CULTURA

Como livro de poesia de autoajuda chegou aos mais vendidos?

Obra nasceu em perfil no Facebook e já vendeu mais de 70 mil exemplares.

Em 07/06/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O estudante universitário Igor Pires da Silva enfrentava o término de um relacionamento que ele descreve como abusivo ("o final estava sendo uma bosta") quando, em março de 2016, resolveu voltar a fazer poesia após um ano de recesso ("tinha perdido o tato").

Passou a escrever "alucinadamente": "Era a maneira de expurgar aquela dor e de me fazer presente, vivo. Transformei em metáfora para seguir em frente".

Na prática, seguir em frente significou criar um perfil no Facebook para publicar textos poéticos voltados ao público jovem. Lançado em abril daquele ano, o projeto foi batizado de "Texto cruéis demais para serem lidos rapidamente" ("o nome surgiu quando eu estava no ônibus e veio de estalo na minha cabeça"), conhecido também como "TCD".

A partir dali, a coisa fluiu rápido, em ritmo de curtidas em redes sociais: veio um site e, em dezembro de 2017, um livro. A obra está há cinco meses nas listas de best-sellers do Brasil. Até final de maio, já tinha vendido impressionantes 70 mil exemplares.

O número é um recorde dentre os títulos nacionais do selo Globo Alt, da editora Globo Livros.

E que tipo de conteúdo oferece o "TCD"?

"Era poesia livre. Quando a gente começou, pensou muito em estilo bem livre, bem Rupi Kaur, que estava em voga na época", explica ele, citando a poeta e best-seller canadense de origem indiana cuja obra é associada ao feminismo.

Igor cita que também estava na moda a recusa em usar letras iniciais maiúsculas. "É característica do tumblr", argumenta.

A ideia inicial ia além de questões sentimentais, explica Igor ao G1. O nome "Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente" é uma espécie de declaração de princípios e contraponto ao habitual em redes sociais.

"Sempre achei que a gente podia usar o Facebook de uma maneira melhor e mais profunda. Na época, a gente entendia o Facebook como uma rede social muito superficial: ou era meme ou gif de cachorro ou discussão política".

"Em seis meses, a gente tinha 100 mil seguidores". Mas, em maio de 2017, o grupo original perdeu cinco participantes, restando Igor e a designer Gabriela Barreira, no time desde outubro de 2016.

Uma semana mais tarde, a editora Globo Livros entrou em contato se oferecendo para editar o livro, com textos inéditos de Igor e diagramação de Gabriela.

São 80 textos e 30 ilustrações da artista Anália Moraes, com trabalho de viés feminista. Demorou uma semana para o livro entrar na lista de mais vendidos do Publish News, que monitora o mercado editorial.

Até o mês passado, a obra é a sétima mais vendida de 2018 na categoria "Ficção" no ranking do site. O perfil da "TCD" no Facebook soma 1,24 milhão de curtidas e 1,13 milhão de seguidores.

Qual o público do livro?

De acordo com Igor, mulheres entre 18 e 24 anos de idade representam 85% do público de "Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente".

Editora da obra e do Globo Alt, selo da Globo Livros voltado ao público jovem, Veronica Armiliato Gonzalez conta que a editora se interessou em publicar porque queria "desconstruir dois pensamentos do mercado editorial tradicional: 'poesia não vende' e 'jovem não lê – principalmente não lê poesia'".

Por que faz sucesso?

Veronica afirma que, a exemplo de Rupi Kaur (sempre ela...), os textos de "Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente" oferecem "uma poesia muito acessível".

 

"Não é a poesia tradicional. São textos poéticos, e é muito fácil de se indentificar com eles. Não é aquela poesia que o jovem considera chata, difícil, que precisa ficar esmiuçando, usando as aulas de português do colégio."

Outro motivo, segundo ela, é o que ela chama de "engajamento". "Não é o tipo de livro que a pessoa lê uma vez e não lê mais".

Para ela, é "espantoso" o fato de ter vendido 70 mil cópias em seis meses. "Hoje em dia, se um livro vende 10 mil, já é um sucesso. O Igor escreve são textos pesados, que são um soco no estômago. E as pessoas realmente se emocionam."

Na "TCD" desde outubro de 2016, designer Gabriela Barreira fala que um dos objetivos atuais é fazer uma "apresentação institucional" da marca "TCD". "E como chegar a uma empresa também, que é o que a gente vem tentando fazer mais."

Os fãs pedem ajuda?

Igor cita que já recebeu mensagens de leitores que pedem ajuda para resolver algum problema sentimental, psicológico ou emocional.

"O que fazemos, nesses casos, é recomendar que procurem ajuda profissional, um psicólogo, ou amigos e família. Porque eu sou só o autor. Como tem essa aproximação do público, as pessoas podem confundi os papéis."

Já a autora das ilustrações da obra, Anália Moraes, cita um exemplo dessa devoção dos fãs: ouviu relatos de que uma pessoa fez uma tatuagem com a imagem da contracapa do livro.

"A gente ficou muito emocionado. Para mim, é bizarro uma pessoa gostar tanto de uma coisa a ponto de colocar aquilo na pele. É uma honra muito grande."

É um livro 'de amor'?

"Tem até uma frase que todo mundo tira foto: 'O meu amor por mim me salvou, obrigado por me mostrar isso da maneira mais desagradável possível'. Porque o final do meu relacionamento tinha sido uma bosta, um pouco abusivo."

O escritor explica que o livro é dividido em quatro partes:

  • uma mais leve (início)
  • uma mais pesada (meio)
  • uma mais triste (meio para o fim)
  • uma mais feliz/otimista (última)

O desfecho, segundo ele, foi sugestão da editora "para trazer uma nova perspectiva de novos caminhos e caminhos bons".

"Tive de produzir uma quarta seção do livro, que é a ideia de que: 'Cara, você já passou por tudo isso, sofreu pra caramba, mas no final você está vivo, respirando e pode observar a janela lá fora, ver o sol e ver que a vida tá acontecendo'."

É autoajuda?

Se você quiser chamar "Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente" de autoajuda, tudo bem, o autor diz não se incomodar "nem um pouco".

"Acho que a gente tem uma visão da sociedade – e muito do mercado editorial – de que livros de autoajuda são, sei lá, inferiores ou têm uma carga negativa. Na verdade, são extremamente essenciais pras pessoas, ainda mais em se tratando de vários contextos: o suicídio só aumenta no Brasil, depressão cada vez maior entre os jovens..."

Igor lembra que ele teve depressão. "A escrita era uma forma de escape, um subterfúgio. Sempre falo que a escrita literalmente me salvou. Quando você está com depressão, o mundo fica estranho, você não tem vontade de fazer nada. Por mais clichê que soe, é muito incrível essa capacidade que a escrita te dá."

Quais são as influências do autor?

Igor diz que sempre gostou de poetas consagrados, como:

  • Carlos Drummond de Andrade
  • Mario Quintana
  • Vinicius de Moraes
  • Fernando Pessoa

Mas teve uma época em que lia muito mulher: Cecília Meireles, Adélia Prado e Clarice Lispector.

"Acho que minha maior referência hoje é o Caio Fernando Abreu, que é maravilhoso. É a escrita que mais se aproxima da minha, é bem urgente, é pesada e profunda mas tem esse senso de urgência."

No momento em que escreve os textos do segundo livro da "TCD", as leituras são outras.

"Agora estou lendo muito poetas no estilo da Rupi [Kaur]. Tenho lido muito também a Warsan Shire, uma poeta afro-inglesa que aparece no disco 'Lemonade', último da da Beyoncé, e a Nayyirah Waheed". Ainda no ramo das "influências musicais", ele cita Adele e Lorde.

Quem é o autor?

Igor Pires da Silva tem 22 anos e se descreve como "uma pessoa não deslumbrada": "Sou de família pobre, vim da periferia, morava em Guarulhos, num bairro chamado Pimenta. Para mim, as coisas foram muito difíceis".

Ele diz que teve sempre "um caminho complicado" e, por isso, acha que "tem um caminho ainda maior".

"Ter um dos livros mais vendidos do país é privilégio, uma honra. Mas sinto que a gente tem outras coisas para conquistar. Porque o mercado editorial é difícil, complicado."

Igor é formado em publicidade na Mackenzie. Atualmente, ele cursa comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e quer se formar em jornalismo.

Vai ter continuação?

Sim, em agosto de 2018, a Globo Alt deve lançar um segundo livro da "TDC".

A obra vai ser assinada por Igor, Gabriela e outras duas autoras que entraram mais recentemente: Letícia Loureiro e Maria Luiza Moreira.

(Foto: Divulgação)