CULTURA
Passista é premiada por estudo sobre assédio.
Rafaela Bastos desfila na Mangueira há 19 anos.
Em 21/02/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Encontrar câmeras de celulares apontadas para os corpos das passistas durante desfiles e festas não é algo incomum. Tudo bem que as curvas acentuadas das sambistas chamam atenção, mas atitudes como esta e outras mais ousadas acabam deixando muitas mulheres do samba em situação desconfortável.
Há 19 anos desfilando pela Estação Primeira de Mangueira, Rafaela Bastos, que também é geógrafa, passou a estudar o comportamento e o olhar da sociedade em relação a essas mulheres. Em novembro do ano passado, Rafaela foi laureada com a Medalha Rui Barbosa, uma condecoração para pessoas que contribuíram para o enriquecimento da cultura do país e com a instituição Fundação Casa de Rui Barbosa, por causa de seu estudo sobre a objetificação sexual da mulher passista na Marquês de Sapucaí.
Oitenta passistas, de várias escolas de samba, participaram da pesquisa, que deu início ao estudo, que vem sendo aprimorado por Rafaela.
"Fiz um questionário com 80 meninas e desenvolvi um conceito de construção de imagem a partir da vivência do processo do carnaval para essas mulheres e por que as pessoas nos enxergam de determinada maneira e como nos sentimos com isso", explica Rafaela.
O assédio, o preconceito e a invasão de privacidade estão entre os problemas apontados pelas passistas.
"Deixamos de ser imagem para virar objeto. As pessoas acham que podem passar a mão na gente, tirar fotos o tempo todo, fotos do nosso corpo. É muito cruel essa objetificação para as passistas."
Mesmo diante das adversidades, elas não desistem do que amam fazer. "O problema não é rebolar, ficar seminua ou desfilar. O problema é o que o outro acha que pode fazer conosco por causa disso."
O assunto tem sido discutido com afinco no universo do samba e já é tema de palestras, ministradas por Rafaela, em várias cidades.
"A objetificação incomoda porque ela ainda é um preconceito do outro em relação a gente. Ela é fruto de permanências culturais, de escravidão, racismo e machismo. Se eu disser que vou rebolar menos por causa disso, vou mentir. Que respeitem a minha bunda. Não sou feminista. Sou uma passista bem atuante. É uma causa mesmo, eu estudo e procuro entender tanto a nossa cabeça quanto a cabeça de quem nos vê"
Conhecimento de causa
O G1 conversou com outras passistas, da Portela, Imperatriz e Grande Rio, que confirmaram a tese de Rafaela. "Muitas não se sentem respeitadas, existem questões negativas que sofrem enquanto passistas, tanto nas quadras, nos ensaios, nos colégios, no trabalho, na faculdade. Mas elas entendem a situação, não tem nenhuma coitadinha mais. Sabemos quem se aproxima com outras intenções e isso é um avanço muito grande, entender a realidade faz com que criemos mecanismos para nos protegermos", ressalta.
Rafaela ainda reforça que apenas as passistas podem comprar essa briga e dizer o que realmente passam, fazendo uma análise da situação com propriedade. "Uma feminista chegar e falar pela gente, eu acho até um pouco complicado porque ela não tem a nossa vivência. Muitas feministas têm essa ideia de que a gente não sabe o que está acontecendo, mas a gente sabe, sim."
Por Patricia Teixeira, G1 Rio