POLÍTICA NACIONAL
Um presidente não pode alimentar o ódio e o preconceito
O PSB já definiu uma posição sobre o Lula. É um assunto da Justiça, afirma Casagrande.
Em 12/08/2019 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
Governando pela segunda vez o Espírito Santo, o menor estado do Sudeste, com 4 milhões de habitantes, Renato Casagrande, 58 anos, se tornou uma das mais respeitadas vozes do País. Tanto que, apesar de seu partido, o PSB, se posicionar contra a Reforma da Previdência, ele não fica nem um pouco constrangido em apoiar o projeto do governo Bolsonaro, com o qual nutre profundas divergências no campo político. Como, por exemplo, sua agenda na área dos costumes.
“A pauta econômica está se impondo, mas Bolsonaro está promovendo uma regressão civilizatória”, afirma o governador em entrevista exclusiva à ISTOÉ.
Para ele, o presidente não pode continuar alimentando “o ódio e o preconceito”.
“A sociedade já vive momentos de intolerância muito grandes. E é papel dos governantes mostrar que precisamos de uma sociedade fraterna, harmoniosa, que possa conviver com as diferenças”, disse. Ao projetar o futuro, o governador capixaba defende que o PSB deve se distanciar de vez do PT, cujos dirigentes foram abatidos por denúncias de corrupção, e ter candidato próprio a presidente da República em 2022 “para enfrentar a agenda reacionária de Bolsonaro”, disse Casagrande.
O senhor é favorável à Reforma da Previdência, mas o seu partido, o PSB, é contra. O seu partido erra ao ficar contra a reforma?
O partido está correto ao manifestar uma posição contrária porque os pontos do regime geral da Previdência são pesados para os trabalhadores de renda menor, mas eu pedi permissão para que alguns parlamentares e governadores, como é o meu caso, pudéssemos nos posicionar a favor, porque em relação ao regime próprio de Previdência nós não temos muitas diferenças. E os governadores, como é o caso do Espírito Santo, teremos que fazer algumas mudanças, alinhando-nos com parte das medidas tomadas nacionalmente na Câmara.
"Apoio as medidas econômicas de Bolsonaro, mas não sua agenda de costumes (Renato Casagrande)". Foto: ISTOÉ/Reprodução
O senhor defende tudo o que foi aprovado na Câmara até aqui?
Eu defendo a reforma previdenciária e concordo com boa parte daquilo que foi votado, mas em relação a alguns pontos do regime geral da Previdência sou contra. Sei da importância da reforma e sei o que vou precisar fazer aqui no meu estado. Trabalhei para uma posição equilibrada do partido (PSB) em relação à reforma. Se eu fosse parlamentar, teria lutado para mudar algumas coisas que foram aprovadas. Mas pedi o equilíbrio da direção do partido, porque alguns parlamentares se convenceram de que era importante votar a reforma e, afinal, eles não receberam nada em troca por essa posição.
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Como o senhor se posiciona sobre os 11 dissidentes do PSB que votaram a favor da reforma?
O partido deve estabelecer um diálogo com esses parlamentares. Eles votaram por convicção, porque compreenderam a importância de votar a favor da reforma.
E as punições aos dissidentes?
Eles são bons parlamentares. E é bom que se diga que ninguém no partido até agora declarou que eles tenham que ser expulsos. Eu estou antecipando minha posição: sou contra medidas mais radicais contra eles. Eles são decentes.
E quando a reforma chegar ao Senado? Os senadores do PSB devem votar a favor?
O PSB tomou uma decisão de ficar contra. A reforma que entrou na Câmara era uma e saiu outra, com a correção de algumas coisas, como a exclusão das mudanças no BPC, trabalhadores rurais, capitalização. Então a proposta melhorou. Agora, acho que o Senado pode melhorar ainda mais, como o período de transição, tempo de contribuição para a aposentadoria do regime geral da Previdência. Acho que os senadores deveriam manifestar o desejo de tirar pontos maléficos, especialmente quanto ao regime geral, que hoje são prejudiciais aos trabalhadores. Mas tem que votar a favor de uma proposta melhorada, pois a população se convenceu da necessidade da Reforma da Previdência.
E a questão dos estados e municípios que ficaram fora da reforma? Eles precisam ser incluídos no Senado?
Importante que os estados e municípios sejam incluídos. Estamos trabalhando para isso desde o início da discussão da reforma. Não temos divergências quando a isso. Tentamos fazer isso na Comissão Especial, mas não foi possível. Tentamos no Plenário e não foi possível. No segundo turno, agora na Câmara, também não será possível. Portanto, espero que no Senado possamos incluir ou que se vote uma PEC paralela com a reforma nos estados. Afinal, o Senado é a instituição que defende a federação, defende os estados e municípios. Tenho plena convicção de que no Senado caminharemos para socorrer estados e municípios. Afinal, o déficit dos estados é de mais de R$ 100 bilhões a cada ano.
A informação é de que todos os estados estão quebrados. É o caso do Espírito Santo também?
O nosso estado tem boa gestão fiscal. O estado tem suas fontes de equilíbrio em termos da capacidade de buscar financiamentos de recursos próprios para fazer investimentos. Estamos autorizados inclusive a ir ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano e outros, para buscar financiamentos. Mas o déficit previdenciário é muito forte. Em 2019, teremos que fazer um aporte para complementar aposentadorias e pensões de mais de R$ 2,4 bilhões. Então, temos um estado equilibrado, mas com uma situação previdenciária delicada e que exige um acompanhamento e tomada de decisões. O Espírito Santo não pode se esconder atrás da crise e o governador não pode ficar prisioneiro no gabinete do Palácio Anchieta.
Então o estado tem uma economia saudável?
Acabamos de fazer um bom acordo com a Petrobras (a estatal explora petróleo na faixa marítima do estado), o que está nos permitindo criar um fundo soberano pela primeira vez na história de um estado brasileiro, que será um fundo que vai usar parte da riqueza do petróleo para se associar a empresas privadas e ajudar a desenvolver o estado.
Quanto o estado está recebendo da Petrobras?
A Petrobras pagava de forma equivocada o que nos devia da exploração do petróleo no estado. Fizemos agora um acordo e vamos receber a diferença que nos deviam no valor de R$ 1,5 bilhão. Vamos usar o dinheiro na infraestrutura do estado. Daqui para a frente, receberemos R$ 400 milhões a mais todo o ano da Petrobras e com esse dinheiro criamos o fundo soberano, que, em parceria com a iniciativa privada, vamos desenvolver o Espírito Santo.
O senhor também pretende adotar políticas liberalizantes, privatizações, embora seja socialista?
Não tenho nenhum problema com as privatizações. Nós temos uma empresa de saneamento, que é muito bem gerenciada, e não vamos privatizar. Temos um banco comercial que também não temos interesse em privatizá-lo. O que nós temos é um programa de parcerias com o setor privado.
Como o senhor avalia o governo Bolsonaro?
Bolsonaro teve oportunidade de retomar a atividade econômica do Brasil. A agenda econômica está se impondo, independente de quem está no poder. Pelo tanto de desempregados que temos, há a necessidade de se impor novos parâmetros e novas relações econômicas, de avançar em parcerias com o setor privado, e é o que ele está fazendo. Mas, no campo político, ele está promovendo uma regressão civilizatória.
O senhor acha que essas declarações do presidente têm atrapalhado o governo?
Tenho certeza que atrapalha. E tem gente dentro do governo que também acha isso. Pode ser até uma estratégia do presidente em manter as pessoas mobilizadas em torno das suas teses. Pode ser bom nesse sentido, mas é ruim para o País. A sociedade já vive momentos de intolerância muito grande e é papel dos governantes mostrar que precisamos de uma sociedade fraterna, harmoniosa, que possa conviver com as diferenças e não alimentar o ódio e o preconceito.
O senhor considera que o presidente fala demais?
O presidente da República tem que se comportar como presidente da República. Eu tenho uma relação amistosa com o governo federal, com os ministros, mas não posso deixar de manifestar minha opinião: ele tem que fazer um trabalho que agregue. Quanto mais você desagrega, espalha brasa, espalha ideias preconceituosas, isso não é bom para o País.
Ou seja, o senhor apóia a política econômica, mas não as políticas de costumes do presidente?
Lógico que não. Eu tenho certeza que as algumas medidas econômicas são boas, como essa agora da política de gás, que pretende reduzir os preços do produto, e a liberação do FGTS, que considero uma boa medida. Tenho concordância com boa parte das medidas econômicas, mas de fato com essa agenda comportamental eu não posso ter concordância. Espero que o governo faça uma reflexão sobre essas posições.
Como o senhor vê as esquerdas no Brasil hoje? Elas estão desunidas? Falta uma oposição coordenada ao presidente Bolsonaro?
A oposição ao presidente está sendo feita pelas bancadas no Congresso, mas de fato o campo de centro-esquerda no Brasil, com tudo o que envolveu o PT, que governou este País por alguns mandatos, tornou os partidos de esquerda frágeis. Até porque boa parte dos nossos partidos de esquerda se aliou ao PT enquanto ele esteve no poder. Então, é hora do PSB compreender a necessidade da mudança de visão da sociedade. A sociedade hoje exige pessoas que tenham responsabilidade com o dinheiro público.
"O PSB já definiu uma posição sobre o Lula. É um assunto da Justiça. Não cabe a nós fazer disso uma luta política (Renato Casagrande)". Foto: ISTOÉ/Reprodução
O PSB sempre foi aliado do PT, participou de seus governos, mas seu partido avaliza os atos de corrupção cometidos pelos dirigentes petistas?
Não só nós não concordamos. Muita gente do PT também não concorda com o que foi feito. Assistimos a uma quantidade enorme de denúncias, de casos de corrupção, que provocaram a decepção em muita gente e isso levou ao fortalecimento de forças conservadoras, de extrema direita, o que levou à eleição do presidente Bolsonaro. Isso exige uma reflexão grande dos partidos de centro-esquerda, inclusive do PSB. Temos a oportunidade de liderar a sociedade na construção de uma força progressista inovadora no nosso País.
O senhor defende o Lula Livre?
O nosso partido já definiu uma posição sobre a questão do Lula. É um assunto da Justiça. Não cabe a nós fazer disso uma luta política.
O PSB terá candidato próprio à presidente em 2022?
Acho que tem que ter. Ainda estamos distantes, mas defendo uma candidatura própria em 2022.
O senhor pretende ser candidato a presidente da República?
Neste momento, estou cuidando de governar o Espírito Santo, mas o partido vai fazer esse debate logo após a eleição municipal no ano que vem.
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