NEGÓCIOS
Para Dafiti e Netshoes, a briga é de vida ou morte
O mercado de moda é liderado pela Dafiti, varejista online que hoje faz parte da multinacional GFG.
Em 27/06/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
O varejo online no Brasil tem, desde seus primórdios, um punhado de avenidas congestionadas e uma série de ruas totalmente livres. A competição mais ferrenha sempre esteve no varejo de eletroeletrônicos, atualmente dominado pela B2W, proprietária da Americanas.com, e pela Cnova, dona das operações online de Casas Bahia e Ponto Frio.
Enquanto isso, dezenas de empresas de nicho cresceram sem ser incomodadas. Para elas, o maior desafio era convencer os consumidores a comprar pela internet. Foi o que aconteceu, durante anos, nos segmentos de moda e de artigos esportivos. O mercado de moda é liderado pela Dafiti, varejista online que hoje faz parte da multinacional GFG, controlada pelo fundo alemão Rocket Internet.
Criada em 2011, a Dafiti recebe 9 milhões de visitas por mês em seu site e faturou no ano passado 592 milhões de reais. Em esportes, quem nada de braçada é a Netshoes. Criada em 2000 pelo ex-vendedor de sapatos Marcio Kumruian, a empresa tem sócios como o fundo de investimento Tiger Global e faturou 1,2 bilhão de reais em 2014.
Apesar de as duas venderem produtos parecidos — roupas e calçados, basicamente —, seus caminhos nunca se cruzaram. Até que a Dafiti entrou em esporte e a Netshoes estreou em moda. Foi o início da maior batalha da internet brasileira.
Quem deu a primeira estocada foi a Dafiti, que em 2012 lançou sua loja de produtos esportivos — até hoje a única do grupo GFG, que atua, além de no Brasil, em quatro regiões. O objetivo declarado é roubar um pedaço do mercado conquistado pela Netshoes.
O diferencial da Dafiti Sports em relação à concorrente é oferecer uma variedade maior de roupas e acessórios de surfe e de skate. Hoje, a loja tem cerca de 700 000 visitantes por mês — o equivalente a cerca de 8% do total de visitantes da Dafiti e a 2% do tráfego da Netshoes.
Mas a maior competição entre as duas empresas é no mercado mais tradicional da Dafiti, o varejo de moda online. Em dezembro, a Netshoes lançou sua loja de roupas e acessórios, a Zattini. Desde então, investiu 25 milhões de reais na companhia, que é liderada por Marcia Lima, executiva surrupiada da Dafiti.
Ela comanda uma equipe de pouco mais de 35 funcionários — muitos deles vindos de varejistas de moda, como Renner e C&A —, que ocupam um andar da sede da Netshoes, em São Paulo. Apenas as áreas comercial e de marketing são exclusivas da Zattini. Finanças, logística e tecnologia utilizam a mesma estrutura da Netshoes.
A Zattini atrai cerca de 1,6 milhão de visitantes por mês, 18% do tráfego da Dafiti. O plano é muito claro: crescer o mais rapidamente possível e tirar a liderança da Dafiti. “Temos dinheiro para gastar. Recebemos 215 milhões de dólares em investimentos nos últimos dez meses”, diz Marcio Kumruian, da Netshoes. “A Zattini nasceu para ser grande.”
Embora disputem o mesmo público, Zattini e Dafiti têm estratégias diferentes. A Zattini vende apenas produtos de marcas consagradas, como Colcci, Lacoste e Cavalera. A Dafiti fazia a mesmíssima coisa até o mês de março, quando lançou sua coleção de marcas próprias, que hoje responde por 20% das vendas. A meta é que até 2017 a fatia chegue a 50%.
Além disso, para segurar o ímpeto da concorrência, a Dafiti está usando o poderio do grupo GFG para fazer acordos exclusivos com marcas internacionais, como a espanhola Mango e a italiana Benetton. “Vamos fazer de tudo para que eles não tenham sucesso em nosso mercado”, diz Philipp Povel, um dos fundadores da Dafiti. A Zattini, por sua vez, também cogita lançar a própria marca no futuro — seguiria, assim, a estratégia da Netshoes, que lançou sua linha de produtos em 2014.
As duas empresas disputam um mercado gigantesco e pouco explorado. O mercado brasileiro de moda foi o que mais cresceu na última década. Mas apenas 3,5% das vendas acontecem na internet. Em alguns países da Europa, como a Inglaterra, a taxa passa de 20%. A timidez se explica: as principais varejistas de moda do país, como Renner e Riachuelo, investem muito pouco em site.
E as grandes varejistas online, como B2W e CNova, preferem investir em nichos de mercado mais simples, como o de eletrônicos. Vender roupas e sapatos pela internet é especialmente complicado. Primeiro, é preciso quebrar a resistência dos consumidores que estão acostumados a tocar e a provar antes de comprar.
A varejista americana de sapatos Zappos, comprada pela Amazon, chega a enviar aos clientes três pares do mesmo sapato, de tamanhos diferentes, para que eles decidam qual calça melhor — os outros dois são devolvidos. Além disso, diferentemente do que acontece no varejo esportivo, que tem poucas marcas fortes, o varejo de moda exige a negociação com dezenas de fornecedores diferentes.
A gestão do estoque também é mais complicada, já que as coleções mudam seguidamente. Produtos que encalham num verão não serão vendidos no inverno — e muito menos no verão seguinte. “Esse mercado é mais dinâmico, e a Netshoes vai precisar aprender rapidamente”, diz Paulo Humberg, do fundo de investimento em internet A5.
A concorrência avança
A velocidade, nesse caso, é essencial. Na visão de especialistas do setor, só há espaço para um grande varejista de moda online no Brasil. O restante do mercado vai ser dividido entre empresas de nicho. E, de uns tempos para cá, o setor está atraindo concorrentes de peso. Depois de fechar seu site no Brasil em 2003, a varejista holandesa C&A voltou ao e-commerce em janeiro.
A meta inicial é que, neste ano, a loja online vire a campeã de vendas da empresa no país. A C&A aposta na mesma estratégia de suas lojas tradicionais — coleções assinadas por estilistas e modelos de renome. Em maio, a empresa lançou uma coleção com a modelo americana Kim Kardashian.
“Temos uma marca conhecida e sabemos que tipo de produto o consumidor de cada região do Brasil prefere. Qual o diferencial da concorrência?”, diz Paulo Correa, vice-presidente comercial da C&A. A Pernambucanas, que fatura 4,7 bilhões de reais por ano com sua rede de lojas, também estuda relançar seu e-commerce.
E empresas especializadas em internet, como a varejista de descontos Privalia, também têm planos de competir mais diretamente com Dafiti e Zattini. “Nós já temos nossa casa de frente para o mar em esportes. No mercado de moda, o terreno está vago”, diz Kumruian.
O problema, para a Netshoes, é que tem gente de olho nesse terreno. A varejista esportiva Centauro, líder no mercado brasileiro com 2,6 bilhões de reais de faturamento, relançou sua loja virtual em 2012. No ano passado, ela faturou 380 milhões de reais. A meta para este ano é chegar a 500 milhões e, em pouco tempo, alcançar a liderança.
O plano é usar a rede de lojas como um trunfo para ganhar agilidade e reduzir os custos do site. Cada uma das 187 lojas da Centauro está sendo preparada para funcionar como um pequeno centro de distribuição. Assim, um cliente de Fortaleza que compra um par de tênis poderá recebê-lo em poucas horas. Ou retirar o produto na própria loja. “A Dafiti desenvolveu o mercado de moda para que, depois, a Netshoes aproveitasse. Nós queremos fazer o mesmo no mercado esportivo”, diz Gustavo Furtado, diretor de e-commerce da Centauro.
Para quem vê de fora, a estratégia de Dafiti e Netshoes parece loucura. As duas empresas querem ganhar espaço em mercados em que os atuais líderes acumulam perda em cima de perda. A Dafiti teve 223 milhões de reais de prejuízo operacional em 2014. A Netshoes teve prejuízo líquido de 93 milhões de reais no ano passado e acumula perdas de 250 milhões nos últimos três anos.
Por que, em sã consciência, uma empresa entraria num mercado em que o líder só perde dinheiro? A explicação não está no balanço financeiro. Nesse mercado, o lucro nem sempre é o objetivo. As empresas são financiadas por investidores como os fundos Tiger, Rocket e Temasek, que investem em empresas para vendê-las depois.
Nesse mercado, a liderança é fundamental para atrair um comprador — mesmo que o tal líder perca dinheiro. A guerra entre Dafiti e Netshoes pode até parecer irracional. Mas o mundo da internet é diferente — de irracional ele não tem nada.
Por Lucas Amorim/Exame