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Greve antecedendo CLT teve participação fundamental de mulheres

A legislação foi criada pelo Decreto-Lei 5.452 de 1943 e sancionada por Getúlio Vargas.

Em 01/05/2023 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

Mobilização de 1917 foi um marco na luta pelos direitos trabalhistas.

A Greve de 1917, marco na história da luta e consolidação dos direitos da classe trabalhadora no Brasil, foi impulsionada em parte por mulheres. Elas ocupavam cargos de operárias na época, especialmente, na indústria têxtil.

A economista e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marilane Teixeira, ressalta que as mulheres têm peso relevante na formação da classe operária brasileira, mas recorrentemente são invisibilizadas nesses processos de lutas.

“Quando se estuda no Brasil a história da classe operária, ela normalmente é vista sob o ponto de vista masculino, raramente tem uma abordagem que inclua as mulheres nessa luta. Normalmente, [os estudos] são realizados por pesquisadoras mulheres. Quando são pesquisadores homens, as mulheres são absolutamente invisibilizadas”, avalia Teixeira.

Neste 1º de maio, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 80 anos. A legislação foi criada pelo Decreto-Lei 5.452 de 1943 e sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. A CLT unificou a legislação trabalhista existente no país até então.

Neste marco, a Agência Brasil publica reportagem especial que retoma os antecedentes históricos para a conquista desses direitos, as mudanças ao longo do tempo e o atual cenário do mundo do trabalho, especialmente diante da digitalização.

Mundo do trabalho

A economista Marilane Teixeira destaca que a afirmação de que as mulheres só se inseriram no mundo do trabalho a partir dos anos 60 e 70 é um mito.

“Isso se intensificou, de fato. Elas se inseriram de forma mais massiva a partir dessa época e se mantiveram no mercado de trabalho. Essa é a diferença do período anterior: as mulheres entravam e saíam do mercado de trabalho por conta da maternidade”, disse.

Elas estiveram mais presentes na indústria têxtil e de confecções, espaço que foi palco fundamental de reivindicações na Greve de 17. Ainda hoje,  segundo a pesquisadora, a ocupação de mulheres segue alta, representando 75% dos trabalhadores do setor. Naquele momento, 90% dos operários eram mulheres, e os homens estavam em sua maioria nos cargos de encarregados ou de chefia.

Até a segunda metade do século 20, a luta da classe operária estava predominantemente concentrada no setor têxtil. “Por exemplo, o direito a salário igual para trabalho igual é uma reivindicação que tem mais de 100 anos. As mulheres denunciavam as condições de desigualdade e que se vivenciava dentro do ambiente de trabalho, quando elas realizavam trabalho igual a um homem, idêntico, e os salários delas eram muito inferiores.”

A luta das mulheres não era apenas por condições de trabalho dignas, mas para participarem das manifestações coletivas por direitos sem a hostilidade de seus pares do sexo masculino. “Na formação da classe operária, as mulheres eram vistas como se estivessem fora do lugar, ou seja, lugar de mulheres não é na fábrica, não é trabalhando como operárias, lugar da mulher é na casa, no lar e cuidando da família e dos filhos.”

Processo tardio

Para a desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) Magda Biavaschi, a consolidação das leis do trabalho foi um processo lento e caminhou junto com a industrialização porque o Brasil é um país de capitalismo tardio, conforme tese do professor João Manuel Cardoso de Melo, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tendo em vista que as origens da proteção social do trabalho remontam à lógica do sistema capitalista.

“As raízes de toda essa legislação de proteção social do trabalho estão fincadas no século 19, quando na grande indústria inglesa, o capital industrial superou o capital comercial e se autonomizou e saiu mundo afora movido por seu desejo insaciável de acumulação de riqueza abstrata, que move o capitalismo”, disse.

Ela aponta que a ideia era conter a lógica de exploração capitalista. “Nesse processo, ele [o capitalismo] busca dissolver todas as relações sociais ou todos aqueles obstáculos que impedem o seu livre trânsito e o faz onde não há vínculos ou onde não há diques suficientes para contê-lo e onde não há vínculos suficientes nas sociedades para esse processo de resistência”, acrescentou.

Nesse sentido, a sociedade observava que o modo de produção capitalista aprofundava e acirrava desigualdades sociais e que a promessa da Revolução Francesa, de uma sociedade de homens livres, fraternos e iguais, não estava sendo cumprida, o que levou à mobilização não apenas da classe operária, mas de intelectuais e de setores da Igreja. “O resultado dessa pressão, dessa luta e dessa demanda foram, no campo do trabalho, a produção de normas de proteção social ao trabalho.”

A magistrada argumenta que esse processo não se deu no Brasil naquele momento histórico, porque vivíamos a escravidão, o trabalho compulsório, e a abolição – no papel – ocorreu apenas em 1888.

“Mas os trabalhadores, agora os homens e as mulheres negros e negras recém libertos, foram relegados a sua própria sorte e as políticas de migração fortalecidas só fizeram acirrar ou aprofundar este problema, portanto, se diz que o mercado trabalho brasileiro foi constituído sob o signo da exclusão social.”

A desembargadora acrescenta que o sistema público de regulação do trabalho passa a ser constituído visando não deixar ninguém à mercê da “força bruta do capital” e que o Brasil precisava superar suas heranças coloniais, que até hoje ainda estão presentes.

“E que heranças coloniais são essas? As nossas heranças patriarcais, escravocratas e monocultoras. O Brasil precisava superar essas heranças e esse processo foi um processo hercúleo, difícil, e que demandou a força dos nossos instintos e a força dos movimentos, reivindicando para que essa positivação dessas normas se desse.”

Quem ficou de fora

A pesquisadora da Unicamp Marilane Teixeira aponta que a CLT foi aprovada em um momento histórico em que o país estava se desenvolvendo e se industrializando, formando uma classe operária industrial, principalmente na Região Sudeste, o que fez com que fosse pensada para um contingente muito pequeno da classe trabalhadora brasileira: urbana e industrial.

“Ela [CLT] não chegou de graça, não foi uma dádiva do governo Getúlio Vargas. Ela foi resultado de pressão e de luta social muito importante que se travou por uma classe operária que estava se formando, estava se consolidando no início do século 20 no Brasil, muito influenciada evidentemente pelos imigrantes italianos, pelos imigrantes espanhóis, que tinham um peso muito grande nessa indústria nascente.” Essa classe operária trazia uma experiência de alguns países, principalmente Espanha e a Itália.

No entanto, ela avalia que um problema da CLT é justamente ter sido pensada para o esse espaço urbano e para uma classe operária industrial ainda em ascensão. “Excluía toda a parte do trabalho rural, que só teve seus direitos reconhecidos a partir dos anos 60 e consolidados na Constituição de 88. A própria trabalhadora doméstica, que também não tinha os seus direitos reconhecidos, e um volume enorme de pessoas que viviam do trabalho por conta própria, da precariedade, do trabalho informal e que não eram absorvidos pela CLT.”

“Então, quer dizer, ganhou essa parcela da classe operária que teve direito ao salário mínimo, teve direito a uma série de conquistas e de lutas que foram consolidadas. Mas quem perdeu? Quem perdeu foi quem não foi incorporado nessa teia de proteção social que infelizmente foi idealizada apenas por uma parcela muito pequena da classe trabalhadora”, acrescentou. (Por Camila Boehm - da Agência Brasil)

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