NEGÓCIOS
Trauma com desastre da Vale impulsiona fundos ESG no Brasil
O 2º desastre de barragem em 3 anos foi educativo para o mercado de éticos no Brasil.
Em 27/10/2020 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
O segundo desastre de barragem da Vale em três anos (o primeiro foi Mariana/MG) foi educativo para o mercado de investimentos éticos no Brasil, onde decisões que levassem em consideração critérios ambientais, sociais e de governança eram amplamente confundidas como ideológicas.
Diante da resiliência da mineradora Vale para manter forte sua geração de caixa, muitos investidores brasileiros estavam dispostos a perdoar a empresa meses depois do rompimento da barragem de Brumadinho em 2019, voltando a comprar suas ações após o movimento inicial de venda.
Mas nem todos estavam dispostos a seguir em frente como se nada tivesse acontecido. O segundo desastre de barragem da empresa em três anos foi educativo para o mercado de investimentos éticos no Brasil, onde decisões que levassem em consideração critérios ambientais, sociais e de governança eram amplamente confundidas como ideológicas.
“Nosso fundo sofreu muito. A Vale era de longe nossa principal posição”, disse Marcio Correia, gerente de ações da JGP do Rio de Janeiro, que, assim como outros gestores de fundos, passou apertos quando as ações perderam um quarto do valor dias depois do rompimento da barragem.
“Percebemos que estávamos desprezando os riscos associados com a mineração, a questão climática, e decidimos estudar isso a sério.”
Em reação, a empresa de gerenciamento de ativos de 34 bilhões de reais co-fundada nos anos 1990 por André Jakurski e Paulo Guedes, atual ministro da Economia, vendeu dois terços de sua ações da Vale.
Em agosto, a firma estabeleceu seu primeiro fundo exclusivo balizado por critérios ambientais, sociais e de governança, os chamados ESG.
Outros investidores locais também começaram a perceber que as questões de ESG tinham grandes implicações financeiras.
“O desastre da Vale foi um divisor de águas no Brasil”, disse Eduardo Dumans, sócio da Constellation, empresa de gerenciamento de ativos situada em São Paulo.
Até setembro deste ano, cerca de 20 fundos sustentáveis já haviam atraído cerca de um bilhão de reais, o dobro de 18 meses atrás, informou a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Mas o país ainda patina em relação à tendência internacional. As três maiores gestoras de investimentos ESG cuidam de menos de 50 bilhões de reais. Duas delas têm fundos que não excluem indústrias poluentes, embora incluam dados ESG para decidir seus investimentos.
Em todo o mundo, os fundos que integram critérios ESG administravam 30 trilhões de dólares quando o desastre de Brumadinho ocorreu, mostram cifras da Global Sustainable Investment Alliance.
“Se a Vale se comprometer com mudanças, será por causa dos investidores internacionais, não tanto por causa daqueles do Brasil”, opinou Fabio Alperowitch, sócio fundador da Fama, gestora de 2,5 bilhões de reais, conhecido como pioneiro no investimento sustentável no país.
Mas ele diz que o ESG finalmente está vingando no Brasil.
“Vejo todo esse movimento com uma misto de amor e ódio. Falo sobre isso há três décadas, e ninguém dava a mínima”, disse. “Agora entrou na moda”.
Obsessão por segurança
A Vale agiu para tentar reconquistar a confiança.
“A segurança se tornou uma obsessão, e a empresa acredita que a integração de ESG em nossa rotina será essencial para a eliminação de risco da Vale”, disse a companhia em uma resposta por escrito a perguntas da Reuters.
A empresa contingenciou 18,6 bilhões de reais para limpar e restaurar o meio ambiente e para amparar as vítimas após a tragédia de 2019. Até agora, ela gastou mais de 10 bilhões deste montante, e seus esforços para tratar das questões ESG ajudaram a persuadir a agência de avaliação de risco Moody’s a restaurar o grau de investimento da Vale, em 1º de outubro.
Ainda assim, a Vale tem o menor múltiplo de avaliação de empresas entre as grandes mineradoras globais quando seu valor é comparado com o índice de lucro ante de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), uma métrica usada para medir quanto vale uma empresa.
A JGP e outros fundos brasileiros com enfoque ético dizem que o valor reduzido da Vale reflete em grande parte as dúvidas de investidores a respeito de sua capacidade de cumprir metas ESG sem comprometer a produção.
Restaurar sua reputação é particularmente duro porque o rompimento de Brumadinho em janeiro de 2019, que matou 270 pessoas, ocorreu após o rompimento de outra barragem de uma joint venture da Vale em Mariana em novembro de 2015, que deixou 19 mortes no pior desastre ambiental do Brasil.
A JGP descartou comprar ações da mineradora antes de agosto de 2021 --data que assinalará os dois anos da criação de seu fundo ESG exclusivo.
Ao responder às perguntas da Reuters, a Vale disse que suas medidas de segurança incluem a redução do uso de barragens que armazenam resíduos de mineração líquidos e a preferência pelo empilhamento a seco, que é mais seguro.
Além disso, ela disse que 20% das metas de compensação de longo prazo de seus administradores sêniores se baseará no desempenho em ESG, sem informar um cronograma específico. (Reportagem adicional de Simon Jessop e Ross Kerber - Reuters)