CULTURA

Grupo de teatro de BH usa a arte para combater preconceito contra travestis.

O trabalho do Coletivo Toda Deseo é voltado para o universo trans.

Em 03/11/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O ator David Maurity chegou ao ensaio carregando sua carteira, as chaves de casa, uma meia-calça rosa, um microvestido e um par de sapatos, salto oito.

“Ainda vim de Uber, meu bem”, disse o integrante do coletivo Toda Deseo. Criado em 2013, o trabalho do grupo, composto por nove artistas, é voltado para o universo trans.

“Não somos travestis. Nós somos atores que representam travestis no palco e isso é muito importante porque é uma questão de protagonismo mesmo. O nosso lugar de fala é do teatro. Mas a gente quer compartilhar essa luta. Enquanto as ‘meninas’ estiverem morrendo, pessoas perdendo a vida por conta do preconceito, por conta da violência, esse nosso trabalho faz muito sentido”, disse.

Uma destas ações é a “Gaymada”, um campeonato de queimada que procura desmistificar o universo trans, trazendo para o jogo todos que quiserem participar. O evento, que sempre acontece em praças à luz do dia, já chegou a sua terceira edição.

“Elas (travestis) sempre existiram, sempre estiveram aí, mas era um universo que ficava muito preso à noite e as pessoas criavam os estereótipos em cima disso. Como se toda travesti só vivesse à noite, como se todo gay só tivesse na boate. Tem família, tem trabalho. A noite é um dos momentos da vida dessas figuras. Se vocês nunca prestaram atenção, abram seus olhos e vejam”, disse David.

Nos dias dos jogos, o grupo chega sempre montado com perucas, cílios postiços e muito bom humor.

“A gente não vai fazer como meninos. Como inserí-las (travestis) e ainda fazer um campeonato? Todo mundo é afetado pela ‘Gaymada’. Além disso, tem uma rede social que amplia assim (estala os dedos) demais”, contou Rafael Lucas Bacelar.

Outro espetáculo do grupo é “No Soy Um Maricón” em que são apresentados quatro pocket-shows, cada um com quinze minutos de duração.

Eles narram a história de travestis desde a busca pela fama até a decadência. Mas a ideia é transformar o palco em uma festa e convidar o público a participar.

“Neste espetáculo a gente se deparou com situações um pouco complicadas. Em determinados momentos, as pessoas se sentiam no direito de passar a mão na gente. Isso mostra como as pessoas confundem e enxergam a travesti como um objeto sexualizado. Então, a gente teve que mostrar para as pessoas que ‘não, se eu coloco um vestido, isso não te dá o direito de passar a mão em mim’. É quase uma reeducação”, disse David.

Muitas travestis já viram os trabalhos da Toda Deseo e as opiniões delas, segundo o coletivo, são divididas.

“A reação é bacana por parte de muitas pessoas, mas também recebemos críticas não tão positivas, o que pra gente também é importante porque a gente trabalha com essa temática e a gente não é travesti. Então o nosso lugar de fala é outro. Ele é o do ator, ele é o da arte, ele é o do teatro. Nós queremos que elas nos entendam e entendam o nosso ponto de vista, de onde parte o nosso trabalho”.

Cristal Lopez entendeu. A travesti é figurinha fácil nos ensaios do grupo e nos campeonatos de “Gaymada”. Ela também foi convidada para participar do próximo espetáculo da Toda Deseo.

“Acho ótimo quando as pessoas que não tem vivência trans são sensíveis a esse assunto”, disse.

O grupo evolui e reage de acordo com as mudanças e discussões sobre os direitos das travestis.  “Hoje é uma coisa, amanhã morrem cinco, cai uma lei, sobe mais uma lei, nosso trabalho é dinâmico”, disse Rafael. “Nós somos arte-ativistas”, completou David.

Violência
O último assassinato de travesti registrado na Região Metropolitana foi no dia 21 de outubro. Ela foi morta em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. De acordo com a Polícia Militar (PM), a travesti fazia programa na Avenida Babita Camargos, no bairro Cidade Industrial, quando um homem chegou em um carro branco e a chamou.

Ela foi em direção ao veículo, se abaixou na altura do vidro e foi baleada no lado esquerdo do peito. A vítima morreu no local.

Fonte: G1-MG