ECONOMIA NACIONAL
Proposta que permite cobrar preço diferente no cartão opõe varejo e Procon.
Medida está no pacote de estímulo à economia anunciado pelo governo, mas ainda não foi aprovada.
Em 17/12/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Entidades de defesa do consumidor e representantes de lojistas divergem sobre a proposta do governo, ainda não aprovada, que permite que os comerciantes possam cobrar preços diferentes nas compras com cartão, dinheiro ou cheque.
Pela medida, anunciada nesta quinta-feira (15) em um pacote de estímulo à economia, o comerciante pode passar a dar descontos ao consumidor que comprar com dinheiro, por exemplo. O governo não especificou como a medida seria implementada. Hoje a prática é proibida pela resolução 34/1989, do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.
As operadoras de cartões cobram dos lojistas uma taxa para operar com o "dinheiro de plástico". Esse custo, somado a impostos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é geralmente repassado ao consumidor e pode encarecer a mercadoria ou serviço. Sem a cobrança extra, o pagamento em dinheiro poderia ser mais barato.
Ao defender a proposta, o governo afirma que a diferenciação de preços é vantajosa para o consumidor e “regulariza uma prática informal no comércio”. Também argumenta que ela estimula a competição entre os comerciantes.
Para o diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Luiz Augusto Ildefonso, se aprovada, a medida regulariza uma situação que não é comum, mas acontece “algumas vezes”. “Ela dá um amparo legal para essa modalidade entrar em vigor”, diz.
A advogada especializada em direito do consumidor Denise Santos acredita, contudo, que a prática incentiva falsos descontos. “Se isso for permitido, o comerciante pode aumentar o preço de um produto e anunciar uma promoção que na verdade não existe”, argumenta.
Para o Procon-SP, a diferenciação de preços nos meios de pagamento é considerada abusiva e resulta em vantagem excessiva ao fornecedor. “A Fundação Procon-SP reitera que o pagamento feito com cartões de crédito é considerado à vista e que os lojistas são responsáveis pelo ônus dos serviços contratados e que não podem ser repassados aos consumidores”, defendeu em nota enviada ao G1.
A economista do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ione Amorim, diz que cobrar um preço mais alto de quem usa cartão de crédito é uma prática que fere o inciso V do artigo 39 do Código do Consumidor. Esse artigo classifica como prática abusiva exigir do consumidor uma "vantagem manifestamente excessiva".
Para Ione, a diferenciação transfere para o consumidor o impasse dos custos operacionais entre estabelecimentos comerciais e empresas de intermediação (bandeira, emissores, adquirentes) sobre os custos de taxas de operação, utilização de máquinas e prazos para pagamentos.
Proibições
A instância máxima da Justiça chegou a decidir sobre a questão. Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenderam que o pagamento com cartão de crédito é considerado à vista, em um recurso que obrigou um posto de combustível do Rio Grande Sul a abandonar a prática de preços diferentes para os meios de pagamento. Em outro caso, o mesmo tribunal entendeu que dar desconto para o pagamento em dinheiro é prática abusiva.
Em 2014, o Senado aprovou um projeto que permite cobrar preços diferentes em dinheiro ou cartão. O projeto foi enviado à Câmara, mas foi retirado da pauta depois que o relator da Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) recomendou a rejeição do projeto. Na ocasião, entidades de defesa do consumidor enviaram um manifesto enviado ao Senado para tentar impedir que o projeto se transformasse em lei.
Em São Paulo, a exigência de um valor mínimo para o pagamento com cartão passou a ser proibida por lei em fevereiro deste ano. Em alguns lugares, o comerciante estabelece um valor mínimo para pagamento com cartão de crédito ou débito. O estabelecimento que descumprir estará sujeito a multa.
Outras medidas
Outra proposta anunciada pelo governo no pacote microeconômico é encurtar o prazo para os bancos repassarem recursos aos lojistas nas compras com cartões de crédito. Hoje, o repasse dura em média 30 dias. O governo espera que isso gere uma redução dos juros cobrados no rotativo do cartão, uma vez que a demora no repasse geraria um custo adicional embutido no preço. O governo ainda não anunciou de que forma vai encurtar esse prazo.
As taxas de juros do cartão de crédito e do cheque especial bateram sucessivos recordes nos últimos meses, de acordo com pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Em novembro, as duas linhas são as mais caras do crédito pessoal, com juros anuais de respectivamente 459,53% e 313%.
Para 2016, a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito) prevê um crescimento de 6,5% nas transações com cartões de crédito, que devem somar R$ 1,14 trilhão. No terceiro trimestre, os brasileiros movimentaram R$ 175 bilhões com cartões de crédito, e R$ 108 bilhões com o débito, altas de 4% e 8,4%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2015.
Por Taís Laporta, G1