CULTURA
Mostra de Cinema de Tiradentes completa 20 anos com histórico de inovações.
A primeira edição da Mostra de Cinema de Tiradentes ocorreu em 1998.
Em 28/01/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
A segunda metade da década de 1990 é considerada o início da fase de retomada do cinema brasileiro, graças à criação de mecanismos de apoio às produções nacionais. Parte desta história pode ser contada por meio da Mostra de Cinema de Tiradentes, cuja 20ª edição termina hoje (28).
A primeira edição da Mostra de Cinema de Tiradentes ocorreu em 1998, com a proposta de colaborar com essa retomada da produção nacional. Vinte anos depois, o objetivo parece ter sido cumprido.
A diretora da Universo Produções e coordenadora de todas as edições da mostra Raquel Hallak lembra que a proposta pareceu ousada no meio cinematográfico na época porque a produção nacional era muito baixa. “Os festivais estavam recorrendo a obras estrangeiras. O Festival de Gramado, por exemplo, exibia muitos filmes latinos. Mas nós decidimos que a Mostra de Tiradentes seria um reflexo do que a produção brasileira apresentasse. Se tivesse filme, a gente ia exibir. Se não tivesse, a gente ia discutir porque que não tem.”
O debate e a realização de oficinas também foram novidades do festival mineiro. Ao contrário de outras mostras do país, o objetivo era não só exibir filmes, mas ser um espaço de reflexão e formação.
A possibilidade de interação com o público, em debates sobre os filmes exibidos, é justamente um dos fatores que despertam o interesse dos cineastas pelo evento até hoje, segundo o diretor Thiago Mendonça. “Acho que exibir um filme na televisão é algo muito impessoal. Precisamos destas experiências diretas com as pessoas, não podemos abrir mão disso.”
Raquel Hallak destaca as inovações da Mostra de Tiradentes ao longo dos anos, como a realização de sessões na praça central da cidade e a abertura de espaço e estrutura para que críticos de meios eletrônicos pudessem cobrir o evento, numa época em que os jornais impressos deixavam de ter exclusividade do debate sobre cinema.
Com a ampliação da mostra, a cidade de Tiradentes também mudou. Um dos principais reflexos foi a expansão da rede hoteleira, que saltou de 700 leitos em 1998 para cerca de 5 mil atualmente. Durante o festival, a cidade recebe cerca de 30 mil pessoas. Além dos moradores e de turistas que se hospedam na cidade, há um público flutuante que vem de municípios vizinhos e que participa de uma ou outra atividade da programação.
Seleção
Nas primeiras edições, a programação da Mostra de Cinema de Tiradentes era um reflexo da produção brasileira. Com cerca de 15 a 30 longas lançados por ano no fim da década de 1990, o evento conseguia exibir praticamente tudo que era feito no país. Com o aumento da produção nacional, a mostra passou a poder selecionar as obras, momento que coincide com a chegada de Cléber Eduardo à curadoria do evento.
“O evento não era mais um mero reflexo dos filmes produzidos. A gente precisou escolher com quais filmes iríamos trabalhar. E aí vira um recorte, uma provocação, uma intervenção. Nós optamos por trabalhar com o segmento do ponto de vista estrutural mais precário, com menos possibilidade de existência e visibilidade, mas que em alguma medida oferece materiais e modos de organizar esse material muito ricos para a gente refletir, criticar, recusar, debater.”
Esta opção se materializou na programação do festival, com a inclusão de filmes de novos realizadores e de obras com propostas estéticas e linguagens provocativas, o que, segundo Eduardo, faz do evento um espaço de debate intrigante. “Se amanhã a Mostra de Tiradentes decidir exibir apenas comédias celebrando a vida e a sociedade, eu pego o chapéu e tomo meu caminho. Não me interessa trabalhar em algo que não seja para gerar inquietação.”
O tema desta 20ª edição é “Cinema em reação, cinema em reinvenção” e discute a produção cinematográfica nacional num contexto de crise econômica e política. “Em reação o cinema já está. Reagindo ao seu tempo histórico, à sociedade e aos desconfortos individuais dos cineastas. E essa soma de individualidades compõe um conjunto de insatisfação, indignações e reações. Mas a curadoria entende que não basta reagir. É preciso buscar novos modos de produção, modos de financiamento, modos de narrar, modos de construir personagens femininas. Falamos de uma reinvenção que precisa ser também mais ampla, não só no cinema, mas na política, na educação”, diz Cléber Eduardo.
Investimentos
Quase que todo o orçamento da Mostra de Cinema de Tiradentes é composto de verba pública. O evento tem o apoio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Cultura de Minas Gerais, além de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e recursos de empresas estatais e privadas, via leis de incentivo fiscal.
No entanto, diante da crise, a produção do evento teme pelo futuro da mostra. Segundo Raquel Hallak, por falta de recursos, a edição deste ano deixou de ter elementos importantes para a celebração dos 20 anos do festival, como o lançamento de uma publicação especial, uma retrospectiva e uma mostra itinerante.
“Quase que sequer foi possível manter o festival na sua totalidade. No ano passado, o Ministério da Cultura quase foi extinto, o secretário de Audiovisual foi substituído. As estatais também estavam sendo ocupadas por novos dirigentes, com incertezas em relação às suas políticas de patrocínios. Estava tudo suspenso. Foi tudo revertido em dezembro e conseguimos fazer a mostra. Foi um final de ano apreensivo”, conta a diretora.
O curador Cléber Eduardo defende que o Brasil se espelhe em bons exemplos de algumas experiências internacionais para manutenção de eventos culturais desse porte. “Na Europa, os festivais funcionam o ano inteiro. O trabalho do curador é ininterrupto. Aqui fazemos igual à produção de um filme. Acaba um evento e, no próximo ano, a próxima edição precisa começar praticamente do zero. Uma história de 20 anos não faz diferença nenhuma quando você vai atrás do financiamento. A gente tem esse reconhecimento do público, mas não é assim em relação às instâncias públicas e privadas. É como se todo ano a gente tivesse que fazer a primeira edição”, critica.
Na opinião do curador, além do papel do Poder Público, a iniciativa privada também deveria ter obrigações com o setor cultural para garantir investimentos contínuos.
Se nem todas as ideias para a 20ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes saíram do papel, pelo menos uma delas se concretizou com a inauguração da Casa da Mostra, que ficará como legado para a cidade de Tiradentes. Mistura de biblioteca, a casa será um espaço permanente de formação, reflexão e consulta. O acervo reunirá conteúdo impresso e eletrônico vinculado ao evento, como gravações dos debates de cada edição.
Agencia Brasil