LAZER
Insegurança está entre as maiores preocupações de argentinos.
Mesmo tendo índice baixo de homicídios, país registra um alto número de roubos.
Em 17/10/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Milhares de argentinos têm saído às ruas de Buenos Aires para protestar contra a falta de segurança no país depois de uma onda de episódios envolvendo os chamados justiceiros, cidadãos que reagem com violência extrema a assaltos.
A se julgar pelo que é mostrado pelas TVs locais, a Argentina é um país extremamente perigoso. E não é apenas pela televisão que se tem essa ideia. Ao chegar ao aeroporto internacional, um estrangeiro certamente ouvirá de um argentinos o conselho de não usar o celular na rua, ou de que deve manter as persianas de casa fechadas e de evitar caminhar na rua à noite.
Mas essa percepção não é correspondida pelas estatísticas nacionais, que revelam um dos países mais seguros da América Latina.
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), a Argentina tem uma taxa de 6 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Mesmo se considerarmos os números compilados por uma entidade argentina (8,8 homicídios para cada 100 mil, segundo a Associação para Políticas Públicas, entidade independente), a taxa é bem menor que a média da América Latina (19,4 por 100 mil) e do Brasil (32,4 pelos mesmos 100 mil), de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Por outro lado, o país tem uma das mais altas taxas de roubo na América Latina, de 973,3 para cada 100 mil habitantes, acima do Brasil, com 572,7 para cada 100 mil, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Insegurança
Depois de uma série de casos dramáticos que ganharam atenção nas últimas semanas, a insegurança voltou a se tornar uma das maiores preocupações dos cidadãos argentinos (18,4%), quase empatada com corrupção (18,9%) e inflação (18,7%), de acordo com a consultoria Management and Fit.
Na terça-feira, a indignação da população se transformou em um novo protesto em Buenos Aires. Várias organizações sociais convocaram uma manifestação contra "a insegurança, a injustiça e a impunidade".
Não é o primeiro protesto. Pesquisas recentes apontam que poucos argentinos confiam nas autoridades ou sentem que o Estado responde ao clima de insegurança.
O governo do presidente Mauricio Macri aumentou a vigilância e os controles nas fronteiras e nas cidades em níveis inéditos, mas, para especialistas consultados pela BBC, não está claro o que realmente mudou nos últimos 10 anos, já que a Argentina se mantém como um dos países menos violentos da região.
Segurança
Na Argentina, há mais suicídios ou acidentes de trânsito com vítimas fatais do que homicídios dolosos, um nível que apenas países considerados seguros por órgãos internacionais alcançam.
Segundo o Ministério de Segurança Pública, houve uma redução de 12% do índice de homicídios em comparação a 2003, quando a violência chegou ao nível máximo em meio à crise econômica.
Mesmo na região com mais elevado número de homicídios do país, Santa Fé, para onde o governo enviou 6,2 mil agentes federais em uma medida de emergência na semana passada, a taxa é bem menor do que a brasileira: 12 homicídios para cada 100 mil habitantes.
A taxa de homicídios é a que mais se usa internacionalmente para contabilizar a violência, já que é a mais grave, é irreparável e, sobretudo, tem menos problemas metodológicos. Por isso a taxa de roubos não serve tão bem de parâmetro para medir níveis de violência.
Vítimas da pobreza
Ao ligar a televisão na Argentina, o telespectador se depara com roubos, feminicídios, sequestros e homicídios.
Recentemente, têm ganhado mais visibilidade os casos de justiça com as próprias mãos, especialmente depois que Macri defendeu um açougueiro que matou um homem que tentou assaltar seu estabelecimento. Também são frequentes os casos de abuso policial ou de assassinato de policiais (35 por ano, segundo dados oficiais).
De acordo com o Instituto de Investigações da Corte Suprema de Justiça, 80% dos homicídios cometidos na Argentina ocorrem no que os argentinos chamam de "villas miseria", as favelas nas periferias das cidades grandes, nas quais predomina a lei do mais forte na determinação do poder local que por sua vez se traduz em controle territorial.
"As vítimas da insegurança são também as vítimas da pobreza", disse à BBC Matías Bailone, professor de criminologia da Universidade de Buenos Aires.
Apesar do país ter uma taxa de solução de crimes de homicídio superior à média da América Latina, Bailone ressalta que o nível de impunidade é muito mais alto nos casos de violência contra pessoas com menos poder aquisitivo.
Qual é a novidade?
Mas se os números não revelam um aumento da violência, por que tanta indignação agora?
Eugenio Raúl Zaffaroni, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, prefere evitar usar o termo insegurança.
"Prefiro falar de frequência de crimes contra a vida, a liberdade sexual ou contra a integridade física, que na verdade são ocorrências que dependem de certas circunstâncias."
"É ilusório achar que vamos controlar a violência imputando mais 4 ou 5 anos às penas, como sugerem alguns políticos e alguns meios de comunicação mais poderosos. Isso ignora a realidade", diz o juiz Zaffaroni.
Nesta mesma linha, vários analistas de esquerda acusam a imprensa de "criar realidades" que acabam aumentando a sensação de insegurança.
A criminologista Laura Quiñones, especializada em analisar perfis de homicidas, acredita que certos criminosos buscam a fama projetada pela aparição nos meios de comunicação. especialmente a televisão.
Se por um lado, especialistas concordam que na Argentina, como em muitos países, a falta de segurança é reconhecida como problema público agravado na década de 1990, quando os homicídios cresceram devido ao aumento da desigualdade economica e da desconfiança com as instituições do governo, eles discordam sobre o que mudou agora.
"A insegurança pode ser usada de diversas formas. Pode servir para suprir um problema individual, para passar a responsabilidade para o governo atual ou para resolver a crise de representatividade política", diz Esteban Rodríguez, advogado e professor da Universidade de Quilmes.
Para os setores mais conservadores, o problema tem origem na política "progressista" de segurança dos governos de Néstor Kirchner e Cristina Fernández (2003-2015), que segundo eles aumentou a impunidade ao narcotráfico, que, se medido por apreensão de drogas, cresceu oito vezes entre 2002 e 2009, segundo dados da ONU.
Apesar da falta de consenso e das estatísticas apontarem de modo diferente, a verdade é que a insegurança chegou a lugares inéditos, como os bairros de classes média e alta, às cidades menores e ao interior do país.
"É uma realidade à qual a Argentina ainda não se acostumou", diz Kessler, da Universidade de La Plata.
Fonte: BBC