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Prisão é melhor vacina contra corrupção, diz juiz que julgará Petrobras nos EUA.
"Estava praticamente em prantos quando ela falou", conta Rakoff à BBC Brasil.
Em 15/06/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
"Estava praticamente em prantos quando ela falou", conta Rakoff à BBC Brasil. "Sabia exatamente o que ela estava sentindo."
Rodriguez esperava que os algozes de seu filho fossem executados, mas, numa decisão que reverberaria bem além daquele julgamento, Rakoff considerou que a aplicação da pena de morte era inconstitucional nos Estados Unidos.
"Foi a (decisão) mais difícil para mim, porque eu era a favor da pena de morte quando meu irmão foi assassinado", diz o juiz, hoje responsável pela ação que tramita na Justiça americana contra a Petrobras.
A sentença acabou anulada por uma corte superior naquele mesmo ano (2002), mas sua posição faria dele uma das figuras mais destacadas no Judiciário americano.
Rakoff recebeu a BBC Brasil em sua sala na última sexta-feira com a ressalva de que não poderia falar sobre o caso da Petrobras, já que o código de conduta dos juízes os proíbe de comentar processos em curso.
A ação contra a empresa abarca todos os acionistas que compraram papéis emitidos pela companhia nos Estados Unidos entre 2010 e 2014. Segundo a acusação, a Petrobras divulgou informações falsas sobre suas operações e omitiu denúncias de corrupção, que vieram à tona com a operação Lava Jato.
Também são réus no processo 13 executivos da estatal, entre os quais seus ex-presidentes Graça Foster e José Sérgio Gabrielli, 15 bancos que coordenaram as emissões de papéis da empresa, duas subsidiárias e a consultoria PwC.
Mortos inocentados
Rakoff atribui a mudança de sua posição sobre a pena de morte a estudos de DNA que comprovaram a inocência de centenas de pessoas executadas nos Estados Unidos.
Ele argumenta que jamais as cortes deveriam se fechar a provas que inocentem os presos, e executá-los os priva desse direito.
Rakoff voltaria aos holofotes quase uma década depois ao se posicionar sobre o papel de bancos e órgãos reguladores na crise financeira que assolou a economia americana entre 2007 e 2008.
Em dois casos emblemáticos, o juiz se recusou a aceitar acordos firmados entre a SEC (órgão que regula os mercados de capitais nos Estados Unidos) e bancos acusados de fraudes que teriam contribuído para a crise, o Bank of America e o Citigroup.
Pelos acordos, os bancos se comprometiam a pagar multas milionárias à SEC, que em troca retiraria suas acusações contra as instituições. Rakoff avaliou que os arranjos não atendiam ao interesse público, pois livravam os bancos de assumir a culpa e impediam que detalhes das violações fossem conhecidos.
A posição fez com que vários veículos - entre os quais a revista Rolling Stone e o diário britânico Financial Times - descrevessem o juiz como "herói". Em 2014, a revista Fortune incluiu Rakoff na sua lista dos 50 maiores líderes globais por sua "postura corajosa" diante de Wall Street.
Fraque e cartola
Artigos que elogiam Rakoff ocupam as paredes de seu escritório na corte do Distrito Sul de Nova York. O edifício, parte de um complexo do Judiciário em estilo neoclássico, fica a poucas quadras de Chinatown e Little Italy, tradicionais bairros de imigrantes chineses e italianos.
Ao lado dos artigos, foram penduradas fotos de assistentes e parentes do juiz - casado, pai de três filhas e avô de um menino de um ano. Em alguns retratos, Rakoff, de 71 anos, posa de fraque e cartola ao lado da mulher em bailes dançantes.
Na mesa de sua antessala, há livros sobre os Yankees, time de beisebol de Nova York, uma biografia do político democrata Daniel Patrick Moynihan (1927-2003) e um boneco do juiz com um imenso martelo nas mãos.
Nascido na Filadélfia numa família de classe média, Rakoff graduou-se em literatura inglesa, fez mestrado em Oxford, na Inglaterra, e doutorado na Universidade de Harvard. Começou a carreira como advogado e, em 1971, realizou sua única viagem ao Brasil, a trabalho. Ele tinha reuniões em São Paulo, de onde não gostou muito, e tirou alguns dias de folga no Rio.
"Aproveitei tanto o Rio e fiquei tão impressionado com sua vibração que a memória continua vívida na minha mente", ele conta.
Em 1988, tornou-se professor adjunto de direito na Universidade Columbia, em Nova York. Ele trabalhou ainda como procurador e, em 1996, foi nomeado juiz federal pelo então presidente Bill Clinton.
Em sua sala com vista para os arranha-céus do sul da ilha de Manhattan, Rakoff se refere a outro caso de repercussão internacional nas mãos da Justiça federal em Nova York: as denúncias de corrupção na Fifa.
Ele afirma, brincando, ter ficado "muito chateado" que o processo não tenha sido registrado na corte em que atua, mas sim no distrito judicial vizinho, no Brooklyn. O Departamento de Justiça americano investiga funcionários da federação por suspeitas de extorsão, fraudes financeiras e lavagem de dinheiro.
Segundo a acusação, os envolvidos usaram bancos sediados nos Estados Unidos em suas transações, o que legitima o envolvimento de autoridades americanas.
Rakoff diz não poder opinar sobre o caso, mas comenta a crítica - evocada quando a operação contra a Fifa foi deflagrada - de que os Estados Unidos buscam vantagens econômicas e políticas ao processar empresas e agentes estrangeiros por violações praticadas no exterior.
Rakoff diz que a Suprema Corte vem restringindo as ocasiões em que a Justiça americana pode julgar episódios ocorridos fora do país - "o que não significa", afirma o juiz, "que não vamos processar quando há alguma atividade significativa nos Estados Unidos ou envolvendo, ao menos em parte, americanos".
Ele diz que, ao tratar de casos com implicações no exterior, os juízes americanos devem ter "sensibilidade sobre culturas e sistemas legais diferentes". "Nenhum país deveria achar que tem o monopólio da justiça ou da moralidade."
Ainda assim, diz aprovar a possibilidade de que a Justiça americana processe empresas estrangeiras por atos de corrupção cometidos fora das fronteiras do país. A legislação americana sobre o tema - o Ato de Práticas Corruptas Estrangeiras, de 1977 - foi uma iniciativa pioneira e acabou copiada por vários outros países, afirma o juiz.
"Se os Estados Unidos não tivessem intervindo aí, ninguém teria", diz Rakoff.
Linha dura contra executivos
Com a visibilidade que ganhou por sua atuação nos casos sobre a crise financeira, o juiz passou a receber convites frequentes para palestras e se tornou colaborador regular da revista The New York Review of Books. No título de um artigo sobre a crise publicado no ano passado, ele questionou: "Por que nenhum alto executivo foi processado?"
Rakoff citou, entre os motivos, a redução de recursos e de agentes especializados em crimes financeiro depois do 11 de Setembro, quando o país se voltou ao combate do terrorismo.
Após a crise, Rakoff diz que o setor financeiro ganhou mais atenção e verbas. Mesmo assim, lamenta a postura que o governo e órgãos reguladores adotaram diante das denúncias de fraudes naquela época.
"Eu temo que a mensagem passada a um banqueiro, a um executivo que cogite driblar a lei tenha sido: 'você não precisa se preocupar com cadeia. Se o pior acontecer e te pegarem, vão só multar sua companhia'."
Segundo Rakoff, multas "entram no custo de fazer negócios" das empresas, prejudicam funcionários e pequenos acionistas inocentes e, quando aplicadas a executivos, são normalmente pagas por seguradoras.
Por isso, o juiz diz que prender é o maior antídoto contra a corrupção em grandes companhias e no setor público.
"Quando era advogado, meus clientes ficavam felizes em pagar quanto dinheiro fosse pra evitar um único dia na cadeia. E também todos eles temem, ainda que isso seja improvável nas prisões para onde vão, estupros homossexuais."
Admiradores e desafetos
As decisões e os artigos de Rakoff o tornaram uma das principais vozes no debate jurídico nos EUA, diz Daniel Richman, professor de direito e colega de Rakoff em Columbia.
"Ele é certamente um dos juristas mais instigantes nas cortes atualmente", afirma o professor.
Sua atuação também lhe rendeu desafetos. No The Robing Room, site em que advogados trocam impressões sobre juízes, ele é tachado de "autoritário" e "insensível" em algumas avaliações.
"Ele se decide muito rápido", diz à BBC Brasil um advogado de Nova York que não quis ser identificado. "Exige pontualidade e cobra advogados por atrasos publicamente, mas os deixa à espera por longos períodos sem dar explicações nem se desculpar".
Críticos do juiz costumam ainda dizer que ele se porta como um "ativista" na corte e que suas posturas são "populistas".
Sorridente, Rakoff rebate: "Não saberia que estou realizando um bom trabalho se não houvesse pessoas dizendo que estou errado".
Ele rejeita o argumento, citado por alguns de seus críticos, de que teria uma inclinação a decidir contra grandes empresas. "Os Estados Unidos têm sorte de ter um sistema vibrante de livre iniciativa e, comparando com economias socialistas, estamos numa situação muito melhor".
Segundo ele, salvo por algumas "maçãs podres", "as empresas americanas - e muitas europeias, sul-americanas - querem ganhar dinheiro, mas honestamente".
Afirma ainda que, embora fique "lisonjeado" com os elogios na imprensa a seu trabalho, não se deixa influenciar por eles.
"A primeira coisa que se aprende como juiz é que você comete erros o tempo todo".
Segundo Rakoff, os juízes atuam num universo em constante mutação: decisões que parecem acertadas hoje podem se mostrar equivocadas amanhã.
Ele diz acreditar, aliás, que sua posição sobre a inconstitucionalidade da pena da morte acabará chancelada pela Suprema Corte no futuro.
Rakoff afirma que sua visão sobre o tema é inspirada na postura de Gandhi (1869-1948), líder nacional indiano cuja trajetória o juiz estudou em Oxford.
"As pessoas pensam nele como um santo, mas, na verdade, ele não só era humano como, pior, era um advogado", diz, aos risos.
Segundo o juiz, Gandhi foi o grande mentor dos movimentos de desobediência civil que se popularizariam mundo afora e, nos EUA, tiveram o pastor e ativista negro Martin Luther King Jr. (1929-1968) como principal expoente.
Para Rakoff, o líder indiano foi original ao buscar que as leis fossem mudadas sem, com isso, rejeitar o Estado de Direito.
"A desobediência civil, de uma maneira engraçada, pressupõe um certo respeito pela lei", diz o juiz. "Ela prega: 'vamos desobedecer, mas vamos sofrer as consequências legais, não vamos fugir'."
Por isso, diz Rakoff, "quando alguém me diz que 'a lei sempre foi assim', isso para mim não é a questão final. A lei muda, a lei progride, e você tem de olhar para os efeitos práticos antes de decidir."
BBC Mundo