CIDADE

Limpeza de Doria retira artesãos da Avenida Paulista.

Parte dos artesãos que atuavam na Paulista teve de deixar o local após mutirão.

Em 13/01/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

A operação Cidade Linda, do prefeito João Doria (PSDB), retirou diversos ambulantes das calçadas da Avenida Paulista, em São Paulo. Desde que o mutirão de limpeza passou pela via, no último fim de semana, diversos vendedores foram impedidos de atuar no local. Entre eles camelôs com pirataria, mas também artistas com suas peças de artesanato.

A remoção já havia sido adiantada pelo tucano no fim de 2016, durante entrevista coletiva em que apresentou o projeto de zeladoria urbana. Ele prometeu tolerância zero com os irregulares e disse que, “oportunamente”, ofereceria vagas a todos por meio de um futuro programa de shoppings populares. “Mas hoje a atividade de ambulante não será tolerada", ressaltou à época.

Em 2015, a gestão Haddad estabeleceu que a Avenida Paulista tem "características especiais de circulação e de fluxo de pessoas" e autorizou a exposição e venda de artesanato em pontos específicos da via. Uma planilha, publicada no Diário Oficial, determinou a quantidade de barracas e onde elas podem ser montadas.

Doria tomou como base a planilha de Haddad para promover a "limpeza" da Paulista. O petista permitiu um total de 50 vendedores ao longo da avenida, mas, na prática, um número até quatro vezes maior podia ser contabilizado nos dias e horários de maior movimento. Desde o último final de semana, no entanto, a fiscalização foi intensificada e a quantidade caiu drasticamente.

A calçada em frente ao Shopping Center 3, por exemplo, tem espaço para cinco artesãos, segundo a portaria de Haddad, mas costumava reunir dezenas da chamada turma hippie. Nesta quinta-feira (12), porém, o G1 foi ao local e só encontrou duas pessoas expondo seus colares, brincos e pulseiras feitos à mão. A mineira Janayna Moura Fernandes, de 22 anos, era uma delas.

"Dizem que já chegou a ter 100 aqui, mas agora não está ficando quase ninguém. Tipo, agora não ter ninguém é estranho. Mas mais estranho é a gente não estar fazendo nada de errado e ter que fugir", criticou ela, sentada ao lado de seus produtos feitos em macramé - técnica de tecelagem em que não se utiliza nenhuma ferramenta, além dos dedos.

Os hippies ainda têm outra preocupação. Diferentemente dos outros vendedores ambulantes, que em sua grande maioria utilizam barracas, eles expõem seus produtos no chão, o que é proibido pela legislação. Por lei, eles deveriam usar tripés desmontáveis de no máximo 1,5m x 0,7m. "A maioria é nômade, não tem condição de carregar uma barraca", explica Janayna.

A poucos metros dali, na altura da Rua Frei Caneca, há outros cinco postos em que os artesãos podem instalar suas barracas. E lá a concorrência era grande. Como os pontos não têm locatários, a ocupação funciona no rudimentar esquema "quem chegar primeiro", de acordo com a artesã Maria Haydee Britto, de 79 anos, que há dois usa a avenida de vitrine para seus bordados.

"Daqui a pouco vou ter que dormir aqui para conseguir lugar. Tenho idade, não posso ficar em uma guerra. Eu estou mais do que na terceira idade, estou na quarta! Não posso ficar brigando por lugar. Eu fico preocupada porque daqui a pouco isso já vai dar confusão. 50 lugares é muito pouco", lamentou ela, sem perder o bom humor.

Apesar da restrição de cinco lugares, sete vendedores já ocupavam o espaço, que fica em frente a uma agência bancária, na manhã desta quinta. Os dois retardatários aparentemente não se importaram com os veículos da fiscalização estacionados no quarteirão vizinho. "Aqui ficava muito mais, a gente ficava tudo coladinho", relembra Maria.

O artesão chileno Gige Molina, de 64 anos, conta que era um dos que dividia a calçada com Haydee e os colegas até o último fim de semana. Nesta quinta, como de costume, chegou mais tarde, por volta das 11h, e preferiu buscar outro lugar para não correr o risco de ver seus instrumentos de sopro e percussão feitos em madeira recolhidos pelos fiscais.

"Moro em Embu e eles chegam às 4h da manhã. Como vou conseguir chegar antes? Imagina a hora que eu teria de sair de casa", ponderou, enquanto montava sua barraca em um local que não consta entre os autorizados pela Prefeitura. Segundo ele, as vendas caíram desde que se viu obrigado a mudar de ponto: "Fico com a energia negativa, preocupado com os fiscais. Acho que influencia".

O artesão hippie Piauí, que também atua na região e é um dos militantes da arte de rua, postou vídeos da ação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) em sua página no Facebook durante esta semana. “A Prefeitura de São Paulo já começou com a repressão contra os artesãos. A gente trabalha com artesanato, não com pirataria”, criticou no registro.

Sem atender os padrões cobrados pela Prefeitura, ele e outros vendedores tiveram de deixar a avenida mais de uma vez essa semana e prometem um protesto em breve. “Um monte de guarda, um monte de fiscal que poderiam estar fazendo uma outra coisa, dando segurança para a sociedade, mas não, eles estão aqui para proibir a gente de trabalhar”, justificou Piauí.

De acordo com os artesãos, guardas e fiscais ameaçam apreender os produtos caso eles não os recolham por conta própria. A tolerância só existe com as peças de artesanato. Pequenos caminhões adesivados com o escrito "apoio à remoção" acompanham a fiscalização para os flagrantes de ambulantes que comercializam outros tipos de produto sem a devida autorização.

Por Will Soares, G1 São Paulo