SAÚDE

Por que os casos de caxumba continuam crescendo no Brasi

Eficácia de vacinas tríplice e tetra viral contra a caxumba diminui com os anos.

Em 28/07/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

A chegada do inverno e a queda na cobertura vacinal em todo o Brasil acendem um alerta: além do risco da volta de doenças já erradicadas no país, como sarampo e poliomielite - pacientes com caxumba também voltam a elevar a procura por atendimento em emergências de hospitais e postos de saúde.

O Ministério da Saúde não tem dados consolidados sobre a doença no Brasil, já que ela não é de notificação compulsória, ou seja, as unidades de saúde não são obrigadas a registrar quantos casos atendem.

No entanto, informações coletadas de veículos de comunicação e secretarias da saúde revelam que ao menos seis Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Sergipe e Amazonas - registram surtos cada vez maiores da doença desde 2016.

No Estado de São Paulo, foram observados dez surtos de caxumba em 2018, com 55 casos. Em 2017, foram 141 surtos com 739 casos, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado. No Rio de Janeiro, só a capital registrou 19 surtos em 2017.

O surto ocorre quando há dois ou mais casos de uma doença em um mesmo local, como escola, creche, empresa, entre outros. Em todos os Estados, a ocorrência da infecção foi registrada principalmente em adolescentes e jovens.

O inverno é uma das estações mais propícias a surtos da caxumba, que causa inchaço das glândulas salivares e atinge principalmente crianças e adolescentes. A outra é a primavera.

As vacinas contra a doença são a tríplice viral ( que imuniza contra sarampo, caxumba e rubéola) e a tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), que estão no Calendário Nacional de Vacinação. Mas mesmo quem já tomou pode estar desprotegido contra a doença, de acordo com especialistas.

De acordo com especialistas, essa desproteção ocorre porque a vacina normalmente tem uma eficácia menor contra esta doença em comparação às outras doenças contra a qual é utilizada - e que tende a diminuir com o tempo.

"As duas doses da vacina tríplice viral protegem muito bem para o sarampo e muito bem para a rubéola, mas têm uma eficácia mais baixa para caxumba - cerca de 60% com uma dose só e 80% com duas doses. E essa eficácia se perde com os anos", disse à BBC News Brasil a pediatra Isabela Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

"Isso não quer dizer que todos os vacinados terão caxumba, mas acontece."

Quais os sintomas da caxumba?

A caxumba, ou parotidite infecciosa, costuma causar febre, dor e aumento de volume de uma ou mais glândulas salivares e, às vezes, das glândulas sublinguais ou submandibulares - o que causa inchaço na região do pescoço e da mandíbula.

No entanto, de acordo com o Ministério da Saúde, cerca de um terço dos casos pode não apresentar sintomas.

Mesmo assim, a doença é contagiosa, e é transmitida por gotículas de saliva expelidas no ar ou pelo contato direto com a saliva de pessoas infectadas.

Caxumba mata?

Em nota à BBC News Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que a caxumba "é uma doença com uma taxa de complicações muito baixa e quase nunca fatal". Em 2017, 56 casos da infecção levaram à morte.

Os casos de complicações maiores ocorrem quando a doença provoca pancreatite (inflamação no pâncreas) ou encefalite (no sistema nervoso).

O tratamento é voltado para aliviar os sintomas.

A caxumba pode "descer"?

Sim. Em 20% a 30% dos casos, segundo o Ministério da Saúde, a caxumba pode afetar também as glândulas dos testículos, cerca de quatro a sete dias após o inchaço das glândulas no pescoço ou mandíbula. Esse tipo de inflamação se chama orquite.

No caso das mulheres acima de 15 anos de idade, pode acontecer também a mastite (inflamação no tecido da mama), em cerca de 15% das ocorrências.

E em 5% das vezes, a doença causa ooforite, inflamação nos ovários. Os sintomas incluem febre e dor na parte inferior da barriga.

A caxumba já foi erradicada alguma vez no Brasil?

Não. É uma doença sazonal, o que significa que ela ocorre periodicamente.

"A incidência dela diminuiu bastante após a vacina no Brasil - antigamente toda criança tinha. Mas é difícil erradicá-la, especialmente porque a única vacina disponível tem uma eficácia menor para ela", diz Ballalai.

O país não tem dados consolidados sobre a doença, mas alguns Estados costumam registrar a quantidade de surtos que ocorrem a cada ano. Nos últimos anos, segundo Isabela Ballalai, os surtos têm ocorrido principalmente em adolescentes e jovens.

"O que observamos nesses surtos é que muitos dos jovens não foram vacinados adequadamente com a segunda dose, e isso é um problema. Só uma minoria tinha a vacina correta", diz Ballalai.

Por que os casos vêm aumentando?

A prevenção da caxumba é feita pela vacina tríplice viral, administrada aos 12 meses de idade e, pela vacina tetra viral, aplicada aos 15 meses de idade.

No entanto, segundo dados divulgados esta semana pela Unicef, a agência da ONU para a infância, a quantidade de crianças que recebeu a segunda dose de proteção caiu de 77% em 2016 para 41% em 2017.

"Acho que a queda nessa cobertura vacinal tem a parte do governo e da população. O Programa Nacional de Imunização, que é modelo para o mundo inteiro, é espetacular, mas não basta ter vacinas, postos de saúde e equipes bem estruturados. É preciso fazer uma busca ativa das famílias", disse à BBC News Brasil a pediatra Cristina Duarte, diretora da Clínica Neovacinas.

"Se estava tendo uma diminuição da aplicação da segunda dose, as famílias tinham que ser buscadas. Isso provavelmente não foi feito."

Para Duarte, a influência de movimentos antivacina nas redes sociais também pode ter contribuído para que menos crianças de 15 meses tenham sido vacinadas com a tetra viral no último ano.

"Uma das avaliações da pasta sobre a queda nas coberturas vacinais no país é o próprio sucesso das ações de imunização - que teve como resultado a eliminação da poliomielite, do sarampo, da rubéola e síndrome da rubéola congênita - e que pode ter causado em parte da população a falsa sensação de que não há mais necessidade de se vacinar", disse o Ministério da Saúde.

"Outra ponderação é que no Brasil há um desconhecimento individual sobre a importância e benefícios das vacinas. (...) Por isso, é necessário ressaltar a importância da imunização e desmistificar a ideia de que a vacinação traz malefícios. As vacinas são seguras e passam por um rígido processo de validação."

Quem deve tomar a vacina?

O Ministério da Saúde recomenda que crianças de 12 meses a menores de 5 anos recebam uma dose de tríplice viral aos 12 meses e uma de tetra viral aos 15 meses.

Crianças de 5 a 9 anos que não foram corretamente vacinadas antes devem tomar duas doses de tríplice viral, com intervalo mínimo de 30 dias entre elas.

Da mesma forma, pessoas dos 10 aos 29 anos que não foram vacinadas ou não têm certeza de que foram devem tomar duas doses da tríplice.

Pessoas de 30 aos 49 anos podem tomar apenas uma dose desta vacina. A partir desta idade, deve ser avaliada a necessidade da imunização caso a caso.

No caso específico da caxumba, mesmo que você já tenha sido corretamente vacinado quando criança, os médicos podem recomendar uma terceira dose da vacina tríplice viral se a sua escola, universidade ou ambiente de trabalho tiver um surto de caxumba.

"Mas realmente só em situações de surto. Não é recomendado fazer à toa", afirma Isabella Ballalai.

Não sei se tomei a vacina quando criança, nem se fui vacinado(a) na idade correta. Devo tomar de novo?

Sim. Se você é adulto e tomou apenas uma dose da vacina ou recebeu a imunização antes de 12 meses de idade deve se imunizar novamente, segundo Isabella Ballalai, da SBIm.

"Na dúvida, é melhor vacinar. Além de prevenir a caxumba, não podemos deixar o sarampo e a rubéola, que são doenças mais graves, voltarem", diz.

A vacina tríplice viral só passou a ser oficialmente recomendada em todo o país a partir dos 12 meses de idade em 2004. A segunda dose, com a proteção adicional contra a varicela (tetra viral) inicialmente, era administrada entre 4 e 6 anos de idade. Em 2014, passou a ser recomendada aos 15 meses.

Antes disso, havia campanhas específicas de vacinação e os Estados adotaram a vacina em seu calendário em diferentes momentos. Por isso, algumas pessoas podem ter tomado apenas uma dose quando crianças, e estarem menos protegidas.

Já tive caxumba. Devo me vacinar?

Quem já teve caxumba fica imunizado permanentemente contra a doença, esclarece Ballalai.

"Uma confusão pode acontecer porque há outros vírus que causam um quadro semelhante, então algumas pessoas acham que tiveram caxumba duas vezes. Mas isso não acontece."

Mesmo assim, ela ressalta a importância de levar em contra as outras doenças contempladas pela vacina - o sarampo e a rubéola.

"Independentemente de você ter tido caxumba, se você não teve as três doenças e ainda não foi vacinado corretamente, deve, sim, tomar a vacina", diz.

Onde tomar a vacina?

A vacina tríplice viral está disponível em toda a rede pública de saúde gratuitamente. Alguns planos de saúde também cobrem a vacina na rede privada.

(Foto: Divulgação)