EDUCAÇÃO

Projeto que proíbe "doutrinação ideológica" na escola gera polêmica.

Proposta é chamada de "lei da mordaça" pelo sindicato dos professores.

Em 09/05/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Foi protocolado na Assembleia Legislativa do Espírito Santo um projeto de lei (PL 121/2016) que proíbe a ‘doutrinação ideológica’ em escolas públicas da rede estadual do Espírito Santo, de autoria do deputado Hudson Leal (PTN). Um projeto de lei muito semelhante já foi aprovado pelos deputados da Assembleia Legilsativa de Alagoas.

A proposta tem provocado polêmica nas redes socias. Enquanto o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes) chama a iniciativa de ‘lei da mordaça’, o autor da matéria garante que o projeto contribui para uma formação ‘imparcial’ dos alunos. O G1 conversou com a professora Vânia Carvalho, do Departamento de Pedagogia da Ufes, que criticou o projeto de lei e defendeu a pluralidade de pensamento na educação.

Deputado diz que professor deve ser ‘honesto’
O projeto de lei cria o programa ‘Escola Livre’. Segundo o texto do projeto “é vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico”.

Na justificativa do projeto de lei, Hudson Leal afirma que “é fato notório que professores e autores de livros didáticos vem-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes e determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”.

De acordo com o deputado, o projeto não limita as questões que tem que ser discutidas em sala de aula, mas não permite que apenas o ponto de vista do professor seja exposto na sala. Ele garantiu que a iniciativa é amparada pela constituição, mesmo depois que a procuradoria a Casa tenha dado um parecer contrário a proposta.

“O professor é livre para falar o que quiser, ele pode falar sobre religião, mas ele não pode falar sobre uma religião só, ele tem que dar todas as opções. O professor quer falar sobre partidos, ele pode, mas ele precisa falar sobre todos os 35 partidos do Brasil”, explicou.

O deputado também disse que muitos estudantes se sentem inibidos dentro da sala de aula, por suas crenças morais e religiosas. Questionado sobre o que seria avaliado como ‘conduta moral’ e sobre como a religião poderia ser tratada no ambiente escolar, o deputado preferiu tratar da questão ideológica.

“Há uma doutrina na América Latina muito forte, a raiz disso é a Venezuela, e se espalhou em todo o país, a gente sabe da questão do Foro de São Paulo de São Paulo e o aluno é frágil e pode ser influenciado por essa doutrinação”, disse

Questionado sobre como esse tipo de legislação seria aplicada e como seria possível distinguir o que é doutrinação, Leal disse que o professor deve agir de acordo com sua ‘honestidade’.

“O professor tem que ser honesto, ele pode falar sobre o leninismo, mas tem que falar a verdade. Ele tem que falar quantas pessoas morreram. Ele pode falar sobre o Che Guevara, mas ele tem que falar que o Che Guevara era um assassino. Então, você tem que dar essa liberdade, tem que ser honesto e eu tenho certeza que 99% dos professores são honestos e não vão ir contra esse projeto” , explicou o deputado.

Sindicato chama projeto de 'lei da mordaça'
A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes) e professora da rede pública estadual, Noêmia Simonassi, disse que o sindicato repudia o projeto do deputado.

“Esse projeto demostra que o deputado não entende muito de educação. Ele fere os princípios básicos da educação, fere os Artigos 206 e 206  da Constituição Federal, e o Artigo 63 da Constituição Estadual, porque a ela é muito clara quando fala do direito à liberdade e à educação” diz a professora.

Noêmia chamou o projeto de ‘lei da mordaça’ e garantiu que os professores não fazem nenhum tipo de doutrinação dentro das escolas.

“Toda essa questão filosófica é tratada na escola, a gente se baseia nos grandes pensadores, mas não existe doutrinação. O que me parece é que esse deputado não sabe o que está acontecendo dentro das escolas, ele precisa voltar para a sala de aula.  A escola tem que ser uma escola laica e livre de pensamentos e de ideias, dentro de uma democracia se discute todos os assuntos”, explicou.

Ela ainda sugeriu que o deputado trate de outros assuntos ligados a educação e lembra dos problemas de infra estrutura da rede estadual e da falta de valorização dos profissionais de educação.

“Eu acho que ele deveria estar propondo um projeto de lei que valorize a educação, que trate das questões de infra estrutura da escola, da merenda escolar, e não que restinga a liberdade do professor em educar”, afirmou.

Especialista defende a pluralidade na escola
De acordo com a professora Vânia Carvalho, docente do Departamento de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo, o projeto de lei do deputado Hudson Leal fere os princípios da educação e da liberdade de expressão.

“É ridícula uma tentativa de projeto como essa. A constituição é claríssima quanto a educação laica e ao acesso de diferentes formas de aprendizagem. Uma escola democrática é aquela que pega sua herança simbólica e cultural - os costumes, informações e conhecimentos - e coloca em comum para a comunidade”, explicou a professora.

Vânia também deixou claro que não existe doutrinação nas salas e que essa não é uma prática dos professores da rede pública e privada. Ela questionou as informações do deputado.

“Não existe esse tipo de doutrinação, o fato do professor emitir uma opinião não significa que você tem que concordar essa opinião. Eu nunca tive acesso a esse tipo de dados. Ele tá fazendo uma suposição que é muito grave para nós, porque na educação nos fazemos uma leitura de mundo a partir de dados, de conhecimento, não existe mordaça nos alunos, não existe imposição”, disse.

Vânia também falou sobre como a influência da escola e da família atuam no processo de formação das crianças e adolescentes e qual é o papel da família em orientar e guiar os alunos, quando há algum tipo de conflito.

“A moral e a ética nos acompanham na vida em sociedade, então se uma criança tem acesso a um tipo de padrão moral que não é de acordo com a padrão da família, a família precisa conversar e debater essas questões”, afirmou.

Ela explicou que as crianças são expostas a diversas visões de mundo ao longo da sua formação e que isso é fundamental para que ela possa fazer suas próprias escolhas ao longo da vida.

“ A criança vai ser exposta em diversos ambientes a diferentes visões de mundo, não só na escola, mas através da mídia, dos amigos. A formação familiar não é necessariamente a maneira com que a criança vai seguir a vida. A possibilidade de escolha é fundamental, você não pode amordaçar uma criança, privar ela de certas visões de mundo”, defendeu a professora.

Vânia concluiu falando sobre a importância da pluralidade de ideias na formação de um cidadão. “A pluralidade, respeitado a singularidade é fundamental, é isso que origina a democracia. A beleza da escola pública está exatamente no pluralismo de ideias, e esse pluralismo. Eu acho que esse projeto é uma fronta e um desrespeito a educação pública desse país. Formação não é e nunca foi doutrinação”, disse.

Tramitação
A procuradoria da Assembleia Legislativa considerou a PL 121/2016 inconstitucional. O despacho denegatório foi lido em plenário na quarta-feira (4) mas o deputado ainda pode pedir que a constitucionalidade do projeto seja analisada pela Comissão de Constituição e Justiça. Se a comissão considerar o projeto constitucional, ele segue tramitando até a votação em plenário.

Hudson Leal garantiu que o projeto vai seguir tramitando e que será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça.

Fonte: G1-ES