POLÍTICA NACIONAL
Ministro da Fazenda é o pior emprego do mundo, diz ex-ministro
Traumann compara o papel do ministro da Fazenda no Brasil ao de um primeiro-ministro
Em 02/12/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
A julgar pela história de seus antecessores, o economista Paulo Guedes caminha para assumir, a partir de 2019 no governo de Jair Bolsonaro (PSL), o que é considerado o "pior emprego do mundo": o de ministro da Fazenda do Brasil.
É assim que o jornalista e ex-ministro da Comunicação Thomas Traumann classifica o cargo no livro O pior emprego do mundo - 14 ex-ministros da Fazenda contam como tomaram as decisões que mudaram o Brasil e mexeram no seu bolso, lançado em setembro pela editora Planeta.
Com o livro, o autor destaca a sensibilidade da posição, sob forte escrutínio da opinião pública e passível de cair na forca da demissão a qualquer momento. Afinal, como apontou Traumann em entrevista por telefone à BBC News Brasil, o ministro da Fazenda é essencialmente aquele que "diz não". Os louros, claro, são a coroação em um posto com grande poder, proporcional aos seus riscos.
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Se a história recente do Brasil mostra ministros da Fazenda com poder comparável ao de primeiros-ministros em outros países, declarações de Bolsonaro indicam que Guedes terá força ainda maior: os ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria serão fundidos em um "superministério" da Economia.
Traumann indica, porém, que tamanho poder não é inédito: é algo comparável ao alcance de ministros que ocuparam a pasta nos governos de João Figueiredo e Fernando Collor.
O que perpassa a trajetória de todos os titulares da Fazenda, porém, é a urgência de demandas na economia e a necessidade de articulação política com o Congresso. Guedes não escapará disso.
No curto prazo, Traumann aponta para questões complexas e mais imediatas que chegarão à mesa do ministro, como o subsídio ao diesel e o reajuste do salário mínimo. Em um cenário mais amplo, Guedes terá de encarar os desafios que são a "bola da vez" nas urgências econômicas de anos recentes: o ajuste fiscal e a contenção do desemprego.
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Traumann é formado em jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e foi porta-voz da Presidência e ministro no governo de Dilma Rousseff (PT), além de editor e repórter em veículos como Folha de S. Paulo, Veja e Época. É também consultor e realiza pesquisas na Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV). Vive no Rio de Janeiro e tem 51 anos.
Confira os principais trechos da entrevista. BBC News Brasil:
Por que ser o ministro da Fazenda é o "pior emprego do mundo"?
O Brasil é um país que vive sob um pronto-socorro econômico. O tempo todo nós temos uma crise; só muda, digamos, a prioridade. Nos anos 70 e 80 você tinha a dívida externa e a inflação; nos anos 90, a fragilidade externa brasileira, depois, as grandes crises internacionais. Hoje, você tem o ajuste fiscal e desemprego.
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Então, o ministro da Fazenda nunca tem um dia calmo. Em segundo lugar, a responsabilidade dele em função disso é muito grande. Ele tem muito poder e acaba funcionando como o primeiro-ministro do governo. É quem tem que responder à grande pergunta do governo: seja crescer, conter o desemprego, combater a inflação...
Pra completar tudo isso, ele é demissível a qualquer momento. Ele tem o ônus do poder, mas não o bônus.
O que você destacaria como desafios para o próximo ministro em 2019?
Aparentemente, o cenário externo estará mais hostil: a disputa comercial entre China e Estados Unidos vai ampliar, a situação não será de bom humor no mercado mundial, vamos dizer assim.
Existe a possibilidade de uma pressão inflacionária no início do ano também, pois a safra começou a ser plantada em setembro com o dólar muito alto. Então, é óbvio, com a importação de equipamentos, fertilizantes, a safra custou mais caro para ser produzida.
Outra coisa é que tem decisões muito imediatas e importantes a serem tomadas. Subsídio do diesel, vai manter? Tem que decidir isso até 31 de dezembro. Salário mínimo, tem até abril para decidir qual vai ser a regra do reajuste.
Sem contar a grande emergência, que o Brasil está numa situação fiscal muito complexa. Nas circunstâncias atuais, se o nada for feito, o país não cumpre o teto de gastos no final do ano.
O mercado está feliz com o Bolsonaro agora, mas a gente conhece o mercado: a felicidade vai e volta.
Você apresenta no livro os presidentes e ministros da Fazenda como duplas às vezes menos harmoniosas, às vezes mais. A dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes tem algum paralelo?
(João) Figueiredo (presidente na ditadura militar, entre 1979 e 1985) e (Antônio) Delfim (Netto, que ocupou na gestão a Secretaria de Planejamento, responsável por questões econômicas), me parece muito claro. Figueiredo, apesar de ter sido excelente em cálculos, não tentou interferir no dia a dia da economia.
Ele claramente entregou a economia primeiro para o (Mário Henrique) Simonsen (ministro da Economia e Planejamento nos anos 70) e depois para o Delfim. Não era a prioridade dele.
Então, ele deu essa autonomia, passando o "superministério" para outro e focando em outra agenda. O Figueiredo, no caso, para a abertura (processo de transição da ditadura para o regime democrático), e o Bolsonaro, para os costumes e a segurança.
A perspectiva do superministério no governo Bolsonaro, com o controle por Guedes da Fazenda, Planejamento e Indústria, é comparável ao alcance de Delfim?
Sim. A gente tem dois casos de "superministros".
O primeiro é no governo Figueiredo, com o nome Seplan (Secretaria de Planejamento), mas que era a mesma coisa, mandava em tudo: inflação e preços, gastos estatais, controle de orçamento... E o Collor também montou uma estrutura igual à do Bolsonaro, com a junção da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.
O governo Bolsonaro também pode repetir o "Exército Brancaleone de Collor", como você lembra no livro (assim ficou conhecida a equipe econômica de Collor, em uma referência ao cômico e debilitado exército retratado no filme L'Armata Brancaleone, de Mario Monicelli)?
Espero que não! (Risos.) Mas é inegável que haja muitas semelhanças nos primeiros dias de Bolsonaro e Collor: pequeno partido, o discurso antipolítica, liberal na economia, a ideia de trazer estrelas para o governo... Mas não significa que as coisas vão ser iguais.
No livro, você coloca a fragilidade do cargo da seguinte forma: "Todo ministro da Fazenda do Brasil dorme com uma espada de Dâmocles sobre a sua cabeça, segurada apenas por um fio fino que pode ser rompido a qualquer momento". Paulo Guedes, com todo o poder a ele prometido, também dorme com essa espada sobre sua cabeça?
Claro. A crise é tão grande que ninguém espera que as coisas vão se resolver em pouco tempo. A lua de mel acaba e vem o dia a dia. A reforma da Previdência, por exemplo. Quando você fala de forma genérica, ninguém é contra a reforma.
Mas quando você começa a decidir como vai ser, qual vai ser o regime para algumas categorias, para homens e mulheres, aí vem a política. O Congresso é muito sensível às corporações.
É claro que esse governo gosta de superlativos, o superministério da Economia, da Justiça, mas precisa do superministério da política. Ele vai precisar de uma equipe política muito mais robusta do que tem hoje.
Bolsonaro representa vários ineditismos, tanto em termos de campanha eleitoral como em agenda. Há ineditismos também na economia?
Sim, pela agenda liberal. Se o Paulo Guedes tiver o poder que se promete ter, vamos ter um governo que vai realmente reduzir o Estado. Isso é inédito. Pela primeira vez, tem alguém falando para empresários, fazendo uma agenda claramente para empresários.
Essa centralidade do ministro da Fazenda no Brasil é comparável a outros países?
Acho que o único país comparável seria a Argentina, que sempre teve crises econômicas como as nossas. Fiz um pouco de pesquisa lá.
Mesmo assim, nas crises, o ministro da Fazenda teve mais centralidade no Brasil do que na Argentina. No Brasil, você realmente tem uma situação em que é mais dramática a influência direta do Estado no dia a dia das pessoas: da alíquota de importação do celular ao patrocínio da Caixa Econômica ao time de futebol. Tudo passa pelo Estado.
A importância do cargo tem a ver também com condições de governabilidade no país, frequentemente chamado de "presidencialismo de coalizão"?
Tem, porque o ministro da Fazenda passa a precisar ter uma enorme relação no Congresso. Vamos lembrar da gestão do (Henrique) Meirelles (ministro da Fazenda entre 2016 e 2018). Quais foram os grandes projetos dele como ministro? A emenda do Teto de Gastos, que teve que passar pelo Congresso; a reforma trabalhista, também; a reforma da Previdência, tinha que passar no Congresso (a proposta não avançou na gestão do ex-ministro).
Apesar de não jogar sozinho, o ministro da Fazenda acaba carregando culpas sozinho?
Acho que isso faz parte da descrição do cargo. É um cargo muito poderoso, e as pessoas gostam de poder, então, elas acabam querendo estar ali.
É bem comum vermos, não só no caso do titular do Ministério da Fazenda, a evocação de dualidades como a figura do técnico e a do político. Como essas duas caraterísticas têm permeado o cargo do ministro da Fazenda?
No fundo, pelo histórico, os políticos se saem melhor do que os técnicos.
Os técnicos têm uma autoridade de formação que é inegável, mas (têm dificuldade) em função exatamente dessa relação que é necessária com o Congresso, as corporações e a indústria. Isso é um cargo político. É (preciso) cortar verbas sem que as pessoas coloquem barricadas contra. Por que ele vai desagradar. Por natureza, ele o ministro da Fazenda, é aquele que diz não.
Que ministros exemplificam esse perfil mais político?
Fernando Henrique Cardoso (ocupou o cargo entre 1993 e 1994) e Antonio Palocci (ministro da Fazenda entre 2003 e 2006) conseguiram usar a experiência prévia na política para jogar o Congresso a favor deles e tinham uma equipe técnica. Então, eles conseguiram se tornar grandes relações públicas, rostos, das decisões.
Mas quais seriam os indicadores desse sucesso dos dois, na sua avaliação?
Fernando Henrique assume em 1993 depois que o governo tinha tido três ministros em um ano. Ele assume, consegue formar uma equipe muito boa debaixo dele; consegue uma carta branca do então presidente, Itamar Franco, para fazer o que tinha que ser feito; e consegue aprovar o Plano Real, um plano econômico que deu certo e que mobilizou a base aliada, o PSDB e o PFL.
No caso do Palocci, ele assume em uma situação também muito crítica, pressionado pelo FMI, inflação anualizada com tendência a 20%, dólar acima de R$ 4. Ele adota uma conduta ortodoxa, com dois anos muito duros de economia, e isso lhe deu a capacidade de fazer o país voltar a crescer depois.
Com a política, ele conseguiu conduzir uma equipe técnica para uma política forte de ajuste fiscal.
Já do outro lado, você consegue pensar em algum ministro representativo da sina dos técnicos?
Um caso complexo, mas que mostra isso, é o da Zélia Cardoso de Mello (titular da pasta entre 1990 e 1991). Ela assume e impõe o confisco sem o menor traquejo político, de comunicação. Acaba sendo massacrada.
Um outro caso, de um técnico também excelente, é o do Joaquim Levy (ministro em 2015). Assume com um diagnóstico muito preciso do que tinha que ser feito, de ajuste fiscal, e é torpedeado antes de tomar posse. Já tinha gente articulando a derrubada dele, então, em um ano ele ficou ali tentando (se equilibrar). Acaba sendo engolido pelo sistema. BBC News Brasil em São Paulo