POLÍTICA NACIONAL
Não me decepciono com o governo porque nunca esperei nada dele
A declaração é do jurista, diplomata, ex-ministro e professor da FAAP, Rubens Ricupero.
Em 20/04/2019 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Embaixador do Brasil nos Estados Unidos (1991-1993) antes de ter se tornado ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, Rubens Ricupero se notabilizou por ser uma das mentes por trás da execução do Plano Real e uma das figuras mais influentes do governo de Itamar Franco (1930-2011). Até que sucumbiu ao episódio conhecido como “escândalo da parabólica”, quando, diante das câmeras da TV Globo, fez um comentário que maculou sua biografia: “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.”
Aos 82 anos, o diplomata, historiador e jurista divide seu tempo entre os livros — já escreveu mais de dez —, palestras sobre a política externa e as aulas como professor de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Ao falar à reportagem na instituição em que leciona, Ricupero não poupou críticas a Bolsonaro e sua equipe. “Ele não tem nada a construir e isso se vê claramente na política atual do Itamaraty. É uma ruptura com tudo que vinha se fazendo nos governos anteriores”, afirmou, sem papas na língua.
Qual a sua avaliação dos primeiros dias do governo Bolsonaro?
O balanço é negativo. Pouco se fez de produtivo, pouco se aprovou, poucos planos foram apresentados. É difícil responder qual é o projeto de país do governo Bolsonaro. Você poderia dizer: “O Paulo Guedes tem uma visão liberal”. É a visão de que o mercado vai fazer tudo e vai diminuir o papel do Estado, privatizando ao máximo. Alguns colaboradores do Guedes dizem, inclusive, que se ele pudesse, privatizava o Banco do Brasil e a Petrobras. Essas são ideias dele. Não são do Bolsonaro e nem dos militares. Uma mostra disso é que o governo já recuou na privatização da Eletrobras, que era um dos projetos do Michel Temer. Ou seja, não há uma ideia que predomine. De todos os grupos que compõem o governo, dois polos têm poder: o Bolsonaro, porque ele tem o poder do voto; e os militares, porque em última instância são os que garantem a ordem. O Guedes não. Ele pode ser demitido, assim como o Sergio Moro. Esse governo não tem uma visão clara. O projeto da Tereza Cristina, ministra da Agricultura, seria ampliar as vendas aos árabes, algo que não se coaduna com o projeto do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de transferir a embaixada para Jerusalém. O projeto liberal do Paulo Guedes é o de utilizar a globalização ao máximo. A globalização e o neoliberalismo são duas faces da mesma moeda. Então como é que pode ter um ministro de Relações Exteriores que é contra isso? Nós estamos vendo coisas que não se compatibilizam.
O discurso do presidente Bolsonaro em Davos foi criticado pela imprensa internacional. Durou apenas seis minutos e ele poderia falar por 45. Como o senhor avalia isso?
Ele fez um discurso minimalista, um discurso para agradar o adversário. Ele não repetiu nesse discurso as enormidades que o [Ernesto] Araújo diz e que ele mesmo disse em outras ocasiões. Ele não defendeu a ditadura militar, não disse que vai querer rever as reservas indígenas. Nada disso. Ele omitiu. Disse o que aquele público queria escutar, que o Brasil vai melhorar, que vai se tornar um dos 50 países onde é mais fácil de se fazer negócio. Mas até agora nós não vimos isso acontecer. Eu nunca me decepcionei com ele, porque nunca esperei nada dele.
“O Bolsonaro fez um discurso minimalista, um discurso para agradar o adversário” – No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso comedido para atrair parceiros estrangeiros (Crédito:Fabrice Coffrini)
Em três meses, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, exonerou dois presidentes da Apex-Brasil. Isso pode passar uma ideia de bagunça para o mundo?
Já passou. Eu acho que isso não é uma possibilidade, é uma realidade. A imagem que se tem dele e da política que ele conduz é a pior possível. Basta ler a imprensa mundial. Esse trabalho destrutivo já foi feito. O caso da Apex é grave. É uma agência que dispõe de certos recursos e que deveria trabalhar tecnicamente para ampliar a exportação de produtos brasileiros e que hoje está sendo desmantelada por interferências de caráter político. Isso é curioso… este governo criticou muitas nomeações feitas pelos partidos que o antecederam. Dizia que contratavam pessoas protegidas, sem qualificação. Mas isso é exatamente o que ele está fazendo na Apex. O Mário Vilalva [demitido em 9 de abril] é um profissional muito respeitado, que tem uma carreira inteira na área da diplomacia comercial. Mas ele se viu anulado porque colocaram abaixo dele uma moça que se chama Leticia Catelani e que é ligada ao Eduardo Bolsonaro. E eles nomearam todos os grandes diretores, que não têm nenhuma credencial técnica e contam com salários altíssimos. Dizem que alguns ganham mais de R$ 50 mil. É uma agência que foi toda “aparelhada” por pessoas do PSL de São Paulo, para usar um termo que se usava na época do PT. O Vilalva tentou reagir, acabou desautorizado e saiu. Esse é um episódio interessante, que mostra que o governo não cumpre com o que disse que faria.
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O ministro Ernesto Araújo diz que é contra a ‘globalização cultural’, acredita que o nazismo foi um movimento de esquerda e defende a diplomacia à base de ‘princípios cristãos’. O que o senhor acha disso?
São ideias estapafúrdias, que nem merecem uma discussão séria, pois não têm nem pé nem cabeça. São ideias que os americanos chamam de “Lunatic Fringe”, a “Franja Lunática” na tradução. Neste governo, esse grupo é formado pelo Ernesto Araújo; o ministro da Educação; o do Meio Ambiente e a Damares Alves [ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos]. É o grupo da confusão mental e administrativa. Aliás, de cristão eles não têm nada. A prova é de que eles têm uma política oposta à do Papa Francisco, que é a favor dos refugiados e dos pobres, como o evangelho defende. O que eles têm é o uso abusivo e a invocação em vão do nome de Deus. É um grupo muito negativo.
Os Estados Unidos exigem que o Brasil abra mão de condições especiais na Organização Mundial do Comércio (OMC) para darem apoio à entrada do país na OCDE. O senhor concorda?
A OMC é uma instituição que é insubstituível no comércio. A OCDE não tem nenhuma função nessa área. A OCDE é um ‘think tank’, um grupo que tem comitês e que tenta harmonizar políticas públicas. Mesmo não sendo membro, o Brasil participa de alguns comitês há muitos anos. Mas existe uma velha reivindicação do setor brasileiro, que tem um pensamento mais liberal ou neoliberal, para que o País seja mais ativo na OCDE, porque todos os membros são economias maduras e desenvolvidas. O nível de conversa é outro. Mas, de uns tempos para cá, eles permitiram o ingresso de economias em desenvolvimento, como o México, o Chile e a Coréia do Sul. O Brasil é um dos que querem entrar. Os representantes do governo acham que isso daria ao País uma imagem de economia racional, moderna e que atrairia investimentos. Essas afirmações têm uma parcela de verdade, mas são exageradas e vendidas ao público por muito mais do que elas valem. Os países que fazem parte da OCDE têm que aplicar políticas ideais para o combate ao déficit e incentivo à privatização, coisas que o Brasil não faz. O que atrai investimento é o crescimento. Se você for da OCDE, sendo um país que não cresce, não adianta.
De quais vantagens na OMC que o Brasil terá de abrir mão para entrar na OCDE?
Quando há um acordo na OMC, os países em desenvolvimento têm um período mais amplo para se adaptarem. Em vez de cinco anos, 10, 15 ou até 20 anos. Os países africanos são os que têm mais tempo. Outra vantagem é que se instituiu um sistema em que as exportações manufaturas desses países são beneficiadas por tarifas menores. E esses países podem receber ajuda. Por exemplo, o presidente da Embrapa, Sebastião Barbosa, disse que quer obter doações para pesquisa, já que tem poucos recursos. Mas, caso o Brasil abra mão do estatuto de país em desenvolvimento, ele perde a condição de receber doações. Nós estamos trocando uma coisa concreta, que corresponde a um país subdesenvolvido, algo que somos, em função de uma ilusão. Estamos trocando isso pelo ingresso na OCDE, que não depende só do Trump, porque os Estados Unidos podem aceitar e a França vetar. A OCDE também tem princípios muito rígidos em relação ao meio ambiente. E esse governo está despontando como um inimigo ao meio ambiente. Países que são mais fiéis a isso podem acabar vetando a participação do Brasil. Além disso, o presidente faz elogios a ditaduras militares. Isso também não se coaduna com a OCDE. Eu acho um erro o Brasil ter aceito essa condição, porque é uma condição que só se aplicou a nós. O México, a Coréia do Sul e o Chile não foram obrigados a abrir mão. Por que o Brasil? Nós somos melhores do que esses países? Pelo contrário, a nossa situação econômica é mais precária.
“O Maduro só sairá quando mudar a correlação de forças” – Principais apoiadores do regime de Nicolás Maduro, os militares controlam a distribuição de alimentos na Venezuela (Crédito:Lokman Ilhan)
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, desmontou boa parte da equipe do Ibama, critica a atuação do ICMBio e diz que aquecimento global é um tema secundário. O senhor já esteve à frente dessa pasta, em 1993. Como avalia as ações de Salles?
Trata-se de uma política deplorável, que tem sua origem no próprio presidente. É algo grave, que vai além da escolha de um ministro inadequado, incompetente e ignorante. Hoje, quem não aceita o aquecimento global é um anticientífico. É como dizer que a Terra é plana. Aliás, parece que há alguns nesse governo que dizem que a Terra é plana. O que vimos no caso de Brumadinho, tão pouco tempo depois do de Mariana, é a mostra de que o problema no Brasil não é o excesso de multa ou de fiscalização, como acredita o ministro, e sim a falta disso.
O governo de Michel Temer, apesar de curto, tentou avançar em acordos de livre comércio com outros países. O que pode ser feito para que o Brasil adquira maior protagonismo no comércio exterior?
Ainda não se viu uma definição clara do novo governo nesse aspecto. No governo anterior, assinou-se um acordo com o Chile, que liberalizou o pouco que se faltava. Também se começou uma negociação com o Canadá. Outras negociações que já estão correndo, uma delas com a União Europeia há mais de 15 anos, estão agora ameaçadas por causa da posição brasileira negativa em relação ao Acordo de Paris e ao aquecimento global. Isso prejudica a simpatia dos europeus, sobretudo porque o próprio Bolsonaro tem criticado a França de maneira gratuita. Ele fez isso em entrevista à Fox News [em 18 de março], sem razão alguma. Agora, o momento não é muito propício para isso [acordos de livre comércio]. Este ano, segundo estimativas da OMC, o comércio mundial vai crescer só 2,6%, menos que no ano passado em que cresceu 3%. O comércio mundial não voltou a crescer como nos anos antes da crise de 2008. O Brasil pode tentar fazer um ou outro acordo, mas não vejo uma atmosfera para isso neste momento.
O Brasil foi um dos países que reconheceram Juan Guaidó como presidente da Venezuela. O senhor concorda com isso?
Eu não sou partidário da maneira como o Brasil se comportou nesse caso. Alguns colegas meus, que são críticos da política externa atual, pisam em falso quando tentam defender o regime de Nicolás Maduro. É indefensável. É um regime ditatorial, que manipulou e distorceu a legislação eleitoral para se perpetuar no poder. Penso também que deve haver uma pressão intensa sobre o Maduro, com todos os meios legais, inclusive econômicos, procurando não afetar a população, mas afetar o governo a fim de que os militares que o sustentam finalmente o abandonem, para que se possa ter uma transição, um governo interino e eleições. Ele só sairá quando, como dizia o Stalin, mudar a correlação de forças. E para isso tem que mudar os militares. É por isso que eu julgo que a atitude de reconhecer como legítimo o governo do Guaidó, embora tenha sido tomada por muitos países, não é correta. O reconhecimento do governo depende, sobretudo, do controle efetivo que ele tem do território. No Brasil, antigamente se dizia que tem poder aquele que pode mandar prender e mandar soltar. Ora, ninguém tem a ilusão de que o Guaidó tenha tanto poder assim, tanto é que ele está ameaçado de ser preso. O principal assessor dele foi preso. Ele não tem poder real. Uma coisa é a nossa preferência. Outra coisa é a realidade. O diplomata é alguém que lida com realidades e com o governo que tem pela frente, goste ou não. Apesar de 50 países terem reconhecido o Guaidó como presidente, isso não funcionou e não vai funcionar.
O senhor acredita na queda de Nicolás Maduro?
Eu acredito que, com o tempo, é provável que o Maduro caia. E eu acho que isso deve ocorrer por três razões. Primeiro porque ele é de uma incompetência fora do comum, transformou a Venezuela num país que é uma sombra do que foi, o que destrói pouco a pouco o poder que ele ainda tem sobre as camadas mais pobres e fiéis da população. A segunda razão é que o efeito das sanções econômicas, sobretudo americanas, é de estrangular aos poucos o regime. Com essas medidas que impedem que ele receba receita da venda do petróleo, pouco a pouco ele vai ficar privado dos recursos mínimos. Por último, eu me pergunto se a Rússia e a China, os apoios que ele tem, teriam condições de sustentar economicamente a Venezuela e de bancar um desafio direto aos Estados Unidos.
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