POLÍTICA INTERNACIONAL
Presidente ucraniano volta a convidar Putin para negociar
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, voltou a convidar Putin para Negociações.
Em 25/02/2022 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Putin acusa frequentemente a Ucrânia de ser tomada por extremistas (chamados por ele de nazistas em algumas ocasiões), desde que o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych, pró-Rússia, foi deposto em 2014.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, voltou a convidar seu homólogo russo, Vladimir Putin, para fazer negociações, segundo informou nesta sexta-feira (25) as agências Tass e Interfax.
A Ucrânia quer a paz e está pronta para conversações com a Rússia, inclusive sobre o status neutro em relação à aliança militar ocidental Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), disse o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak à Reuters nesta sexta-feira (25).
“Se as conversações forem possíveis, elas devem ser realizadas. Se em Moscou eles dizem que querem manter conversações, inclusive sobre o status neutro, não temos medo disso”, disse ele através de uma mensagem de texto. “Podemos falar sobre isso também.”
“Nossa disponibilidade para o diálogo é parte de nossa persistente busca da paz”, acrescentou.
O que Putin quer com a ofensiva russa?
"Os eventos de hoje estão ligados não ao desejo de violar os interesses da Ucrânia e do povo ucraniano. Eles estão ligados aos interesses da própria Rússia em relação àqueles que fizeram a Ucrânia refém e tentam usá-la contra nosso país e seu povo. Repito, nossas ações correspondem à autodefesa de ameaças que criam para nós e de um desastre maior do que estamos vendo atualmente."
Essa declaração faz parte do discurso feito pelo presidente russo, Vladimir Putin, anunciando a invasão da Ucrânia nesta quinta-feira (24/02).
Mas o que, afinal, Putin pretende com a ofensiva militar em larga escala? As razões por completo não são tão claras, mas há cinco pontos por trás da invasão que vêm sendo levantados pela Rússia, pela Ucrânia e seus aliados, e por especialistas em defesa e política internacional.
São eles: 1. a expansão da Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) em países vizinhos à Rússia no Leste Europeu, 2. o conflito entre o governo da Ucrânia e regiões separatistas ucranianas pró-Rússia; 3. a queda do presidente ucraniano pró-Rússia em 2014 (e uma eventual troca do atual presidente por um aliado de Putin); 4. os profundos laços históricos entre Rússia e Ucrânia, ambos ex-integrantes da União Soviética; 5. o legado que Putin quer deixar como líder na história da Rússia.
Putin acusa frequentemente a Ucrânia de ser tomada por extremistas (chamados por ele de nazistas em algumas ocasiões), desde que o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych, pró-Rússia, foi deposto em 2014, após meses de protestos contra seu governo.
A Rússia então retaliou anexando a Crimeia e desencadeando uma rebelião no leste ucraniano liderada por separatistas apoiados pelo Kremlin — o confronto contra as forças ucranianas já custou 14 mil vidas.
Além disso, no ano passado, Putin escreveu um longo texto descrevendo russos e ucranianos como "uma nação", e descreveu o colapso da União Soviética em 1991 como a "desintegração da Rússia histórica".
Para ele, a Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia comunista e agora é um Estado fantoche, controlado principalmente pelos Estados Unidos, que representa um risco à segurança de seu país.
"A Rússia não pode se sentir em segurança, se desenvolver e existir com uma ameaça constante que vem do território da Ucrânia moderna", disse o presidente russo nesta quinta.
"Tudo isso deixa claro que o ataque de Putin não é principalmente sobre Otan ou segurança. É tudo sobre sua noção xenófoba, imperialista e distorcida de que a Ucrânia era inerentemente um apêndice da Rússia, sua independência foi um acaso histórico e seus governantes uns usurpadores. Seu reconhecimento de Estados separatistas na Ucrânia se estendeu não apenas a enclaves controlados por forças pró-russas, mas também a províncias inteiras", escreveu o jornal americano The New York Times em editorial após a invasão.
Avanço da Otan
O principal ponto levantado por autoridades e especialistas em torno da invasão da Ucrânia é o avanço da Otan, aliança militar formada em 1949 por 12 países, incluindo EUA, Canadá, Reino Unido e França.
Os membros concordam em ajudar uns aos outros no caso de um ataque armado contra qualquer Estado-membro. Seu objetivo era originalmente combater a ameaça da expansão russa durante o pós-guerra na Europa.
Após o colapso da União Soviética em 1991, 14 países do antigo Pacto de Varsóvia se tornaram membros da Otan. A aliança agora conta com 30 membros.
A Ucrânia não é um membro da Otan, e embora pleiteie entrada no grupo, não há qualquer previsão de que isso ocorra num futuro próximo. Atualmente, é um "país parceiro" — isso significa que há um entendimento de que pode ser autorizado a ingressar na aliança em algum momento no futuro.
Putin afirma que as potências ocidentais estão usando a aliança para cercar a Rússia e quer que a Otan cesse suas atividades militares na Europa Oriental. Ele argumenta há muito tempo que os EUA não cumpriram com uma garantia feita em 1990 de que a Otan não se expandiria para o leste.
A movimentação de tropas russas na fronteira foi vista como uma tentativa de forçar a Otan a negar a entrada da Ucrânia na aliança militar.
"Para nós, é absolutamente obrigatório garantir que a Ucrânia nunca, jamais se torne um membro da Otan", disse o vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Ryabkov.
Mas a Otan negou peremptoriamente um veto a sua política de portas abertas a qualquer membro que queira aderir à organização.
"Para os EUA e seus aliados, é a chamada política de detenção da Rússia, e de óbvios dividendos políticos. E para nosso país, é uma questão de vida ou morte, é uma questão do nosso futuro histórico como povo. E não é um exagero. É assim mesmo. É uma ameaça real não só aos nossos interesses, mas à própria existência do nosso Estado e à soberania dele. É justamente a linha vermelha tantas vezes citada por mim. Eles a ultrapassaram", disse Putin, em seu discurso televisionado nesta quinta-feira.
Segundo a Sputnik, agência estatal de notícias da Rússia, "para Moscou, a consideração de uma adesão da Ucrânia à aliança ocidental ultrapassa todos os limites aceitáveis, ameaçando gravemente a segurança russa". E completa:
"Apesar dos diversos apelos diplomáticos feitos pelo Kremlin na tentativa de que os Estados Unidos e seus aliados europeus levassem em conta as preocupações russas ligadas a esse avanço da organização militar liderada por Washington, não foram registrados progressos nas negociações".
Outras demandas russas são: limitações às tropas e armas que podem ser implantadas nos países que aderiram a essa aliança após a queda da União Soviética (URSS) e a retirada da infraestrutura militar instalada nos Estados do Leste Europeu após 1997.
"Eles realmente querem retornar às fronteiras existentes na Europa Oriental durante a Guerra Fria", disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) George Friedman, fundador da empresa internacional de previsão e análise Geopolitical Futures, resumindo as demandas de Moscou.
Queda de presidente
"Estamos vendo que as forças, que em 2014 realizaram o golpe de Estado na Ucrânia, tomaram o poder e o seguram com, de fato, procedimentos de eleições decorativas, finalmente se recusaram da solução pacífica do conflito. Oito anos, oito anos infinitamente longos em que temos feito todo o possível para que a situação fosse resolvida por meios pacíficos e políticos. Tudo em vão", disse Putin ao anunciar a invasão da Ucrânia.
Segundo ele, a ofensiva militar contra o país vizinho visa "defender as pessoas que durante oito anos têm sido submetidas a intimidação e genocídio pelo regime de Kiev. E para isso, vamos tentar alcançar a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia. E levar à Justiça aqueles que realizaram múltiplos crimes sangrentos contra civis, incluindo cidadãos da Federação Russa".
O líder russo se refere às mudanças políticas na Ucrânia em 2014, quando o então presidente Viktor Yanukovych, bastante próximo da Rússia, caiu do cargo em meio a enormes protestos no país.
O movimento teve origem justamente na recusa do então mandatário em assinar um tratado com a União Europeia.
Parte majoritária dos ucranianos defendia a integração com o bloco europeu; mas outra parte, porém, fala russo e prefere estar sob a esfera de influência de Moscou. Muitos deles estava na Crimeia e na região de Donbas.
A crise levou à invasão da região da Crimeia em 2014 pela Rússia, que anexou o território, alegando laços históricos. Além disso, rebeldes apoiados por Moscou declararam a independência das províncias de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, conhecidas conjuntamente como a região de Donbas, o que não foi reconhecido pela comunidade internacional desde então. Mas a Rússia, pouco antes da invasão em 2022, reconheceu ambas como independentes.
"Os principais países da Otan, para alcançar seus objetivos, apoiam em tudo na Ucrânia os nacionalistas radicais e neonazistas, que, por sua vez, nunca vão perdoar os moradores da Crimeia e de Sebastopol por terem decidido ser livres para se reunificar com a Rússia. Eles com certeza vão para a Crimeia, e assim como em Donbas, com guerra, para matar, como mataram pessoas indefesas os justiceiros de gangues de nacionalistas ucranianos, cúmplices de Hitler durante a Grande Guerra pela Pátria", disse Putin nesta quinta.
Em seu discurso de posse, o atual presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, afirmou que sua prioridade seria colocar um fim à insurgência apoiada pela Rússia nas províncias de Donetsk e Luhansk. O confronto na região deixou mais de 14 mil mortos nos últimos anos.
Mas agora em 2022, no segundo dia de guerra, Zelenski disse à nação que a Rússia o considera seu inimigo número 1, alimentando ainda mais as especulações de que um dos objetivos da ofensiva russa é derrubar o governo para alçar ao poder algum nome pró-Rússia, como ocorria até 2014.
Laços históricos
Em 12 de julho de 2021, em um longo artigo sobre as relações com a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, denunciou que a nação vizinha estava caindo em um jogo perigoso destinado a transformá-la em uma barreira entre a Europa e a Rússia, em um trampolim contra Moscou.
Putin não se referia apenas à dimensão de segurança e geopolítica, mas sobretudo aos laços históricos, culturais e religiosos entre a Rússia e a Ucrânia, e sobre os quais escreveu extensivamente.
O presidente russo relembrou, entre outras coisas, o antigo povo rus, considerado o ancestral comum de russos, bielorrussos e ucranianos, e destacou os muitos marcos da história comum para defender sua visão de que russos e ucranianos são "um só povo".
Gerard Toal, professor de relações internacionais da Universidade Virginia Tech (EUA), destaca que vários elementos que misturam história, cultura e identidade estão envolvidos nessa ideia.
"A Rússia não vê a Ucrânia como apenas mais um país. A visão dominante do nacionalismo russo é que a Ucrânia é uma nação eslava irmã e, além disso, o coração da nação russa. Essa é uma ideologia muito poderosa, que faz da Ucrânia um elemento central da identidade russa", diz ele.
"Portanto, há sentimentos muito fortes quando a Ucrânia como nação se define em oposição à Rússia. Isso causa muita raiva e frustração na Rússia, que se sente traída por um irmão. E isso tem a ver com a incapacidade da visão dominante entre os russos de reconhecer a identidade nacional ucraniana como algo separado da Rússia", acrescenta.
George Friedman, da Geopolitical Futures, ressalta a importância que a Ucrânia poderia ter para a Rússia do ponto de vista cultural ou histórico, mas defende que a real preocupação de Moscou é geopolítica.
"Sim, os dois países compartilham uma história comum. Historicamente, a Ucrânia foi dominada e oprimida pelos russos. Durante o período soviético, eles sofreram uma grande fome, em que milhões de pessoas morreram, porque a Rússia queria exportar os grãos que produziam. A grande unidade entre o povo russo e ucraniano é um absurdo", argumenta ele.
Legado de Putin
Há mais de duas décadas no poder, Putin se mostra mobilizado por revisionismos históricos que remontam não só ao fim da União Soviética, mas à queda do Império Russo e até mesmo à sua formação (séculos atrás), ressentimentos em relação aos Estados Unidos e potências europeias e preocupações com como seu período à frente do governo russo entrará para a história.
"Às vésperas de completar 70 anos, Putin está certamente preocupado com seu legado, e um dos 'assuntos inacabados' de sua gestão é justamente a relação com a Ucrânia", afirmou à BBC News Brasil Brian Taylor, professor de Ciência Política da Syracuse University e autor de The Code of Putinism (O Código do Putinismo, em tradução livre).
Ao chegar ao poder, em 1999, Putin se mostrou bem mais do que um burocrata da KGB e passou a operar desde então uma das máquinas de guerra mais poderosas do mundo — atualizada para se tornar também a maior especialista em cibersegurança global — e a sustentar a economia russa em níveis de crescimento constantes e robustos, comparáveis aos da China, embora pouco diversificada e dependente basicamente das indústrias de petróleo e mineração.
Com isso, reconstruiu a autoestima russa, o que em parte explica sua popularidade, que ele parece querer colocar à prova com suas recentes ações.
Em entrevista à BBC News Mundo em dezembro passado, Kadri Liik, analista-chefe do Conselho Europeu de Relações Exteriores especializado na Rússia, disse que, em sua opinião, a questão da Ucrânia é aquela em que as próprias emoções de Putin entram em jogo, então, às vezes, suas posições podem não parecer muito racionais.
Toal, da Universidade Virginia Tech, apontou à BBC News Mundo haver um argumento segundo o qual Putin foi pessoalmente humilhado pelo que aconteceu com a Ucrânia durante seu mandato, quando seus esforços recorrentes para instalar líderes pró-russos em Kiev não renderam os frutos esperados.
"O argumento geral é que ele está lutando com esse problema há algum tempo, sente que é um negócio inacabado que faz parte de seu legado e precisa ser corrigido de uma vez por todas." *Com informações complementares dos repórteres Mariana Sanches (BBC News Brasil), Ángel Bermúdez (BBC News Mundo) e Paul Kirby (BBC News) - (ANSA) - (REUTERS)
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