CULTURA
Igualdade racial, um mito pouco arraigado na realidade brasileira
O Brasil costuma se apresentar como uma nação predominantemente miscigenada.
Em 19/11/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia
O Brasil costuma se apresentar como uma nação predominantemente miscigenada, sem grandes tensões raciais, mas quanto mais escuro é o tom a pele de uma pessoa, maiores são os entraves para sua ascensão social.
A questão é tema de debates às vésperas do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro em memória à morte do Zumbi dos Palmares, último líder de uma rebelião de escravos no Nordeste, assassinado em 1695 por colonos portugueses.
A escravidão foi abolida em 1888, mas a grande maioria dos descendentes dos quase cinco milhões de africanos trazidos ao Brasil ao longo de três séculos (quase a metade do total dos enviados à América) segue relegada à base da pirâmide social.
Os dados são implacáveis: na faixa dos 10% brasileiros mais ricos, 70% são brancos; e na dos 10% mais pobres, 74% são negros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Do total de brasileiros que se autodeclaram pretos e pardos negros (54% dos 208 milhões de habitantes do país), apenas 5% ocupam cargos executivos.
Nos meios de comunicação, os negros são escassamente representados e, na publicidade, modelos negros aparecem pouco.
Estas desigualdades ficam duramente expostas no vídeo “Jogo do Privilégio Branco”, recentemente lançado pelo Instituto ID_BR (Identidades do Brasil). Inspirado em uma experiência criada pelo BuzzFeed nos Estados Unidos, já foi visto por 1,2 milhão de internautas e reproduzida em vários programas de TV.
As regras do jogo são simples: linhas horizontais são traçadas no chão e os participantes, que começam no mesmo nível, dão um passo para trás se responderem afirmativamente a perguntas relacionadas com experiências de exclusão ou desigualdade; ou para frente caso contrário.
As perguntas são relacionadas à vida familiar, ao nível escolar, ou a situações de racismo cotidiano, do tipo:
“Se já ouviu piadas por conta de sua pele ou cabelo, dê um passo para trás”.
No fim do jogo, invariavelmente, os negros ficam na última fila.
– Ação afirmativa –
“O privilégio branco consiste em se beneficiar de uma série de vantagens sem pensar nisto”, como algo “natural”, explica à AFP a historiadora Giovana Freitas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo uma pesquisa do instituto Locomotiva, os homens negros formados na universidade ganham 29% menos do que os brancos com qualificação similar; as mulheres, 27% menos do que as brancas.
Desde a adoção, há 15 anos, de cotas raciais para o ingresso nas universidades, sob o impulso de governos de esquerda, a proporção de negros e miscigenados que entram no Ensino Superior passou de 8% para 27%.
Estas políticas de ação afirmativa começaram a surtir efeito, mas seus beneficiários “ainda não foram incluídos no mercado de trabalho”, lamenta o gestor de programas de educação do ID_BR, Esteban Cipriano.
– Grupos de discussão –
A ONG busca que as empresas contratem mais negros e mestiços. Recentemente, envolveu-se em discussões com a grife de roupas Maria Filó, que, no ano passado, lançou uma coleção polêmica com estampas que evocam cenas da época da escravidão.
“Nós nos abrimos ao diálogo e mudamos nosso olhar para certas coisas. Estamos muito mais atentos”, afirma Isabel Beaklini, gerente de endomarketing da marca.
Uma das participantes negras destas conversas mensais, Catia Fernandes, encarregada de desenvolvimento de produtos da Maria Filó, agradece a iniciativa: “quando o grupo foi criado, me emocionei, porque sempre quis falar destes temas, mas não havia encontrado a oportunidade de fazê-lo”, afirma.
As mentalidades evoluem, mas a questão racial continua sendo hipersensível.
Uma marca lançou recentemente um papel higiênico na cor preta, com o slogan: “Black is Beautiful”.
Diante do escândalo, a empresa anulou a campanha publicitária, e a atriz (branca), Marina Ruy Barbosa, que aparecia envolta no rolo de papel higiênico, fez um mea-culpa no Twitter.
Na semana passada, o telejornalista William Waack, da TV Globo, foi suspenso, após ter dito, “isso é coisa de preto”, em reação aos insistentes buzinaços em uma rua no exterior do estúdio onde se preparava para entrar no ar. Apesar de feito fora do ar, seu comentário foi filmado e difundido nas redes sociais.