CIDADE
Prefeitura de Serra (ES) não paga aluguéis e delegacias vão fechar as portas.
No ano passado, o município comunicou à Polícia Civil que não poderia mais arcar com a despesa.
Em 07/02/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
A cidade da Serra, onde acontece o maior número de mortes violentas no Estado — boa parte delas decorrente do tráfico —, corre o risco de perder justamente as unidades que investigam os homicídios e que faz o combate às drogas: a Delegacia de Crimes Contra a Vida (DCCV) e a Delegacia de Entorpecentes (Deten). E mais, até o final do mês, outras três delegacias no município vão ser fechadas.
O problema decorre da suspensão do pagamento do aluguel dos imóveis ocupados hoje por seis delegacias e que era feito pela prefeitura local. O custo era de R$ 25 mil por mês.
No ano passado, o município comunicou à Polícia Civil que não poderia mais arcar com a despesa. “Em dezembro informaram que não poderiam mais oferecer o apoio por problemas financeiros”, relatou o chefe da Polícia Civil (PC), Guilherme Daré.
A PC possui oito delegacias na cidade, mas apenas duas delas estão em prédios próprios: a 3ª Delegacia Regional da Serra e a Delegacia de Jacaraípe.
As seis restantes utilizam imóveis alugados. É o caso da DCCV da Serra e da Deten, que estão abrigadas em imóveis bem localizados. A Crimes Contra a Vida fica próximo a um terminal de ônibus e a de entorpecentes próximo à Avenida Brasil, no bairro Novo Horizonte.
Daré garante que não tem intenção de fechar as unidades no município ou mudá-las para Vitória, já que o trabalho lá desenvolvido tem reduzido o número de homicídios. Mas enfrenta dificuldades. “Não temos imóveis e orçamento para pagar os aluguéis. Dependemos da ajuda do governo”.
De outras quatro delegacias que também ocupam prédios alugados, três vão ser fechadas: as de Serra-Sede e André Carloni, cujo atendimento passará a ser feito na 3ª Delegacia Regional. A Delegacia de Novo Horizonte também deixa de existir e o atendimento será na Delegacia de Jacaraípe.
Já a Delegacia da Mulher, que funcionava em Laranjeiras, foi transferida para Jardim Carapina e está ocupando parte de um prédio que pertence ao Detran.
O coordenador de governo da Prefeitura da Serra, Jolhiomar Massariol, relatou que as negociações com a Polícia Civil começaram em meados do ano passado. “Temos problemas com os órgãos fiscalizadores por gastos com equipamentos que pertencem ao Estado”, disse.
A expectativa era de que a PC assumisse o custo. “Não fomos comunicados sobre o fechamento das unidades”, afirmou, acrescentando que o último aluguel pago pela cidade foi o de janeiro.
Apesar de redução, cidade lidera ranking de mortes
No ano passado foram registrados 267 homicídios na Serra. Embora tenha ocorrido uma redução de 17% em relação ao ano anterior, o volume de mortes violentas na cidade supera a soma das que ocorreram em Vitória, Cariacica, Viana e Guarapari, que juntas totalizaram 238 homicídios.
Para o delegado titular da Crimes Contra a Vida da Serra, Marcos Vinicius Rodrigues de Souza, um possível fechamento da unidade dificultará as investigações e prejudicará a redução de mortes violentas. “Não há dúvidas”, destaca.
Ele relata que o perfil das pessoas atendidas na unidade, sejam vítimas ou os que vão prestar depoimentos, são pessoas muito carentes, que têm dificuldades para se deslocar. “A proximidade com o terminal de ônibus acaba auxiliando”, pontua.
Ele assumiu a unidade em 2012 e assinala que, desde então, sua equipe tem trabalhado para aumentar a resolutividade dos inquéritos. Naquele ano, por exemplo, foram concluídos 197 inquéritos, dos quais 90 eram por homicídios consumados, 47 por tentativas e 60 de outros crimes.
No ano passado ele alcançou a marca de 421 inquéritos concluídos, dos quais 165 foram homicídios consumados, 163 tentativas de homicídio e 93 relativos a outros crimes.
“Vai ser um desserviço”, diz promotor
Para o promotor Rodrigo Monteiro, que atua no júri popular da Serra – que cuida somente de casos de homicídio – a retirada da Delegacia de Crimes Contra a Vida da cidade vai afetar as investigações e o combate à criminalidade no município. “Vai ser um desserviço, justo quando a criminalidade está reduzindo”, assinala.
Na avaliação dele, o pagamento do aluguel desta unidade - média de R$ 4,1 mil - não pode ser considerado um gasto. “É um investimento se considerar que o trabalho tem reduzido os homicídios. E se transferem para Vitória, aumenta a quilometragem e o gasto com combustível”, destaca.
E vai ainda, acrescenta, impor dificuldades para a população. “A pessoa é notificada a prestar depoimento e a delegacia funciona ao lado do terminal. Já é difícil prestar depoimento, se a delegacia for para longe, não vão aparecer”, pondera.
Outro problema, assinala o promotor Rodrigo Monteiro, é que no caso de uma transferência para Vitória, pode ocorrer que, em determinadas situações, os crimes da Capital acabem sendo privilegiados. “O risco de desfalcar o trabalho aqui na Serra é grande”, pondera Monteiro.
Para o promotor, todas as autoridades envolvidas neste tipo de decisão precisam “ter mais sensibilidade com a situação”. “A situação na Serra é grave. A equipe da delegacia tem feito um trabalho muito bom, que corre o risco de se perder.”
O QUE DEVE MUDAR
Risco de fechar
Estão ameaçadas as delegacias de Crimes Contra a Vida (DCCV) e
a Delegacia de Entorpecentes (Deten), que precisam deixar os imóveis que ocupam até o fim do mês.
Fechadas
As delegacias da Serra-Sede e André Carloni vão ser fechadas e o atendimento passará a ser na 3ª Delegacia Regional. O mesmo acontece com a Delegacia de Novo Horizonte, que deixa de existir e o atendimento será transferido para a Delegacia de Jacaraípe.
Mudança
A Delegacia da Mulher, que funcionava em Laranjeiras, foi transferida para Jardim Carapina e está ocupando parte de um prédio que pertence ao Detran.
Sindicato critica medida e ressalta improviso
A necessidade de mudança de local de delegacias na Serra também foi alvo de duras críticas do presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado (Sindepes), Rodolfo Laterza.
Para o delegado, unidades importantes como a Delegacia de Crimes Contra a Vida (DCCV) e a Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (Deten), deveriam receber uma atenção especial do Estado e não funcionar no improviso.
“É triste unidades que são tão estratégicas não terem prédio próprio. Isso agrava a eficiência na investigação de crimes de tráfico e homicídios. A Deten já tem uma estrutura precária e agora vão ter que encontrar outro lugar improvisado”, ressaltou o delegado.
Ainda segundo o presidente do Sindepes, essa medida demonstra que a Secretaria de Segurança Pública do Estado (Sesp) não possui uma política de estruturação da Polícia Civil.
“Precisamos da programação de investimentos. É um improviso insustentável. Prejudica muito o trabalho. A Sesp não tem política de investimentos focada, em relação a estruturação da Polícia Civil”, criticou o presidente do Sindicato.
Desânimo
Laterza ainda disse que situações como essa causam desânimo à categoria de policiais, visto que prejudica até mesmo a vida pessoal dos profissionais.
“Os policiais daqui têm os piores salários e trabalham em situação de gambiarra. Por isso, buscam se aposentar, ou outros concursos”, concluiu.
Por Vilmara Fernandes e Victor Muniz/ Gazeta Online