POLÍTICA NACIONAL
Relatório de indiciamento de Lula e Marisa é peça de ficção, diz defesa.
Indiciamento foi protocolado no sistema da Justiça Federal nesta sexta (26).
Em 27/08/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-primeira dama Marisa Letícia afirmaram em nota que as conclusões do relatório do delegado da Polícia Federal Marco Antonio Anselmo que indiciou nesta sexta-feira (26 Lula, Marisa e mais três pessoas por crimes como corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro "tem caráter e conotação políticos e é, de fato, peça de ficção".
Segundo o advogado Cristiano Zanin Martins, o relatório parte de falsas premissas e contém erros jurídicos. A defesa de Lula repudiou veementemente o indiciamento de seus clientes. Zanin acusa o delegado responsável pelo inquérito de não ser isento para fazer a investigação.
A defesa de Lula disse que só soube do inquérito há dois dias, por causa de um erro do Ministério Publico. E que pediu acesso aos autos ao juiz Sérgio Moro, que só permitiu esse acesso após recurso ao Supremo Tribunal Federal.
O advogado disse que não cogita jamais prisão de seu cliente porque, segundo ele, não houve crime.
"Não há nenhum requisito legal que pudesse autorizar a prisão do ex-presidente Lula. A prisão pressupõe diversos requisitos. É uma medida drástica e que o juiz só pode adotar se estiverem presentes os requisitos legais. Com base na lei eu não cogito jamais a prisão, primeiro porque o ex-presidente Lula não praticou nenhum crime. A prisão seria uma situação de arbitrariedade extrema."
Inquérito oculto
O advogado disse que ainda existe um outro procedimento que tramita de forma oculta. "Nós ainda não tivemos conhecimento a despeito de termos recorrido ao STF. Existe outro procedimento que o juiz Moro expressamente negou acesso à defesa do ex-presidente Lula e que nós estamos esperando ter acesso a esse procedimento a partir de uma decisão do STF."
Indiciamento
O indiciamento foi protocolado no sistema eletrônico da Justiça Federal, no Paraná, no início da tarde desta quarta. Os cinco são investigados por supostas irregularidades na aquisição e na reforma de um apartamento tríplex do Edifício Solaris, no Guarujá, no litoral de São Paulo, e no depósito de bens do ex-presidente.
O advogado disse que a partir desse indiciamento vai agora ver qual é o desdobramento. Ele explicou que o indiciamento não necessariamente pressupõe um desdobramento. "É uma opinião da autoridade policial e que pode ter alguns desdobramentos O Ministério Publico pode requerer novas diligências. Ou pode discordar da autoridade policial e arquivar o inquérito. Ou pode ainda concordar com a autoridade policial e fazer uma denúncia. Temos que aguardar o posicionamento do Ministério Público", afirmou.
Segundo o advogado de Lula, "o relatório não parte de fatos, mas, sim, de ilações ou suposições". Ele afirma que a peça não tem respaldo jurídico. "Lula e sua esposa não são proprietários do imóvel que teria recebido as melhorias; não são funcionários públicos, que é a premissa do crime de corrupção passiva; Lula não participou da contratação indicada no relatório, de forma que o relatório pretende lhe atribuir a prática de um crime sem que ele tenha qualquer envolvimento (responsabilidade objetiva, estranha ao Direito Penal)".
A defesa diz ainda que Lula e sua esposa não receberam qualquer bem, valor ou direito da OAS que seja proveniente de desvios da Petrobras e muito menos tinham conhecimento da suposta origem ilícita desses valores.
O advogado diz ainda que a peça tem motivação política porque, segundo ele, o delegado Marcio Adriano Anselmo "tem histórico de ofensas a Lula nas redes sociais e já expressou publicamente sua simpatia por campo político antagônico ao ex-presidente" (leia a íntegra da nota ao final dessa reportagem).
A defesa de Lula disse que nesse momento a decisão é aguardar porque o inquérito é muito recente.
Instituto Lula
Em nota, o Instituto Lula reafirma a posição dos advogados do ex-presidente. Diz a nota: "É simplesmente inadmissível indiciar um ex-presidente por suposta (e inexistente) corrupção passiva, a partir de episódios transcorridos em 2014, quatro anos depois de encerrado seu governo. É igualmente inadmissível indiciar o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, por corrupção passiva, que também não é servidor público. Mais grave, injusto e repugnante, no entanto, é o indiciamento de Marisa Letícia Lula da Silva. Trata-se de mesquinha vingança do delegado e de seus parceiros na Lava Jato, a cada dia mais expostos perante a opinião pública nacional e internacional, pelos abusos sistematicamente cometidos".
Leia a íntegra da nota dos advogados de Lula e Marisa:
"Os advogados do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa Marisa Letícia Lula da Silva repudiam veementemente o indiciamento de seus clientes a partir das apressadas conclusões do Relatório elaborado em 26/08/2016 pelo Delegado de Polícia Federal Marcio Adriano Anselmo nos autos do Inquérito Policial nº1048/2016 (5035204-61.2916.4.04.7000), que tem caráter e conotação políticos e é, de fato, peça de ficção. Lula e D. Marisa não cometeram crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, caput), falsidade ideológica (CP, art. 299) ou lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º), como se demonstra a seguir:
1- Corrupção passiva –
O ex-Presidente Lula e sua esposa foram indiciados pelo crime de corrupção passiva (CP, art. 317, caput) sob o argumento de que teriam recebido “vantagem indevida por parte de JOSE ALDEMÁRIO PINHEIRO FILHO e PAULO ROBERTO VALENTE GORDILHO, Presidente e Engenheiro da OAS, consistente na realização de uma reforma no apartamento 174 do Edifício SOLARIS, no GUARUJÁ, devidamente descritas e avaliadas no laudo pericial nº 375/2016, que apontam melhorias no imóvel avaliadas em obras (R$ 777.189,13), móveis (R$ 320.000,00) e eletrodomésticos (R$ 19.257,54), totalizando R$ 1.116.446,37)”:
1.1 O imóvel que teria recebido as melhorias, no entanto, é de propriedade da OAS como não deixa qualquer dúvida o registro no Cartório de Registro de Imóveis (Matricula 104801, do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá), que é um ato dotado de fé pública. Diz a lei, nesse sentido: “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. O Relatório não contém um único elemento que possa superar essa realidade jurídica, revelando-se, portanto, peça de ficção.
1.2. Confirma ser o Relatório uma obra de ficção o fato de o documento partir da premissa de que houve a “entrega” do imóvel a Lula sem nenhum elemento que possa justificar tal afirmação. Aliás, nem mesmo o Delegado que subscreve o Relatório sabe quando teria ocorrido essa “entrega” que ele atribui a nosso cliente: “Houve a reforma após a entrega do imóvel, possivelmente no segundo semestre de 2014” (p. 06).
1.3. Lula esteve uma única vez no imóvel acompanhado de D. Marisa — para conhecê-lo e verificarem se tinham interesse na compra. O ex-Presidente e os seus familiares jamais usaram o imóvel e muito menos exerceram qualquer outro atributo da propriedade, tal como disposto no art. 1.228, do Código Civil (uso, gozo e disposição).
1.4. D. Marisa adquiriu em 2005 uma cota-parte da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) que, se fosse quitada, daria direito a um imóvel no Edifício Mar Cantábrico (nome antigo do hoje Edifício Solaris). Ela fez pagamentos até 2009, quando o empreendimento foi transferido à OAS por uma decisão dos cooperados, acompanhada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Diante disso, D. Marisa passou a ter a opção de usar os valores investidos como parte do pagamento de uma unidade no Edifício Solaris – que seria finalizado pela OAS — ou receber o valor do investimento de volta, em condições pré-estabelecidas. Após visitar o Edifício Solaris e verificar que não tinha interesse na aquisição da unidade 164-A que lhe foi ofertada, ela optou, em 26.11.2015, por pedir a restituição dos valores investidos. Atualmente, o valor está sendo cobrado por D. Marisa da Bancoop e da OAS por meio de ação judicial (Autos nº 1076258-69.2016.8.26.0100, em trâmite perante a 34ª. Vara Cível da Comarca de São Paulo), em fase de citação das rés.
1.5. Dessa forma, a primeira premissa da autoridade policial para atribuir a Lula e sua esposa a prática do crime de corrupção passiva — a propriedade do apartamento 164-A — é inequivocamente falsa, pois tal imóvel não é e jamais foi de Lula ou de seus familiares. O Relatório sequer enfrenta o assunto.
1.6. Outro aspecto primário também foi solenemente desprezado pelo Relatório. A corrupção passiva prevista no art. 317, do Código Penal, é crime próprio, ou seja, exige a qualidade especial do agente, que é ser funcionário público. Segundo um dos maiores juristas do País, Nelson Hungria, “A corrupção (...), no seu tipo central, é a venalidade em torno da função pública, denominando-se passiva quando se tem em vista a conduta do funcionário público corrompido” (Comentários ao Código Penal, vol. IX, p. 367). As melhorias descritas no Relatório teriam ocorrido após 2014. No entanto, Lula não é agente público desde 1º de janeiro de 2011 e D. Marisa jamais foi funcionária pública. Ou seja, não há como sequer cogitar da prática criminosa.
2- Falsidade ideológica –
Lula foi indiciado pelo crime de falsidade ideológica (CP, art. 299) sob o argumento de que “atuou na celebração de contrato de prestação de serviço de armazenamento ideologicamente falso com a GRANERO TRANSPORTES LTDA”. A verdade é que o ex-Presidente não teve participação nessa relação jurídica e, por isso mesmo, o Relatório não aponta qualquer evidência nesse sentido. O indiciamento ocorreu apenas sob a premissa de que Lula seria o “beneficiário direto” do contrato, numa clara imputação de responsabilidade objetiva que é estranha ao Direito Penal. Ademais, os bens do acervo presidencial integram o patrimônio cultural brasileiro, são de interesse público por definição legal (Lei 8394/91) – não se tratando de bens privados de Lula, mas sim de documentos que a lei exige que sejam conservados.
3- Lavagem de capitais –
Lula foi indiciado pelo crime de lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º) sob o argumento de que teria dissimulado o recebimento de “vantagens ilícitas” da OAS, que seria “beneficiária direita de esquema de desvio de recursos no âmbito da PETROBRAS investigado pela Operação Lava Jato”.
3.1. Para a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei nº 9.613/98, Lula e sua esposa teriam que ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores “sabendo serem oriundos, direta ou indiretamente, de crime”.
3.2. Além de o ex-Presidente não ser proprietário do imóvel no Guarujá (SP) onde teriam ocorrido as “melhorias” pagas pela OAS, não há no Relatório um único elemento concreto que possa indicar que os recursos utilizados pela empresa tivessem origem em desvios da Petrobras e, muito menos, que Lula e sua esposa tivessem conhecimento dessa suposta origem ilícita.
4- Inquérito oculto –
O Relatório se refere a um inquérito policial instaurado em 22/07/2016 e que ficou tramitando de forma oculta — nas “gavetas” das autoridades envolvidas — até o dia 24/08/2016. Há apenas dois dias, os advogados de Lula tiveram conhecimento do procedimento, após terem ingressado com Reclamação no Supremo Tribunal Federal por violação à Súmula 14 (Autos nº 24.975). E somente foi possível ter conhecimento da existência desse procedimento por erro do Ministério Público ao peticionar em um inquérito policial que tramitava de forma pública, para investigar a propriedade dos apartamentos do Edifício Solaris, e que foi concluído sem imputar ao ex-Presidente ou aos seus familiares a prática de qualquer ilícito (Autos nº 060/2016).
Conclusão
Os elementos acima não deixam qualquer dúvida de que:
1. A peça é uma ficção: o Relatório não parte de fatos, mas, sim, de ilações ou suposições;
2. A peça não tem respaldo jurídico: Lula e sua esposa não são proprietários do imóvel que teria recebido as melhorias; não são funcionários públicos, que é a premissa do crime de corrupção passiva; Lula não participou da contratação indicada no Relatório, de forma que o Relatório pretende lhe atribuir a prática de um crime sem que ele tenha qualquer envolvimento (responsabilidade objetiva, estranha ao Direito Penal); e, finalmente, Lula e sua esposa não receberam qualquer bem, valor ou direito da OAS que seja proveniente de desvios da Petrobras e muito menos tinham conhecimento da suposta origem ilícita desses valores;
3. A peça tem motivação política: O Delegado Marcio Adriano Anselmo tem histórico de ofensas a Lula nas redes sociais e já expressou publicamente sua simpatia por campo político antagônico ao ex-Presidente. Não se pode aceitar como coincidência o fato de o Relatório ser apresentado no meio do julgamento do impeachment da Presidente da República eleita com o apoio de Lula.
Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira"
Fonte: g1-Brasília