CIDADANIA

Política de saúde da população negra vive momento crítico.

A avaliação é da consultora da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) Maria Inês Barbosa.

Em 09/11/2014 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Em meio às comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, lembrado no próximo dia 20, a Política Nacional de Saúde da População Negra vive um momento crítico e precisa ser revista. A avaliação é da consultora da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) no Brasil e doutora em saúde pública, Maria Inês da Silva Barbosa.

“Falar da Política Nacional de Saúde da População Negra é falar de mais da metade do Brasil. E a política é tratada como uma política especial”, disse, durante reunião do Conselho Nacional de Saúde na última semana. “Para que o Sistema Único de Saúde dê certo, a política tem que ser tratada com a propriedade que merece”, completou.

Maria Inês ressaltou que a política, apesar de transversal, não é compreendida desta forma pela maior parte dos gestores. “Temos mais tempo de experiência em escravidão do que em liberdade. Temos que voltar atrás para poder gestar o novo. É preciso querer e estar preparado para isso”, avaliou.

Para a especialista, a construção de uma Política Nacional de Saúde da População Negra precisa de vontade política, uma vez que se trata de algo extremamente complexo, como o Sistema Único de Saúde (SUS) – sobretudo no que tange ao enfrentamento do racismo institucional. O desafio, segundo ela, é interiorizar a proposta para que as ações cheguem na ponta.

“Me parece que só sermos maioria não está sendo suficiente. É preciso reconhecer limites e possibilidades. É uma política complexa, assim como o SUS é complexo. Precisa haver compromisso efetivo e desracializante. Estamos falando da imensa maioria da população brasileira. Não é um problema localizado”, destacou.

De acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 51% da população brasileira se declara preta ou parda*.

A coordenadora-geral da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme, Maria Zenó Soares, garante ter sentido na pele os sinais de que essa política precisa avançar. Portadora da uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil e que afeta principalmente os negros, ela já teve de esperar horas por atendimento em hospitais públicos, além de ter sido acusada por profissionais de saúde de ser viciada em morfina.

“Não há como falar de doença falciforme sem falar de dor. A dor física, com a morfina, passa. Mas a dor que a gente carrega na alma, do racismo e da falta de atendimento, não passa. Já esperei seis horas por atendimento. Rolava no chão de dor – ao ponto de fazer minhas necessidades fisiológicas ali mesmo, na roupa”, contou.

Para Maria Zenó, a esperança é que a Política Nacional de Saúde da População Negra possa focar mais nos indivíduos, a quem se refere como irmãos de cor e de foice, em razão da doença que dá às hemácias formato similar ao de uma foice. O primeiro passo, segundo ela, é reconhecer que existe o racismo institucional dentro do sistema de saúde e considerar a vulnerabilidade social da população negra.

O coordenador da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados, João Paulo Baccara, admitiu que há falhas na coleta de informações sobre a saúde da população negra, sobretudo no que diz respeito à doença falciforme. Segundo ele, a pasta planeja consolidar um banco de dados sobre a situação da doença no país e um projeto-piloto que integre todas as linhas de atenção à saúde.

O representante do ministério disse ainda que, no primeiro trimestre de 2015, o país deve começar a produzir a hidroxiureia, medicamento utilizado para o tratamento da doença falciforme. Na semana passada, o laboratório responsável pela fabricação do remédio liberou um comunicado aos hemocentros do país alertando para a interrupção temporária da produção devido à falta do princípio ativo. Em nota, o governo brasileiro garantiu que não haverá desabastecimento do medicamento.

*Convencionou-se chamar negros a soma dos grupos populacionais preto e pardo, seguindo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

Por agência Brasil