EDUCAÇÃO
USP lança parceria com a ONU contra a discriminação de mulheres
"Não é possível mais tolerar novos casos", diz coordenadora do programa.
Em 20/06/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
A Universidade de São Paulo (USP) anunciou, na quinta-feira (18), a criação de um novo programa ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) para incentivar pesquisas sobre discriminação de mulheres e igualdade de gênero. O "He For She" (Ele por Ela, na tradução do inglês) foi lançado pelo ONU Mulheres em 2014 e, neste ano, uma iniciativa dentro do programa foi anunciada para engajar universidades e empresas de dez países, entre eles o Brasil.
Segundo a USP, a instituição acadêmica é a única latino-americana a participar da iniciativa, batizada de "Impacto 10x10x10" e que tem como embaixadora a atriz Emma Watson. As outras parceiras são a Universidade de Georgetown e a de Stony Brook (nos Estados Unidos), as universidades de Oxford e de Leicester (Reino Unido), a Universidade de Waterloo (Canadá), a Universidade de Witwatersrand (África do Sul), a Universidade de Hong Kong, a Universidade de Nagoya (Japão) e o Instituto de Estudos Políticos de Paris, conhecido como Sciences Po, na França. No Brasil, a parceria foi batizada de USP Mulheres.
Nova denúncia de discriminação
A notícia foi divulgada no mesmo dia em que o G1 revelou uma lista publicada por estudantes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), no campus da USP em Piracicaba, onde as estudantes mulheres da faculdade eram "ranqueadas" de acordo com o número de parceiros sexuais que teriam tido e categorizadas segundo características físicas íntimas.
A lista provocou a revolta das estudantes. A Esalq anunciou que abriu uma sindicância para apurar, na esfera administrativa, a produção e divulgação do "ranking" e um inquérito policial foi aberto para investigar o caso na esfera criminal. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Piracicaba, os autores da lista incorreram em três crimes: homofobia, difamação e calúnia. A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República afirmou que o caso reforça o "preconceito e a discriminação contra mulheres no Brasil".
Mudança de modelo ético
Em entrevista ao G1, Lilia Blima Schraiber, a professora nomeada pelo reitor, Marco Antonio Zago, para coordenar o USP Mulheres, afirmou que os professores e funcionários da instituição precisam mostrar modelos de ética que respeitem a diversidade, para que os estudantes se inspirem neles. "Se o próprio professor tiver uma ética que valorize a diferença das pessoas, não discrimine, ele consegue ser mais justo, e ao longo do tempo o aluno vai achar isso também importante", explicou ela.
A professora diz que os estudantes precisam ser punidos, mas que também é preciso entender que eles ainda são, na maioria, jovens, dependentes dos pais, fora do mercado de trabalho e ainda em processo de formação. Por isso, os professores e pais também têm papel educativo nessas questões. "Tenho a impressão de que os alunos estão profundamente equivocados nessas questões. Eles confundem muito a liberdade sexual com a degradação sexual. Acho que tem que retomar tudo, rediscutir, recolocar as questões."
Grupos e coletivos
Segundo Lilia, que é professora da Faculdade de Medicina da USP, o programa pretende ir além dos objetivos da parceria com a ONU. "A ideia é que o escritório seja uma estrutura mais permanente e que busque trabalhar toda a dimensão cultural relativa a gênero, em todos os níveis que demanda. Tem que ser uma política de longo prazo, tentando alcançar em curto prazo resultados em questões mais extremas. Não é possível mais tolerar novos casos", afirmou ela.
Lilia também participa de outra iniciativa dentro da USP. Idealizado pelas professoras da instituição, o grupo "Quem cala consente" foi criado em abril sem vínculo formal com a instituição para debater e elaborar sugestões de políticas de prevenção e combate à violência e à discriminação dentro dos campi da universidade.
Ela diz que pretende incluir tanto o grupo de professoras quanto outros grupos dentro da USP, principalmente os coletivos feministas criados por mulheres estudantes em diversas unidades. "Quando há pontos de convergência, a gente tem que estimular. Guardadas essas autonomias, os pontos de convergência e cooperação devem ser compartilhados."
Estrutura
A assessoria de imprensa da USP diz que o novo programa não terá investimento financeiro alto, mas contará com um escritório próprio no campus da universidade em São Paulo. De acordo com a professora Lilia, os detalhes concretos do funcionamento do programa ainda não foram definidos, mas ela pretende criar um conselho consultivo para ouvir os diversos setores da instituição.
Além das atribuições em relação à cultura da universidade, o programa prevê a criação de uma linha de pesquisa interdisciplinar para fomentar estudos "voltados para a diversidade dos aspectos de gênero e o papel do gênero no desenvolvimento urbano", segundo a instituição. O projeto deve durar pelo menos um ano, e, segundo a USP, no segundo semestre de 2016 as dez universidades vão se reunir para debates a erradicação da violência contra as mulheres nos campi universitários.
Uma das atribuições da novidade, porém, não deve ser a de atender e apurar diretamente essas denúncias de discriminação. "Acho que a universidade já tem a Ouvidoria, já tem várias iniciativas nessa linha do recebimento. Acho que o escritório pode dar grande apoio na coordenação política de princípios um pouco mais convergentes."
Injustiças
Entre eles, ela citou a participação de professores em processos de sindicância e punição de estudantes. Na USP, cada escola, faculdade ou instituto é responsável por endereçar as denúncias relacionadas à quebra das diretrizes disciplinares. Na Faculdade de Medicina, por exemplo, uma sindicância finalizada em abril suspendeu, por seis meses, um estudante de medicina acusado de estuprar duas estudantes da mesma faculdade.
A unidade também decide sobre ações administrativas contra outros tipos de comportamento, como fraudes acadêmicas. Em um dos casos, uma estudante foi suspensa por um ano por ter feito uma prova no lugar de uma colega.
Segundo Lilia, que também integrou uma comissão, em 2014, que durante seis meses levantou uma série de denúncias de abuso na FMUSP, incluindo a do estudante suspenso em abril, as comissões de sindicância precisam "ter base mais fundamentada" para avaliar o comportamento e a disciplina. "As comissões têm opiniões muito diversas sobre os mais variados temas. Aqui não é o Judiciário, não é uma formação de juízes. Teria que ter base mais fundamentada, acho que são variações que acabam resultando em efetivas injustiças", disse ela.
Fonte:G1