raros times fazem exames aqui. Temos sorte por nunca ter morrido nenhum jogador - revela o volante Léo Gonçalves, de 34 anos, que jogou o Capixabão 2014 pelo Vitória e a Série D do Brasileirão pelo Estrela do Norte. Ele diz não ter feito exames cardíacos em nenhum dos dois times.

Vice-campeão do Capixabão 2014, o Linhares é um dos clubes que assume não fazer todos os exames. O presidente da Coruja, Adauto Menegussi, justifica que ficaria inviável financeiramente.

- Fazemos exame de sangue, fezes e urina. Não dá para fazer exame de coração. Custa, na média, R$ 350 por jogador. Teríamos que gastar quase R$ 10 mil com o elenco todo. Não temos esse dinheiro - argumenta o dirigente.

O caso do Linhares não é diferente do Tupy. O presidente Rogério Pedrini faz a mesma justificativa.

- Não temos condições de bancar um check-up geral nos jogadores. Faço o que está ao meu alcance - diz o presidente Pedrini.
 
O atacante Júlio Cesar, da Desportiva, admite não ter feito exames cardíacos para assinar com o time grená e nem no São Mateus, onde jogou o Capixabão.

- Meu último exame de coração foi quando joguei em Portugal, mas Desportiva dá plano de saúde para todos os jogadores, está na frente de muitos times aqui do estado - avalia.

Médico do Vitória, o pediatra Jairo Ribeiro admite que já liberou para jogar atletas que nem foram examinados.

- Todos que querem fazem o exame de coração. Se o jogador fala para mim que fez em outro time, eu tenho que acreditar nele e assino o laudo sem examinar. Burro é ele (o jogador) se mentir em algo que pode atrapalhar ele mesmo.


01 CASOS RECENTES

Márcio Leandro foi diagnosticado com problemas no coração logo depois de jogador o Capixabão 2014O exemplo de Márcio Leandro serve para demonstrar a recorrente falta de cuidados dos clubes do Espírito Santo com os jogadores de profissionais. O zagueiro de 26 anos atuou pelo Castelo no Capixabão 2014, mas garante que nunca foi submetido a nenhum exame cardíaco no clube alvinegro.

Com a boa campanha no time que chegou até as semifinais da disputa, Marcio Leandro foi para um time da Romênia, foi apresentado oficialmente, mas teve uma surpresa desagradável com os exames médicos realizados no clube da Europa Ocidental.

- Cheguei no Castelo em janeiro e não me pediram nenhum exame para jogar o Capixabão. Depois fui para a Romênia, já estava tudo certo, mas fiz os exames e os médicos do clube (FC Viitorul) me falaram que eu tinha um problema cardíaco, que não poderia ficar lá - disse Márcio.

De volta ao Brasil, o jogador está bancando a realização de novos exames por conta própria para acertar sua situação com o clube romeno.

- Espero que não seja nada demais e que eu consiga voltar a jogar sem nenhum problema - concluiu.

Kill ficou meses sem jogar em 2005

Meses depois da lamentável morte do zagueiro Serginho, outro jogador capixaba viveu um drama na carreira por causa de problema no coração. Em janeiro de 2005, o atacante Kill (Cristiano de Lima Lopes), na época com 21 anos, foi impedido de acertar com o Serra pois dirigentes do clube alegaram que os exames realizados apontaram que o jogador estava com problemas cardíacos.

- Foi um momento difícil, tive que refazer muitos exames até descobrir que eu não tinha nada grave e poderia jogar. Mesmo assim os clubes tinham medo de me contratar - relembra o jogador.

Kill deu a volta por cima e meses depois marcou, na decisão, os dois gols que deram o título da Série B do Capixabão para o Rio Branco. Atualmente, já aposentado como jogador, Kill trabalha em uma siderúrgica.

- O cuidado com a saúde do empregado no lugar onde trabalho agora é muito maior do que nos clubes de futebol. Aqui faço exames anuais, coisa que não acontece na maioria dos times capixabas - concluiu o ex-atleta.

Estevão descobriu "coração grande"

O zagueiro Estevão contou que o único clube que realizou o eletrocardiograma antes da contratação foi o Rio Branco, em 2011. Ele nunca havia tido problemas, mas uma consulta de rotina, pelo próprio plano de saúde, constatou que o tamanho do coração do jogador era maior que o normal.

- A cardiologista estranhou o tamanho do meu coração. Fiz acompanhamento por três anos, a cada seis meses, para saber se era genético ou desenvolvido pelos anos de futebol. Ninguém nunca soube desse problema.

No entanto, o zagueiro não pendurou as chuteiras por conta do coração já que a médica deu garantia de que o problema não afetaria o trabalho em campo.
 
- Quando ela viu o resultado dos exames, a médica me deu certeza de que eu poderia continuar jogando, que eu não passaria mal, nem nada. Agora meu acompanhamento acabou, vou fazer apenas de ano em ano, e está tudo bem. Como muitos clubes não examinam o coração do jogador, eu corri atrás e fiz por conta própria.

02 CLUBES SE JUSTIFICAM

Entre os clubes citados por alguns jogadores por não realizar exames cardíacos, a Desportiva Ferroviária se posicionou via assessoria de imprensa, afirmando que planeja a realização de exames cardiológicos na próxima pré-temporada, no início de 2015.

No Sul do Estado, o presidente Adilson Conti, do Estrela do Norte, reconheceu que em 2014 alguns jogadores não fizeram exames cardíacos, mas garantiu que o clube já fez parceria com um hospital e todos os atletas vão fazer os exames para o Capixabão 2015.

Também no Sul, o Castelo foi citado pelo zagueiro Márcio Leandro, mas os dirigentes do clube não foram encontrados para dar suas versões do caso.

No Norte, o presidente do São Mateus, Celso Gomes, admitiu que nem todos os jogadores do clube fizeram exames cardíacos no Capixabão 2014, mas que já tomou as mediadas necessária para que o erro não aconteça em 2015.

03 RIO BRANCO E SERRA: EXCEÇÕES

Entre os mais de 20 jogadores e ex-jogadores entrevistados para esta reportagem, apenas dois clubes capixabas foram apontados como rigorosos no controle dos exames cardíacos dos jogadores: Rio Branco e Serra.

- Para atuar no Rio Branco, o jogador é obrigado a fazer eletrocardiograma, exame de sangue e raio-x de tórax. Só vão parar de liberar atletas sem exames básicos por aqui quando um jogador morrer dentro de campo - declarou o ortopedista José Carlos Gomes, responsável por assinar os atestados médicos do time alvinegro.

Já no Serra, que em 2014 jogou a Série B do Capixabão, os exames são comandados pelo médico e presidente Carlos Henrique Cândido.

- Exijo laudo de cardiologista até de jogador amador que vem fazer testes no time profissional.

 

04 MÉDICOS ALERTAM

Especialista em Medicina do Esporte e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, Ricardo Munir Nahas destaca a mudança de comportamento dos clubes paulistas após a trágica morte do zagueiro capixaba Serginho, do São Caetano, há exatamente 10 anos.

- Senti uma mudança grande em São Paulo. Os clubes se aparelharam, estão com médicos do esportes e fisiologistas nas equipes. Os dirigentes entenderam que é muito melhor gastar um pouco mais, fazer os exames e ter um atleta saudável - concluiu.

O diretor ainda alerta para os exames básicos recomendados pela Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

- Recomendamos exames de sangue, fezes e também um teste ergométrico, de esforço, para saber como o coração do atleta vai reagir sob esforço. É essencial conhecer a saúde do atleta. Quem não faz o exame entra em campo correndo um risco maior - garantiu.

Médicos criticam postura

O cardiologista Roberto Barbosa condena a postura dos clubes.

- É inadmissível um profissional atuar sem uma rigorosa avaliação clínica de pré-participação. Para o coração, deveriam fazer, no mínimo, eletrocardiograma.

Secretário do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo, o pediatra Celso Murad também repudia o aval médico para atletas sem exames básicos.

- É antiético. Se algo acontecer ao jogador, a responsabilidade é do médico, que pode até ter o registro cassado.

 

Fonte:Globo Esporte.com